A ARTE NO FRONT
Postado por DCP em 01/04/2023
Por Natanael Lima Jr.*
A história
da humanidade sempre foi marcada por guerras e conflitos, sendo registradas e pesquisadas
desde a antiguidade. Até meados do século XVII, a arte retratava a guerra de
forma gloriosa e heroica.
Um exemplo
clássico dessa relação é o mais antigo poema épico da Grécia, Ilíada, de
autoria atribuída a Homero (928 a.C - 898 a.C.), que se desenvolve em torno da
Guerra de Troia, que provavelmente se deu no século XIII a.C., conflito planejado e executado para a conquista de Troia, cuja origem se firma na ira de Aquiles.
Henri-Émile-Benoît
Matisse e Pablo Ruiz Picasso viveram o terror de duas guerras mundiais e a
guerra civil espanhola sem sequer mover uma só arma. Picasso pintou “Guernica”, em 1937, cuja obra foi considerada
o maior manifesto contra a violência do século 20. Já Matisse, durante a
Segunda Grande Guerra Mundial criou suas obras mais significativas, incluindo “cut-outs”
e a série Jazz.
Nesta
postagem, selecionamos cinco poemas para serem lidos e refletidos,
principalmente neste momento em que acompanhamos o terror de mais um conflito
bélico, entre Rússia e Ucrânia.
CINCO POEMAS SOBRE GUERRAS
ELES ENTERRARAM SEU FILHO NO
INVERNO PASSADO
Serhiy Viktorovych Zhadan*
Eles enterraram seu filho no
inverno passado.
Um tempo estranho para o
inverno — chuva, trovão.
Eles o enterraram
silenciosamente — todos estavam ocupados.
Por quem ele lutou? Eu
perguntei. Não sabemos, eles dizem.
Ele lutou por alguém, dizem
eles, mas quem — quem sabe?
Vai mudar alguma coisa, dizem
eles, qual é o ponto agora?
Eu mesmo o teria perguntado,
mas agora — já não há necessidade.
E ele não responderia — ele
foi enterrado sem a cabeça.
É o terceiro ano de guerra;
estão consertando as pontes.
Sei tantas coisas sobre você,
mas quem ouviria?
Eu sei, por exemplo, a música
que você costumava cantar.
Conheço sua irmã. Sempre tive
uma queda por ela.
Eu sei do que você estava com
medo, e até mesmo, o porquê.
Quem você encontrou naquele
inverno, o que você disse a ele.
O céu brilha, cheio de cinzas,
todas as noites agora.
Você sempre jogou para uma
escola vizinha.
Mas por quem você lutou?
Por vir aqui todo ano, para a
grama seca.
Por cavar a terra todos os
anos — pesado, sem vida.
Por ver a calma após a
tragédia todos os anos.
Por insistir que você não
atirou em nós, no seu povo.
Os pássaros desaparecem atrás
de ondas de chuva.
Por pedir perdão por seus
pecados.
Mas o que eu sei sobre seus
pecados?
Por implorar para que a chuva
finalmente pare.
É mais fácil para os pássaros,
que não sabem nada de salvação, sobre alma.
*Serhiy Viktorovych Zhadan é um poeta, romancista, ensaísta e tradutor ucraniano.
SENTIMENTO DO MUNDO
Carlos Drummond de Andrade
Tenho apenas duas mãos
e o sentimento do mundo,
mas estou cheio de escravos,
minhas lembranças escorrem
e o corpo transige
na confluência do amor.
Quando me levantar, o céu
estará morto e saqueado,
eu mesmo estarei morto,
morto meu desejo, morto
o pântano sem acordes.
Os camaradas não disseram
que havia uma guerra
e era necessário
trazer fogo e alimento.
Sinto-me disperso,
anterior a fronteiras,
humildemente vos peço
que me perdoeis.
Quando os corpos passarem,
eu ficarei sozinho
desfiando a recordação
do sineiro, da viúva e do
microscopista
que habitavam a barraca
e não foram encontrados
ao amanhecer
esse amanhecer
mais noite que a noite.
ADORMECIDO NO VALE
Arthur Rimbaud
*Tradução de Ferreira Gullar
É um vão de verdura onde um
riacho canta
A espalhar pelas ervas
farrapos de prata
Como se delirasse, e ao sol da
montanha
Num espumar de raios seu
clarão desata.
Jovem soldado, boca aberta, a
testa nua,
Banhando a nuca em frescas
águas azuis,
Dorme estendido e ali sobre a
relva flutua,
Frágil, no leito verde onde
chove luz.
Com os pés entre os lírios,
sorri mansamente
Como sorri no sono um menino
doente.
Embala-o, natureza, aquece-o,
ele tem frio.
E já não sente o odor das
flores, o macio
Da relva. Adormecido, a mão
sobre o peito,
Tem dois furos vermelhos do
lado direito.
A ESPERA
Ferreira Gullar
Um grave acontecimento está
sendo esperado por todos
Os banqueiros os capitães de
indústria os fazendeiros
ricos dormem mal. O ministro
da Guerra janta sobressaltado,
a pistola em cima da mesa.
Ninguém sabe de que forma
desta vez a necessidade
se manifestará:
se como
um furacão ou um maremoto
se descerá dos morros ou
subirá dos vales
se manará dos subúrbios com a
fúria dos rios poluídos
Ninguém sabe.
Mas qualquer sopro num ramo
o anuncia
Um grave acontecimento
está sendo esperado
e nem Deus e nem a polícia
poderiam evitá-lo.
ROMPER DO DIA NAS TRINCHEIRAS
Isaac Rosenberg
(1890, Bristol, Inglaterra –
1918, Somme, França)
A escuridão desfaz-se.
É o mesmo Tempo druida de
sempre.
Só uma coisa viva me salta à
mão,
Uma ratazana excêntrica e
sardónica,
Enquanto eu puxo a papoila do
parapeito
Para a pôr atrás da minha
orelha.
Divertida ratazana,
fuzilavam-te se soubessem
Destas tuas cosmopolitas
simpatias.
Agora tocaste esta mão inglesa
O mesmo farás a uma alemã
Sem tardar, bem entendido, se
for do teu agrado
Atravessar o anestesiado verde
que nos separa.
Parece que sorris por dentro
ao passar
Por olhos fortes, impecáveis
membros, arrogantes atletas,
Menos preparados do que tu
para a vida,
Amarrados aos caprichos do
homicídio,
Estendidos nos intestinos da
terra,
Nos campos devastados de
França.
Que vês nos nossos olhos
Quando guincham ferro e fogo
Arremessados pelos céus
tranquilos?
Que tremor – que horrorizado
coração?
Papoilas cujas raízes se
enterram nas veias dos homens
tombam, e tombam
constantemente,
mas está segura a minha na
minha orelha –
apenas um pouco branca do
pó.
*Natanael Lima Jr.
é poeta, pesquisador, produtor
cultura e editor
![A ARTE NO FRONT](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiYc02JgMhP0c2XtJFnpe6i7fhLAsTm3alKinyCPdPjejAn9oGTtvRAMaHW14ByNea7Y5J7yhLqdmFBeyfIHBe8nRsraWTIUNUkcl4U7OdArSNxkjlppfwMSQGBWPUb84SPVcx05HTLYZO0TR6hwe8dB9uZJDdTZ2xC-2l4sGBApkwDirZeMqu7fy8j/s72-c/Imagem%20de%20Guerra%202.jpg)
Excelente postagem, poeta e editor amigo. Vale repetir a dose, nas semanas seguintes, com outras vozes do nosso planeta gritando contra a explosão criminosa da Desumanidade de todos os Tempos.
ResponderExcluirRegistrada a sua sugestão, poetamigo Juareiz Correya
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