EDUARDO MARTINS & FÁTIMA FERREIRA – FRENTE A FRENTE
Postado por DCP
em 28/11/2021
Apresentação e seleção dos poemas por
Valmir Jordão¹
Eduardo Martins e Fátima Ferreira, dois poetas representantes e iniciadores juntos com os também poetas Francisco Espinhara, Hector Pellizzi e Cida Pedrosa do núcleo embrionário do Movimento dos Escritores
Independentes de Pernambuco - MEI-PE, em 1981.
Os poetas Eduardo Martins e Francisco Espinhara participaram do ENEL, Encontro Nacional dos
Estudantes de Letras em Salvador - BA em 1980, depois em Vitória do Espírito
Santo e trouxeram para o Recife esta faísca que incendiou os debates sobre a
criação e a organização do Movimento de Escritores Independentes de Pernambuco
com todo o entusiasmo e a riqueza da participação dos poetas, militantes e
amantes da poesia na década de 80.
No primeiro
momento teve a participação de umas sessenta pessoas, e foi aumentando o número
e a adesão dos poetas a cada encontro e recitais entre as cidades irmãs, Recife
e Olinda no começo dos anos 80, chegando a quase duas centenas de poetas e
simpatizantes.
Sem falar
do generoso e inestimável apoio dos bardos Alberto
da Cunha Melo e Jaci Bezerra,
expoentes da magnífica Geração 65.
A poetisa
Fátima Ferreira ajudou na elaboração e definição sobre o que é ser escritor
independente no debate e redação da “Carta de Olinda”: Independência ante a
sociedade opressiva e seus valores estabelecidos; Independência diante dos
governos, órgãos estatais e empresas editoriais; Independência dos intelectuais
e políticos sobre os conteúdos e as formas de criações teóricas ou literárias; Independência
filosófica, política e ideológica de cada escritor partícipe.
Este Movimento
aglutinou em torno de si estudantes universitários, secundaristas e moradores
dos bairros do centro e da periferia recifense.
Além da
poética instigante e sedutora do poeta Eduardo Martins e da poetisa Fátima
Ferreira, a cidade respirava o despertar de uma nova geração de escritores na
efervescência cultural na qual o Recife frevilhava.
Fátima Ferreira nasceu em Olinda. Iniciou sua trajetória poética, nos anos 80, ao ingressar para a Faculdade de Direito do Recife, onde conheceu os amigos, Sérgio Lima Silva, Jayme Benvenuto e Erickson Luna. Sérgio a convidou para participar da editora Bandavuo, em parceria como Samuca Santos, Geni Vieira e o próprio Sérgio. Com eles criou um dos primeiros jornais alternativos de circulação pública do Recife, o “Agora Nós”, com a colaboração de Jayme Benvenuto e Glauce Meira.
Em 1981, ingressou no Movimento de Escritores Independentes de Pernambuco, idealizado por Eduardo Martins e Francisco Espinhara, logo após a abertura política, depois da ditadura militar participando ativamente do movimento, com uma trupe de poetas e artistas pertencentes a vários grupos e tendências, que revolucionou o meio intelectual local e nacional.
Lançou os livros: Decomposição (1981), Dedetização- Dia de Festa (1981), Asas de Sangue (1982), Colagem dos Gestos (1995), além de participar de diversas antologias poéticas em Pernambuco e no Brasil. Em parceria com Héctor Pellizzi, lançou os jornais alternativos, “Americanto” e O” Cântaro”.
Possui inéditos: A Invenção das Flores (infantil), Passarinho, Passarinhas? (infantil), Crônicas Vividas nas Ruas, e o filme com título provisório e livro homônimo, “Cabeça de todos e a verdade de cada um”, sobre a história do MEIPE ( Movimento de Escritores Independentes de Pernambuco) em parceria com Francisco de Paula Machado (Chicão) e Mateus Sá.
EDUARDO
MARTINS & FÁTIMA FERREIRA – FRENTE A FRENTE
OCENOGRAFIA
DO ROSTO
Eduardo Martins
transparente, o rosto
também é água
fora de seus domínios
tenta ser olho apenas
para evadir-se
como parte de rio
em seu templo sereno
as ondas são inimigas
deste mar equilibrado
como concha, ainda
revela-se o rosto
Pacífico e Atlântico
Índico, em seu idílio
de remontar outro mar
Ártico, em desejo
de querer-se íntimo
Glacial, Antártico,
em desejo de se revelar
SIGNO
DE UM POVO
Fátima Ferreira
Vejo um povo que bate e que blasfema
no meu amor pelo livre pelo justo.
Vejo um povo que chora o desencanto
e dorme sobre o túmulo do seu rosto.
Vejo um povo que consome a própria carne
e mutila-se pela busca da verdade.
Vejo um povo embriagado de desejos
sob silêncio de vendaval e tempestade.
Vejo um povo que perdeu seu pedestal
e chora sobre o cadáver do tempo morto.
Vejo um povo que perdeu a esperança
e dorme sob a lama do desgosto.
Vejo um povo vestido de coragem
que se levanta na fala alucinado.
Vejo um povo gregário e vencedor
por mim e pelo mar dos humilhados.
O LADO ABERTO
Eduardo Martins
o lado aberto te esconde
em tua parte palavra
neste lado quase ponte
que se estende para o nada
que quase mundo some
do outro lado da fala
para espelhar o indizível
em outro espelho muralha
em teu silêncio-livro
o lado aberto se espalha
em lados de mil ladrilhos
de sítios de mudas caras
de seu espaço infinito
em desenho que se cala
o lado aberto te esconde
em lado que nunca fala.
BATOM CARMIM
Fátima Ferreira
uma mulher dilacerada
no peito
cogita entre zíngaros
motivos
cercada por ventos
pistoleiros
e no ventre a força
da serpente
uma mulher dilacerada
de motivos
é fogo forasteiro,
mais que mito
cancioneira da fome e
do fastio
república do não,
sequela do sim
uma mulher dilacerada
de motivos
rompe o cerco, sangra
a face oculta
se faz luta contra a
maldição reinante
a mentira, o medo, a
pista suja
uma mulher dilacerada
de motivos
rompe o silêncio,
omissão passiva
semente, sanha,
incontida, bruta
batom carmim, senha
da paixão
e dos cem motivos de
uma mulher
A
PALAVRA FALTA
Eduardo Martins
palavras são vozes
mudas
de faltas que não se
ausentam
mas que de ausências
se mudam
para outras
faltas-presenças
por todos os lados
são surdas
as palavras que se
inventam
não do lado que se
escuta
mas do outro que se
pensa
aquele em que à
palavra falta
seu espaço de
ausência
não na lacuna do
corpo
mas no que aí se
inventa
como ausência há de
ser oco
ou oco o que aí se
pensa.
INSURREIÇÃO POÉTICA
Fátima Ferreira
na minha terra de violeiros
os poetas morreram cedo
mas os poemas ficaram
pendurados nas pontes
plantados nos parques
deitados no mar
absortos nos monumentos
sorrindo com os meninos
aos olhos invisíveis da cidade
num repente
que toma a mão da gente
violam os rios
violam os mangues
violam a história
violam as florestas
o canto dos meus poetas
viola todo sentimento
nas minhas cordas vocais
..........
¹Valmir Jordão é poeta, compositor, performer e colaborador do site DCP
Nenhum comentário