Intertextualidade na Poesia (II): Paráfrase e Paródia
Natanael Lima Jr*
“A
literatura é um sistema vivo de obras, agindo umas sobre as outras e sobre os
leitores; e só vive na medida em que estes a vivem, decifrando-a, aceitando-a,
deformando-a”.
(Antonio
Cândido)
Vimos no texto anterior que a
intertextualidade é um recurso tão importante e tão recorrente que podemos
afirmar que nenhum texto se produz no vazio ou se origina do nada; ao
contrário, alimenta-se, de modo claro ou subentendido, de outros textos.
Agora começaremos a conhecer mais
sobre a paráfrase e a paródia, que também são formas de intertextualização.
A paráfrase origina-se do grego
“para-phrasis”, que significa repetição de uma sentença. Assim, parafrasear um
texto, significa dizer que é recriá-lo com outras palavras, porém sua essência,
seu conteúdo permanecem inalterados.
Segundo o crítico Gilberto Mendonça
Telles, o conceito da palavra paráfrase, retirado de Bakhtin (1987), pode ser
entendido como um discurso que se constrói ampliando outras ideias já existentes. Em
outras palavras, podemos supor que se um determinado autor criar uma obra com
as mesmas informações expressas na obra de outro autor, de forma que a obra
proposta seja maior que a anterior, teremos então uma obra de paráfrase.
Ao
parafrasearmos um texto, estamos atribuindo-lhe uma nova “roupagem” discursiva,
embora mantendo a mesma ideia contida no texto original.
Já a
paródia é uma forma de contestar ou ridicularizar outros textos, há uma ruptura
com as ideologias impostas e por isso é objeto de interesse para os
pesquisadores da língua e das artes. A voz do texto original é retomada para
transformar seu sentido, leva o leitor a uma reflexão crítica de suas verdades
incontestadas anteriormente, com esse processo há uma indagação sobre os dogmas
estabelecidos e uma busca pela verdade real, concebida através do raciocínio e
da crítica.
A paródia é um exemplo de recriação baseada em um
caráter contestador, às vezes até utilizando-se de uma certa dose de ironia e
sarcasmo. Este recurso foi muito utilizado pelos poetas modernistas com o
objetivo de criticar os “moldes” de outras escolas literárias.
Vejamos alguns exemplos:
Poema de sete faces
Quando nasci, um anjo torto
desses que vivem na sombra
disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida. [...]
(Carlos Drummond)
desses que vivem na sombra
disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida. [...]
(Carlos Drummond)
Até o Fim
Quando nasci veio um anjo safado
O chato dum querubim
E decretou que eu tava predestinado
A ser errado assim.
O chato dum querubim
E decretou que eu tava predestinado
A ser errado assim.
Já de saída a minha estrada entortou
Mas vou até o fim [...]
Mas vou até o fim [...]
(Chico Buarque)
Canção do Exílio
Minha terra tem palmeiras
Onde canta o sabiá,
As aves que aqui gorjeiam
Não gorjeiam como lá.
Onde canta o sabiá,
As aves que aqui gorjeiam
Não gorjeiam como lá.
(Gonçalves Dias)
Europa, França e Bahia
Meus olhos brasileiros se fecham saudosos
Minha boca procura a ‘Canção do Exílio’.
Como era mesmo a ‘Canção do Exílio’?
Eu tão esquecido de minha terra…
Ai terra que tem palmeiras
Minha boca procura a ‘Canção do Exílio’.
Como era mesmo a ‘Canção do Exílio’?
Eu tão esquecido de minha terra…
Ai terra que tem palmeiras
Onde canta o sabiá!
(Carlos Drummond de Andrade)
(Carlos Drummond de Andrade)
Este texto de Gonçalves Dias, “Canção do Exílio”, é muito utilizado como
exemplo de paráfrase e de paródia, aqui o poeta Carlos Drummond de Andrade
retoma o texto primitivo conservando suas ideias, não há mudança do sentido
principal do texto que é a saudade da terra natal.
Canto de Regresso à Pátria
Minha terra tem palmares
onde gorjeia o mar
os passarinhos daqui
não cantam como os de lá.
(Oswald de Andrade)
onde gorjeia o mar
os passarinhos daqui
não cantam como os de lá.
(Oswald de Andrade)
O nome Palmares, escrito com letra minúscula,
substitui a palavra palmeiras, há um contexto histórico, social e racial neste
texto, Palmares é o quilombo liderado por Zumbi, foi dizimado em 1695, há uma
inversão do sentido do texto primitivo que foi substituído pela crítica à
escravidão existente no Brasil.
*Natanael
Lima Jr é poeta, pedagogo, membro da Academia de Estudos Literários e
Linguísticos (Anápolis – GO), da Academia Cabense de Letras (Cabo de Santo
Agostinho – PE) e editor do blog “Domingo com Poesia”.
POEMAS DE FREDERICO
SPENCER, ANTONIO DE CAMPOS, CYL GALLINDO E JUAREIZ CORREYA
Tudo para depois
Frederico Spencer
Agora,
não
posso
deixar tudo para o depois; nada
escapa
nem
mesmo a tentação do amor, preso
nas
gavetas, destroços dos dias
minhas
pinturas, maquiagens revisadas
no
vermelho desses lábios, suspiros
no
fio da solidão tênue
roçando
uma lâmina fria
o
medo das paixões novas ou antigas, tanto faz
as
bandeiras que finquei por metros, a fio
nas
minhas fronteiras há uma prontidão
velada
como quem cuida de seus mortos.
Por
isso quando chegares
que
chegues devagar, sem alvoroços
não
quebres esse silêncio
morno.
Agora, não.
Deixemos
tudo para depois.
Solidariedade
Antonio de
Campos
Canto
as armas e o homem,
assim
começa a Eneida.
Canto
o homem e suas armas,
trova
Aragon.
Eu
canto o homem sem armas,
canto
a arma que o tempo não muda:
saúdo
o Sonho
e
bebo ao Ideal.
Canto
os campônios:
o
que da baioneta fez arado
e
esperou ansioso
as
sementes brotarem,
como
o que fecundando
o
campo arado duma mulher,
sentiu
o crescimento
da
agricultura semeada.
Quando
os homens
não
mais precisarem de defesa,
uns
aos outros eles próprios dirão:
Só
cantamos nossa humanidade!
Eu
canto o homem
sem
armas. A mais humilde bala,
eu
não canto, não!
Visão completa
Cyl
Gallindo
De
repente
a
gente vê
que
não pode ver
o
que tão lindo e sólido
vira
ontem.
Fecham-se
os olhos:
a
gente vê
que
pode ver
tão
lindo e nítido
como
nunca.
Petrolina/1992
Plenitude*
Juareiz
Correya
eu
te pertenço como não me pertenço
sempre
sei o que eu sou em tuas mãos
e
gosto de ser assim o teu querer
sono
e sonho toda hora é teu prazer
tudo
sabe meu corpo e se renova
e
se amplia mais, a carne orientando,
porque
animais a vida como quem me cria,
a
tua posse me completa, perfeita harmonia
de
quem me inaugura em paz e alegria
*do livro “Americanto Amar América e
Outros Poemas do Século 20”
Intertextualidade na Poesia (II): Paráfrase e Paródia
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https://tuliomonteiroblog.wordpress.com/2020/01/14/a-intertextualidade-na-producao-literaria-atraves-dos-tempos-de-mikhail-backtin-a-julia-kristeva-um-ensaio-de-tulio-monteiro/
ResponderExcluirMeu email: tuliomonteiro@yahoo.com.br
WhatsApp (85) 99900.3234 - Túlio Monteiro
Fortaleza, Ceará, 10 de maio de 2020.
"A INTERTEXTUALIDADE É O ELÁSTICO ESTICADOR DOS SIGNIFICADOS E DOS SENTIDOS LITERÁRIOS"
ResponderExcluirTONY ANTUNES
VIDA E MORTE SEVERINA
A morte, reverso da vida
É Severina
A sina do cristão pobre é sofrer
Trabalhando seja no sol ou
na neblina
Na labuta diária pra não morrer
A parte que nos cabe
No latifúndio da morte
É uma cova rasa,
se tivermos sorte
Diante dessa realidade feroz
O Nordestino é um forte
Que enfrenta seu algoz
Lutando para ter voz
No leste, no Sul e no Norte
Levando a vida nessa peleja
Saúde, paz e felicidade ele almeja
Embora saiba que fácil não é
O Nordestino não desiste
Enfrenta a vida de pé!
Muito bom esse seu texto, Natanael. Parabéns!
ResponderExcluiruma aula, natanael
ResponderExcluirD+! Obrigada pela partilha.
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