PARIS É UMA FESTA MÓVEL E DESLUMBRANTE
Postado por DCP em 05/12/2021
Por
Diego Mendes Sousa*
Há sessenta anos Ernest Miller Hemingway dobrava os sinos da literatura e da
história. Em dois de julho, sob o signo de Câncer, o lendário escritor usurpou
anos de sua vida com a mesma coragem com que viveu.
A intensidade dessa existência é
recontada em Hemingway e Paris: um caso de amor (Editora Gryphus, 2021,
segunda edição), um livro mui particular de Benjamim Santos, fluente narrador, visceral conhecedor da alma e do
estilo parisienses e o mais profundo legatário brasileiro da cosmovisão de Hem,
como carinhosamente elege Ernest nesta bela, vasta e rica evocação sobre o
fértil e o singular amor que permaneceu registrado na mobilidade do tempo entre
Hemingway e Paris, em romances, contos, reportagens, missivas e nas memórias
contidas em Paris é uma festa, que
aborda a sua juventude na Ville-Lumière.
Paris, cidade cuja ambiência exalta em
si, charme, grandiosidade, cultura, arte e beleza. Terá Hem aprendido a amar
com os parisienses? Paname, que
possui o símbolo mágico para os amantes, misticamente uma urbe contempladora da
sedução. Paris do encantamento e dos parigots,
mas também uma capital metafórica e misteriosa na vida de Hem.
Hemingway é cultuado por sua
trajetória mítica. Desde a infância era afeito às armas, às caçadas de animais
silvestres, ao boxe, à pesca e amava gatos. Possuía porte físico de homem
resistente e valente, que apreciava uma boa bebida com álcool.
Hem fez a vida como jornalista
profissional e, sobretudo, como escritor: contista, romancista e poeta.
Seus livros jamais saíram de catálogo
no mundo inteiro, sendo um best-seller com O
velho e o mar (Prêmio Pulitzer, de 1953, que lhe rendeu também o Nobel de
Literatura no ano de 1954) e Paris é uma
festa (esse vendeu milhares de exemplares em novembro de 2015, quando une ilustre dame teve o delicado gesto
de colocar um exemplar da obra entre as flores e as velas acesas, na calçada da
casa de espetáculos Bataclan, onde
noventa pessoas haviam sido mortas pelo atentado terrorista de fundamentalistas
islâmicos).
Hemingway está presente, sempre
esteve, eis a verdade. Certamente, é o escritor mais amado de todos os tempos e
o mais reconhecido e homenageado. É aquele que exerce deslumbramento e move paixões.
É nome de um asteroide, que orbita o
sol, o 3656 Hemingway. É um prato
gastronômico dos mais pedidos no restaurante La Closerie des Lilas, o Filé
Hemingway. Batiza o bar do Hotel Ritz, o Bar Hemingway.
O Harry’s Bar, na romântica cidade
italiana de Veneza, faz parte do cenário narrativo de Hem.
Todos os anos, no mês do nascimento e
da morte de Hem, em julho, acontece o Festival Hemingway, em Key West, na
Flórida, quando é escolhido o sósia do ano pela Sociedade de Sósias de
Hemingway.
Hemingway é uma categoria de bêbado,
dos mais resistentes, daqueles que não ficam ébrios após ingerirem uma garrafa
de uísque.
Seus livros foram incinerados pelos
nazistas na Alemanha, em 1933. Alguns lugares que Hem frequentava em Paris,
Veneza e Havana tornaram-se pontos turísticos a partir de seus livros.
Livro disponível em: https://www.gryphus.com.br/products/hemingway-e-paris
Benjamim Santos oferece em vinte e um
capítulos um mergulho extraordinário e inesquecível pelo universo de Hemingway,
através das veias abertas pelo próprio escritor no velho Paris, dentre os anos
de 1921 a 1959.
Hem esteve pela primeira vez em Paris
na Guerra, em 1918, enquanto a cidade estava sendo bombardeada pelos alemães.
Retornou na década de vinte, nos chamados anos
loucos, quando Paris se refazia, com centenas de homens feridos e marcados
pela guerra, uma geração perdida.
Hem também passou por Paris no entre
guerras, com a cidade já apaziguada e já sem aquela multidão de americanos,
quando a caminho do continente africano.
Uma vez mais, desembarcou em Paris,
nos anos quarenta, na festa da Libertação de Paris, quando nascia o
Existencialismo, bem como por lá esteve pela última vez na paz dos anos
cinquenta.
A dicção em primeira pessoa confere ao
livro intimidade. Mais do que uma biografia entrecortada pelas paisagens
seculares de Paris, esta peça é um relicário fiel de impressões, de
sentimentos, de exaltações, de leituras e de releituras, de registros
sociológicos e hagiológicos.
Benjamim consegue ainda realizar um
apanhado historiográfico da própria cultura dos anos vinte, trinta, quarenta e
cinquenta do século vinte, com análises comparadas sobre a literatura e sobre a
sétima arte.
Esta segunda edição de Hemingway e Paris – um caso de amor,
ampliada com fotografias e caprichada pelo selo da Gryphus, nesta época em que se registram cronologicamente os
sessenta anos da ausência física de Hemingway é um notável acontecimento que
evidencia a elegância e a sutileza das anotações ímpares do flanar de Benjamim
Santos sobre o requinte e o esplendor de Paris, com a eternidade e a bravura
humana do inesquecível Hemingway.
*Diego
Mendes Sousa
é poeta e crítico
FRAGMENTOS DO LIVRO HEMINGWAY E PARIS: UM CASO DE
AMOR, DE BENJAMIM SANTOS, ESCOLHIDOS POR DIEGO MENDES SOUSA
Esta obra é a história de uma paixão
vivida pelo escritor americano e a capital francesa. A narrativa desse amor
intenso, que nasceu quando Ernie era um garoto de 22 anos e Paris, recém-saído
da belle époque, começava a mergulhar na exuberância criadora dos anos vinte.
Pois essa paixão se fez duradoura e acompanhou o escritor pela vida afora. A
obra é também uma fascinante viagem pela cidade-luz ao lado de um cicerone
muito especial, um cicerone que amava Paris: Ernest Hemingway.
Caminhando com ele, o leitor vai andar
pela cidade dos anos vinte – quando ainda havia fiacres e tomava-se absinto -,
trinta, quarenta e cinquenta.
Mesmo sem saber que estava sendo
escrito, comecei a escrever este livro quando estive em Paris pela primeira vez.
Para percorrer a cidade, tracei alguns roteiros não convencionais que me
levaram a lugares que o turista apressado ignora. Um dos roteiros mais queridos
foi mergulhar nos caminhos de Hemingway pela cidade. Com agenda e caneta nas
mãos, procurava, olhava, fazia anotações. Era como seu eu me sentisse o próprio
Hemingway quando era pobre, subindo a montagne Sainte Geveniève para chegar em
casa no alto da colina, ou atravessado o Sena, depois de rico, quando passou a
hospedar-se no Ritz.
Escrevi para melhor entender
Hemingway. Além das anotações de minhas viagens a Paris debrucei-me sobre toda
a obra dele. O resultado é que sigo seus passos por Paris desde dezembro de
1921 até 1959, quando esteve lá pela última vez.
...
No início da década de vinte, Ernest Hemingway e Paris começaram um caso de amor com uma lua de mel carregada de sensualidade e romantismo apesar do namoro que o rapaz já mantinha com a Itália e da paixão que iria brotar pela Espanha. Depois de dez anos de convivência amorosa e uma pequena desilusão, o escritor deixou Paris e a relação entre os dois tornou-se como a dos casais que se amam ardentemente, mas preferem viver em casas separadas, visitando-se com frequência. Tais visitas sucederam-se por três décadas. Tanto o ianque ia a Paris como Paris a ele, onde quer que ele estivesse, porque Paris não desgrudava dele. Em Paris, Hemingway nunca foi visto como alguém famoso, assediado, perseguido por jornalistas. Mesmo depois de rico, em hotel de luxo, jamais era notícia, como na África, de onde seus safáris eram cobiçadas notícias internacionais, ou como na Espanha, saudado pela multidão quando chegava a uma Praça de Touros, nos anos cinquenta. Uma vez, o jovem Gabriel García Márquez o viu caminhando pelo Boulevard Saint-Michel mas nem ousou aproximar-se. Seu momento de maior exaltação pelas ruas de Paris foi contado somente por ele mesmo, em reportagem de guerra sobre o dia em que os alemães foram expulsos, em 1944.
...
Sessenta anos depois de sua morte, Paris mantém vivos, carregados de lembranças, muitos dos seus lugares na cidade dos anos vinte aos cinquenta: a Rue du Cardinal Lemoine, a Place de la Constrescarpe, Rue Mouffetard, Jardin du Luxembourg, Rue de l’Odéon, a livraria Shakespeare and Company, a Closerie des Lilas, o Dingo Bar, o Harry’s Bar...
Ernest
Hemingway escreveu sobre Paris, ou pelo menos citou a cidade, em quase todos os
gêneros que adotou: poema, conto, romance, teatro, prefácio, memória, artigos e
reportagem, além de cartas a amigos e parentes. Apenas dos contos infantis a
cidade foi excluída. Mas, mesmo com o amor sempre declarado, nenhuma de suas
obras de ficção tem a trama totalmente centralizada em Paris, salvo um conto
curto, Mudança de Ares, que se passa dentro de um café. Como que para dar um toque
de charme, a história de amor de Hemingway e Paris começa em plena Belle
Époque, no finzinho do século XIX, quando o garoto nasceu no Illinois e Paris
se preparava para o novo século.
...
Durante esta temporada parisiense, Gabriel García Márquez, um jornalista de 28 anos, o viu passar com Mary pelo Boulevard St-Michel. Qualquer jovem escritor, ou simplesmente leitor, fosse americano ou não, ficaria emocionado se alguma vez visse aquele escritor; ainda mais numa rua de Paris. Para o jovem colombiano, Hemingway era um dos seus dois mestres; o outro, William Faulkner. Já havia lido tudo dos dois e venerava as características distintas de cada um. Anos mais tarde, registrou a visão de Hemingway pelo Boulevard St-Michel: “Ele estava do outro lado da rua, andando na direção do Jardin du Luxembourg, e usava uma calça rancheira muito velha, uma camisa xadrez e um boné de jogador de beisebol. A única coisa que não combinava com ele eram os óculos de armação de metal, pequenos e redondos, que lhe davam prematuramente um ar patriarcal. Estava com 59 anos, e era grande e imponente, mas não dava a impressão de força selvagem que com certeza queria transmitir, porque suas coxas eram estreitas e as pernas pareciam muito finas sobre os sapatos grosseiros. Parecia tão cheio de vida, entre as bancas de livros usados e a multidão de jovens vindos da Sorbonne, que era impossível imaginar que só tinha mais quatro anos para viver”. Como, por muito tempo, o mundo não soube a data real de nascimento de Hemingway, Márquez deu-lhe 59 quando sequer havia completado 58.
SOBRE BENJAMIM SANTOS:
Benjamim Santos nasceu na cidade de Parnaíba, no Piauí. Na década de 1960, mudou-se para Recife, onde estudou na Faculdade Direito, e Filosofia, o Seminário de Olinda. De volta ao Recife, fundou o Grupo Construção, trabalhou no Teatro Popular do Nordeste, grupo dirigido pelo encenador Hermilo Borba Filho, e fundou o Teatro de Arribação, que levava espetáculos aos engenhos de cana-de-açúcar. Durante cinco anos manteve uma coluna de teatro no Jornal do Commercio, no Recife (PE). A partir dos anos setenta, residindo no Rio de Janeiro, além do teatro infantil, destacou-se como autor de grandes espetáculos ao ar livre, como Paixão de Cristo, nos Arcos da Lapa, e sobretudo como diretor de shows de música popular, tendo dirigido Quarteto em Cy, Nara Leão, Kleiton e Kledir, Ângela Maria, MPB-4, Marlene e muitos outros. Atualmente, Benjamim Santos vive em Parnaíba e continua sua carreira de escritor.
Diego Mendes Sousa & Benjamim Santos
AMAZING! Não por acaso estive no Closerie e saboreamos o Filete aí HEMINGWAY! Boulevard Montpsrnasse 171...Tem banqueta no bar também!
ResponderExcluirSaudades do grande mestre da ficção 📖
Amei. Todos os detalhes sobre Hemingway e a energia de recriar ambientes de sinestesia que Paris deve exercer. Parabéns aos escritores Diego Mendes Sousa e Benjamim Santos.
ResponderExcluirO comentário de Diego Mendes Sousa vai me levar a uma releitura de Hemingway e me apresentar a Benjamin Santos e fazer com que eu continue sempre a ler Diego , onde quer que o encontre.
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