ÁLVARO PACHECO E FRANCISCO MIGUEL DE MOURA: O TEMPO E OS FANTASMAS
Por Diego Mendes Sousa*
Publicado por DCP
em 24/01/2021
Sede da Academia Piauiense de
Letras,
em Teresina, Capital do Piauí I
Reprodução
Venho proclamar
louvores aos tesouros sentimentais oriundos do interior do Piauí. Refiro-me aos
escritores da minha predileção: Álvaro
Pacheco e Francisco Miguel de Moura.
Ambos nasceram no ano
de 1933 e são membros efetivos da centenária Academia Piauiense de Letras
(APL), sendo Álvaro, um filho
ilustre da cidade de Jaicós, e Francisco,
de Picos.
São dois brilhantes
intelectuais que fizeram história e literatura. Estão vivos e consagrados. São
os maiores nomes da poesia piauiense. Donos de obras literárias valiosas e
elogiadas por gente de proa deste Brasil.
Álvaro
Pacheco foi Senador da República e Jornalista,
participante da reformulação do Jornal do Brasil em 1956, ao lado de Reynaldo Jardim (1926-2011), Ferreira Gullar (1930-2016), Carlos Castelo Branco (1920-1993) e Mário Faustino (1930-1962). Era Editor
e proprietário da Artenova, que
publicou livros seminais e em primeira edição, de autores excepcionais como Clarice Lispector (1920-1977) e João Ubaldo Ribeiro (1941-2014).
Francisco
Miguel de Moura faz parte de uma geração que repensou
o Piauí das letras dos anos 60 do século passado, composta por Herculano Moraes (1945-2018), Hardi Filho (1934-2015) e Tarciso Prado (1938-2018). Escritor
completo, Chico Miguel, como é
carinhosamente conhecido, é romancista, contista, cronista e crítico literário.
A poesia de Álvaro Pacheco e de Francisco Miguel de Moura está mergulhada no despedaçamento da
dor humana. Os poetas trabalham com temas caros à essencialidade da existência:
tempo, memória, morte e o esvaziamento da eternidade. Além disso, impressionam
pela impecável riqueza da linguagem.
Álvaro
Pacheco é daqueles artistas que fascinam pela terrível
pulsação da sensibilidade. É um predestinado que oferta a sangria das suas
experiências e a força da sua alma evoluída: “Guardei muitas lembranças para o meu manuscrito / e inumeráveis
eventos gravaram nele seus autógrafos: / talvez seja esse / meu único legado.”.
O ritmo lírico de Álvaro Pacheco intensifica os
instantes, os gestos, a solidão, os sonhos, a geometria dos ventos, a epifania
das estrelas e os itinerários da própria vida. Poeta de energia selvagem, que
faz do seu dom, uma mística do encantamento: “A dor da alma conheci demais e meu corpo / poupou-se pelos medos
incontáveis.”.
Francisco
Miguel de Moura é um ser admirável. Homem simples e
generoso, que tenho o privilégio de conhecer de perto.
Os tons da poesia de
Chico Miguel têm uma fluidez peculiar e muito inteligente, que agregam um
universo mágico e passional: “Sou perfume
de mim e odor do mundo/ para que a terra me cuspa.”.
Íntimo dos sonetos,
as imagens e as águas do seu discurso são uma busca incessante pela beleza: “Tu brincavas na areia, ondas salgadas /
vinham quebrar-se nos teus pés sem pejo.”.
Destaco que Álvaro Pacheco e Francisco Miguel de Moura estão presentes em uma clássica coleção
da poesia brasileira intitulada 50
Poemas Escolhidos Pelo Autor, das Edições Galo Branco, do Rio de Janeiro,
que contempla nomes importantes como Anderson Braga Horta, Gilberto Mendonça
Teles, Lêdo Ivo, Carlos Nejar, Antonio Olinto, Antonio Carlos Secchin, A.B.
Mendes Cadaxa, Astrid Cabral, Emil de Castro, Gabriel Nascente, Afonso
Henriques Neto, Ives Gandra Martins, Lina Tâmega Peixoto, Lourdes Sarmento,
Darcy França Denófrio, Diego Mendes Sousa, Marcus Vinicius Quiroga, José Inácio
Vieira de Melo, dentre outros notáveis.
Álvaro
Pacheco apareceu no volume 17 (no ano de 2006), enquanto Chico Miguel de Moura, no volume 65 (no
ano de 2013).
Álvaro
Pacheco e Francisco
Miguel de Moura são valores da poesia da atualidade que merecem aclamação
pela qualidade e quantidade da produção e, sobretudo, pela inestimável elevação
da cultura literária em nosso país.
*Diego
Mendes Sousa é poeta piauiense. Autor de 50 Poemas
Escolhidos pelo Autor (Edições Galo Branco, 2010, volume 53).
POEMAS DE ÁLVARO PACHECO
E DE FRANCISCO MIGUEL DE MOURA
ESCOLHIDOS POR DIEGO MENDES SOUSA
Foto de Álvaro Pacheco I Foto:
Reprodução
OS
FANTASMAS
Abro a gaveta
onde se esconderam
uns fantasmas
e eu guardei outros,
disfarçados de palavras,
camisas limpas que
não pude vestir
e papel em branco,
envoltos
em ninhos de sombras
e pedaços de luz
da lamparina de
azeite
do oratório de minha
mãe –
abro a gaveta
vagarosamente,
assustado
para que não me assustem
como quando era
menino
e os temia
mas conversava com
eles
na escuridão do
quarto.
Tenho medo da gaveta
e desses seus
conteúdos
que poderão trazer de
volta os fantasmas,
os que guardei e os
que se esconderam
apenas esperando o
tempo
de se apresentarem à
minha solidão
e desesperança
para cobrar a vida
que não tivemos
eu e os meus
predecessores, eu
e os meus
perseguidores, eu
e os que não me
amaram, eu
e os que não pude
amar –
esses fantasmas todos
perdidos e escondidos
nestas gavetas de
ventos e de fantasias
entreabertas pelos
vácuos de minha vida
e depositárias, como
fantasmas,
dos anseios do tempo
inteiro,
e do que restou de
minha inocência
dos anos de luz,
esses curtos anos
de mitos e fantasias
realizados no cristal
da infância.
OS
MORTOS
Nem sempre
se podem evitar os
mortos
e lamentar seu
convívio com as flores
que pretendem
cultivá-los,
como os asfódelos, os
jacintos
os lírios e as
camélias,
mas lhe deformam a
palavra
e os afastam
do pudor dos vivos.
Os mortos são mais
íntimos
dos ciprestes e dos
plátanos
- que representam a
eternidade vegetal –
e talvez dos
girassóis
que inspiram a luz,
que neles já se
extingue
quando são colhidos.
Os mortos jamais
ficam nos cemitérios:
por causa das flores,
perambulam pelos
jardins
à procura das que
ainda estão vivas
e podem perceber suas
presenças
como não acontece
com as que os viram
morrer.
A
MEMÓRIA
A memória
não é apenas um
retrato revelado
como o funeral de um
menino triste
ou um imperador do
fogo ou do gelo
voltando dos confins
do espaço – a memória
é um prólogo – um
mastro solitário
esperando a bandeira
e o vento
para as solenidades
que passaram,
um processo elaborado
do sono
no início de sua
geração, o começo
e também o fim do
registro, mesmo
que não se percebam
estes caminhos.
A memória
é um inimigo
insaciável
que abre suas velas
vagarosamente
para levar-nos à
agonia
mostrando que a morte
está em seus
registros
desde o prólogo,
mostrando
o destino
e como podem se
o que quer que
representem –
e
como se passaram
no
palco giratório
os nossos dias.
AS
ESCADAS
A casa está silente:
nenhum ruído, exceto
o das escadas
que sobem e descem
incansáveis
sem nenhum passo
sem nenhum alvoroço.
DOR
A mão se fecha
você se crispa
em dor.
Você se crispa
a dor se abre
em flor:
e você não sabe
na terceira pessoa do
singular
porque realmente
sofrer
essa dor plural.
Francisco Miguel de Moura I
Foto: Reprodução
CHEGA
O TEMPO
chega o tempo de
dizer-se
o que não se ouviu.
mas as palavras são
mistérios
nem mais soam
como sinos
nos nossos ouvidos
sonolentos
chega um tempo de
dizer-se o impossível
e o impossível já foi
dito
chega um tempo de
calar
e a gente inventa uma
maneira triste
de dizer numa língua
estranha
um silêncio
amordaçado.
ERA
O TEMPO DE PINTAR
era o tempo de pintar
o que se não pintou
na liberdade
e o rosto sumiu da
moldura
por trás dos meus
óculos escuros
era o tempo de não
perguntar
pelo outro passado
era o tempo de
esquecer
todos os nomes e
fatos
era o tempo de dizer
adeus
à memória
ganhar as estradas
incultas
e abraçar novos
sentidos
e todas as cores
ficaram vazias.
TROVANDO
O TEMPO
O tempo é meu grande
apelo:
Não tem começo nem fim:
Enquanto eu passo sem
vê-lo,
Ele me vê sempre a
mim.
Posso fazer o que é
dele
E ele vai passando
assim:
Enquanto não penso
nele,
Ele só pensa em meu
fim.
A vida é morte, mas
ele
Não tem começo nem
fim.
Sem o meio – meu e
dele,
O que seria de mim?
Tudo isto é muito
belo,
Vivendo tim por
tintim
Portanto, perder seu
elo,
Seria muito ruim.
Porém se perco este
anelo,
Faço o crime de Caim:
Enquanto o mato, ele
é belo,
Mas, se me mata, ai
de mim!
Vou terminar por
aqui,
Pois que isto não tem
fim:
Eu só vou até ali,
Mas ele diz: Sou
assim!
Se és assim ou
assado,
Tempo, faz algo por
mim:
Sem presente nem
passado,
Dá-me a lâmpada,
Aladim!
A
ÚLTIMA VIAGEM
Quando eu me for
embora
não voltarei à terra.
Não deixarei
saudades.
Os amores todos
morrem
quando a gente se
enterra.
Não vou errar o
caminho
que dá no grande
infinito.
Se alguém quiser
seguir-me
basta um sussurro
em vez de grito.
Talvez o último,
talvez,
pois lá o silêncio é
voz
e a natureza é o
nada.
E Deus estará em nós
a derradeira vez.
O
TEMPO EXISTE
Existe um tempo que
sequer sentimos,
existe um tempo que
sequer pensou-se,
existe um tempo que o
tempo não trouxe,
existe um tempo que
sequer medimos.
Existe mais: um tempo
em que sorrimos,
diferente do tempo em
que chorou-se,
e um tempo neutro:
nem amaro ou doce.
Tempos alheios, nem
sequer são primos!
Existe um tempo pior
do que ruim
e um tempo amado e um
tempo de canção,
existe um tempo de
pensar que é o fim.
Tempo é o que bate em
nosso coração:
um tempo acumulado em
tempo-sim,
e um tempo esvaziado
em tempo-não.
Excelente registro de Diego Mendes Sousa sobre notáveis poetas que sem dúvida, merecem ser lembrados.
ResponderExcluirPrezada poeta Celi Luz, grato por seu comentário e visita ao site DCP. Volte sempre!
ExcluirMuito obrigado por sua generosa leitura, Celi!Sempre atenta e amiga.
ExcluirMuito obrigado por sua generosa leitura, Celi! Sempre atenta e amiga.
ExcluirAbraços,
Diego Mendes Sousa
Diego Mendes Sousa, você arrasou, disse coisas sobre o Álvaro Pacheco que jamais tinha pensado de sua enorme poesia. Sobre mim, creia-me: Fico profundo grato por sua apreciação de meus poemas. Os que mostrou, são realmente da minha predileção, e direi que são antológicos. Pouca gente soube escolheu tão bem como você, para uma pequena antologia, que foi o que você pretendeu neste passeios a dois poetas do Piauí. Muito obrigado. Você será antologiado como eu fui por você nesta sua bi-poetologia de dois conterrâneos.
ResponderExcluirAbraço bem apertado no coração.
Francisco Miguel de Moura - Chico Miguel
Caríssimo Chico Miguem, parabéns por sua rica produção poética. Fiquei profundamente feliz em conhecer sua rica trajetória. Agradeço tb amo poeta Diego Mendes Sousa pelo brilhante ensaio. Abs e nos visite sempre.
ExcluirNatanael Lima Jr.
Editor
Digo, Chico Miguel
ExcluirGrande poeta Chico Miguel de Moura, meu amigo dileto, sua poesia sempre estará em mim. Você merece todos os aplausos por sua carreira literária bem consolidada e realmente fecunda!
ExcluirMeu carinho,
Diego Mendes Sousa
Não tenho palavras para agradecer a vocês, Diego e Natanael. Fiquemos com Deus e a poesia, pois Deus é quem nos perdoa e a poesia é quem nos salva. Abraços
Excluirfrancisco miguel de moura (ou apenas Chico Miguel)
Parabéns, querido Diego Mendes Sousa, pelo importante resgate da poesia seminal de dois poetas piauienses contemporâneos fundamentais.
ResponderExcluirParabéns Diego Mendes de Souza pelo importante registro sobre a obra dos dois poetas que eu não conhecia. Belos poemas!
ResponderExcluirCecyB.Campos
Que linda sua escrita, Chico Miguel! Tocou-me .....
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