FEDERICO GARCÍA LORCA: A MAIS IMPORTANTE VOZ POÉTICA DA ESPANHA MODERNA
Postado por DCP em 05|06|2022
Federico García Lorca nasceu em Fuente Vaqueros, província de
Granada, Espanha, em 5 de junho de 1898. Foi músico, dramaturgo, pintor,
compositor e poeta, fez parte da Geração de 27, movimento de jovens escritores
que queriam renovar a literatura espanhola. Homossexual, antifascista e antifranquista.
Lorca desenvolveu sua produção literária no âmbito da literatura moderna, mas
resgatou formas e tradições da literatura regional espanhola. Foi perseguido e
fuzilado pela guarda franquista no início da guerra civil, em 19 de agosto de
1936.
Na opinião da crítica, Lorca ombreia com
Pablo Neruda o título de maior poeta da língua espanhola no século XX.
O site Domingo com Poesia traz nesta postagem cinco poemas extraídos da Antologia Poética, tradução/organização de William Agel de Mello. Porto Alegre: L&PM, 2011.
CINCO POEMAS SELECIONADOS DE FEDERICO GARCÍA
LORCA
SE AS MINHAS MÃOS PUDESSEM DESFOLHAR
Eu pronuncio teu nome
nas noites escuras,
quando vêm os astros
beber na lua
e dormem nas ramagens
das frondes ocultas.
E eu me sinto oco
de paixão e de música.
Louco relógio que canta
mortas horas antigas.
Eu pronuncio teu nome,
nesta noite escura,
e teu nome me soa
mais distante que
nunca.
Mais distante que todas
as estrelas
e mais dolente que a
mansa chuva.
Amar-te-ei como então
alguma vez? Que culpa
tem meu coração?
Se a névoa se esfuma,
que outra paixão me
espera?
Será tranquila e pura?
Se meus dedos pudessem
desfolhar a lua!!
O POETA PEDE A SEU AMOR
QUE LHE ESCREVA
Amor de minhas
entranhas, morte viva,
em vão espero tua
palavra escrita
e penso, com a flor que
se murcha,
que se vivo sem mim
quero perder-te.
O ar é imortal. A pedra
inerte
nem conhece a sombra
nem a evita.
Coração interior não
necessita
o mel gelado que a lua
verte.
Porém eu te sofri.
Rasguei-me as veias,
tigre e pomba, sobre
tua cintura
em duelo de mordiscos e
açucenas.
Enche, pois, de
palavras minha loucura
ou deixa-me viver em
minha serena
noite da alma para
sempre escura.
A CASADA INFIEL
Eu que a levei ao rio,
pensando que era
donzela,
porém tinha marido.
Foi na noite de
Santiago
e quase por
compromisso.
Apagaram-se os lampiões
e acenderam-se os
grilos.
Nas últimas esquinas
toquei seus peitos
dormidos,
e se abriram
prontamente
como ramos de jacintos.
A goma de sua anágua
soava em meu ouvido
como uma peça de seda
rasgada por dez
punhais.
Sem luz de prata em
suas copas
as árvores estão
crescidas,
e um horizonte de cães
ladra mui longe do rio.
Passadas as sarçamoras,
os juncos e os
espinhos,
debaixo de seus cabelos
fiz uma cova sobre o
limo.
Eu tirei a gravata.
Ela tirou o vestido.
Eu, o cinturão com
revólver.
Ela, seus quatro corpetes.
Nem nardos nem caracóis
têm uma cútis tão fina,
nem os cristais com lua
reluzem com esse
brilho.
Suas coxas me escapavam
como peixes
surpreendidos,
a metade cheias de
lume,
a metade cheias de
frio.
Aquela noite corri
o melhor dos caminhos,
montado em potra de
nácar
sem bridas e sem
estribos.
Não quero dizer, por
homem,
as coisas que ela me
disse.
A luz do entendimento
me faz ser mui
comedido.
Suja de beijos e areia,
eu a levei do rio.
Com o ar se batiam
as espadas dos lírios.
Portei-me como quem
sou.
Como um cigano
legítimo.
Dei-lhe um estojo de
costura,
grande, de liso
palhiço,
e não quis enamorar-me
porque tendo marido
me disse que era
donzela
quando a levava ao rio.
DEBUSSY
Minha sombra vai
silenciosa
pela água da acéquia.
Por causa de minha
sombra as rãs estão
privadas das estrelas.
A sombra envia ao meu
corpo
reflexos de coisas quietas
Minha sombra vai como
imenso
mosquito cor de
violeta.
Cem grilos querem
dourar
a luz do canavial.
Uma luz nasce em meu
peito,
refletido da acéquia.
CHAGAS DE AMOR
Esta luz, este fogo que
devora.
Esta paisagem gris que
me rodeia.
Esta dor por uma só
ideia
Esta angústia de céu,
mundo e hora.
Este pranto de sangue
que decora
lira já sem pulso,
lúbrica teia.
Este peso do mar que me
golpeia
Esta lacraia que em meu
peito mora.
São grinaldas de amor,
cama de ferido,
onde sem sono, sonho
tua presença
entre as ruínas de meu
peito oprimido.
E ainda que busque o
cume da prudência,
me dá teu coração vale
estendido
com cicuta e paixão de
amarga ciência.
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