MARCELO MÁRIO DE MELO: ESTADO DE POESIA
Postado por DCP em 13/04/2023
O ESTADO DE POESIA
Marcelo Mário de Melo*
A VIVÊNCIA - Tudo
começou quando vi escrita a palavra "feridas". Aí acrescentei:
feridas conferidas. Em seguida: feridas congeladas. E indaguei: feridas
congeladas abertas ou fechadas?
Aí se desencadearam as
imagens.
Um braço com uma ferida
aberta. Um corpo cheio de feridas. O braço ferido mergulhado numa cabeça
como num caldeirão. Vendo-se as ondulações do cérebro em carne viva. Braços e
pernas se contorcendo mergulhados da cabeça, como numa panela no fogo.
Pessoas correndo de medo nas
ruas ante explosões.
Outras procurando estancar o
sangue no corpo.
Clips de ferimentos e
desespero.
Tudo isto saltitando na cabeça
e pedindo tradução de palavras. Caracterizando um estado de poesia desencadeado
por uma simples palavra. Assim
como existem outros, desencadeados
por muitas outras coisas.
Tudo que exista no mundo,
conhecido ou desconhecido, pode se impor num determinado momento, como um
estado de poesia. Que surge como a fome, a sede, o sono, uma
coceira, um cisco no olho, uma topada, um tropeço, um sinal de alerta, uma
queda brusca, uma aparição, uma surpresa.
Quando toma consciência do
estado de poesia instalado, o poeta procura traduzi-lo em palavras, sob a forma
de poema.
O POEMA
Feridas abertas congeladas
que as lembranças descongelam
e fazem jorrar em sangrias
que transbordam
no caldeirão do cérebro
onde ferve o pânico
antecipando membros amputados
em explosões
correrias
hemorragias
de guerra declarada.
O GERAL -
Todas as pessoas vivenciam estados de poesia, mas devido a uma educação marcada
por parâmetros racionalistas e utilitários, não foram estimuladas a fazer a
costura com os fios da arte poética. O que fica somente a cargo dos poetas,
tomados como especialistas.
É necessária uma ação poético-pedagógica
esclarecendo sobre os estados de poesia das pessoas, estimulando-as a se
voltarem para eles, procurando traduzi-los. Cabendo aos poetas um importante
papel neste sentido, ao lado dos professores de arte em geral.
Mas o fato é que existe uma
mistificação e uma redoma em torno da arte poética e dos poetas, chegando-se às
raias do endeusamento. Identificando-os aos ofícios religiosos, onde predominam
o sagrado e o mistério.
O POETA - O
que constitui um contrassenso, porque, como um Prometeu liberto, e diferentemente
do religioso, a ação do poeta consiste, exatamente, em tentar traduzir o
intraduzível, desvendar os mistérios e trazê-los à compreensão das
pessoas por meio da palavra reveladora nas suas múltiplas configurações. Mais
ou menos complexas. De fácil ou difícil compreensão. Dependendo do caráter e da
intensidade de cada estado de poesia, do seu trato e das estruturas mentais do
autor.
Mergulhar no incompreensível,
decifrar o insolúvel, desvendar o surpreendente, revelar os mistérios,
responder às indagações da vida tentando traduzir o dicionário de Babel e
construindo leituras, é a essência do trabalho do poeta.
ALTERNATIVA - Mas
se a poesia foi transformada numa língua estrangeira e cercada de mistérios,
que se desenvolva um movimento em sentido contrário, estimulando as pessoas a
ler, falar e escrever nessa língua, a partir da conscientização dos seus
estados de poesia.
O relato de casos colabore
muito neste sentido. Mostrando como esses estados são vividos por todas as
pessoas. Apenas não são tratados com a ferramenta da palavra. Uma ferramenta de
mil e uma utilidades que é usada para mil, menos uma. Que é, exatamente, a
palavra-pá. A palavra que revolve e escava a terra da poesia.
Esclarecendo que não se trata
de vulgarizar o ofício poético, mas de quebrar os altares e os templos, as
torres, as divisórias e muralhas que possam envolvê-lo, alimentados pelos
descaminhos do elitismo.
Trilhando essa trajetória, no
mínimo, serão ampliados e aprimorados os círculos de leitores de poesia.
*Marcelo Mário de Melo é
jornalista, poeta e ativista cultural
isso mesmo marcelo, todos podem, as vezes só precisa mostrar o caminho. ou como disse ferreira gullar, “a arte existe porque a vida não basta”.
ResponderExcluirMarcelo Mário de Melo vive nesse estado de poesia.
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