DU NASCIMENTO & MALUNGO – FRENTE A FRENTE

 

Postado por DCP em 03/10/2021

Apresentação e seleção dos poemas de Valmir Jordão¹










Du Nascimento & malungo – frente a frente
Arte: DCP I Imag.: Reprodução










Poetas em trânsito


 

No começo do século XXI, o Recife fervilhava em poesia de todas as dicções. Nessa época de recitais nas escolas, nos sindicatos, nas ruas, nos bares, nos bairros, nas praças, nos Congressos de Cultura, no Festival de Literatura no Recife, Festival de Inverno de Garanhuns, Triunfo, Taquaritinga, Caruaru, Sesc e outros espaços no estado, onde vivenciamos e compartilhamos com todo o entusiasmo esse eflúvio cultural com o Poeta Malungo em récita com os seus pares e irmãos e irmãs de ofício.

 

O poeta Du Nascimento além da terrinha, apresentamo-nos em várias temporadas em São Paulo na Coperifa, na Casa das Rosas, na Biblioteca São Paulo, na Casa de Mário de Andrade, na Biblioteca Alceu de Amoroso Lima, na Balada Literária e nos incontáveis diurnos e noturnos Saraus da Paulicéia Desvairada. Frente a frente, dois poetas instigantes e mensageiros da poética urbana e universal.



 

 

Malungo nasceu no Recife. É poeta recitador. Começou a escrever em 1985. Participou de vários Concursos de Poesia no estado e nacional, obtendo o 1º lugar: Jardim Atlântico (Olinda - 1996), Biblioteca Popular de Afogados (Recife - 2000), SINTEPE (Recife - 2008), Concurso Rogério Salgado MG - 2009), Concurso Literário Farroupilha - com o conto "Aposta" (RS - 2009). Participou das coletâneas: Marginal Recife I (2002), Pernambuco, terra da poesia (2005), Pelas periferias do Brasil n° 7 (SP - 2018). Participou dos projetos: Bendita Poesia (RN - 2006), Festival de inverno de Garanhuns (2007, 2008, 2011), documentário "Malunguinho”, o “Guerreiro do Catucá" (UNICAP - 2008), Filme: Palavra plástica, de Léo Falcão (Recife - 2010). Citação de trabalhos: Revista "The World Poetis Quartely” (China - 2009). Publicou os livros: "O terceiro olho usa lente de contato" (2000), Filé 1,99 (2003) em parceria com o poeta Bruno Candéas, CD "Malungo 20 poemas" (2006), "Digitais" (2013) primeiro livro 100% digital de PE. Compôs músicas em parceria com Puan e Tony Borba de Melo. Edita o fanzine "De Cara com a Poesia" desde 2002 divulgando por todo Brasil.

 

 

Eduardo José do Nascimento Junior, ou Du Nascimento é poeta e romancista. Editor de profissão, Eduardo sempre foi agitador cultural e produtor dos próprios projetos. Produziu e comandou por 3 anos (2010 a 2013) o Sarau Versos & Vícios, que chegou a revelar alguns dos poetas da atualidade. Seu primeiro livro de poemas, "NINGUÉNS", foi lançado em 2010 com produção independente. O livro foi lançado na Bienal do livro de Fortaleza e ganhou posição de livro destaque daquela edição da Bienal. Em São Paulo foi considerado o melhor livro de poemas lançado no ano de 2010 pela Folha on LINE, setor de literatura urbana. Em São Paulo Eduardo atuou como editor e arte educador em literatura marginal. Trabalhou na Fundação Casa como arte educador e produziu um livro com os jovens em ressocialização. Produziu e editou a Revista Literária O Grito - Sarau Impresso, que logo ganhou os burburinhos dos inúmeros saraus da capital paulista com o seu "Mapa da Poesia". De volta a Recife Eduardo escreveu o espetáculo teatral "PETROLÂNDIA VELHA, UMA CIDADE SUBMERSA". Estreado no Sesc de Petrolândia. Hoje Eduardo se dedica a várias atividades, possui um movimento ambiental na Ilha de Itamaracá chamado Ilha Viva, continua editando livros pelo seu selo Edições Audax, e segue com sua produção literária, com novos livros de poemas e romances, dentre eles o "Nunca Figa Já Era - Crime & Literatura", que já está pronto concorrendo em um edital de cultura, também está produzindo a Revista O Grito aqui no Recife com poetas de todo estado, realizando um levantamento para identificar o mapa de saraus do nosso estado.





DU NASCIMENTO & MALUNGO – FRENTE A FRENTE





SEGUNDO A FLOR DA PELE

Du Nascimento

 

O que sou de mim

eu nunca quis

ser diferente

do que de mim sou

Em ter-me preto

a minha pessoa

dentes e cabelos

Também e assim é

pelo que se vê

pessoa minha de pés enorme

das vistas vê-lo

e também as chagas

De deixar-se pensar em se deixar

a tempos, corpo, sorte

e modo de viver

no éter  da matéria

Do que em mim há

por minha pessoa preta

Assim e também é

por pessoa minha primeira

que por dentro em mim sou                                              

de gente que não se é de ser

de sentir-se gente

Pelo que de preto

cabelos, dentes

e pessoa é

De pessoa sem imagem

malogro

e benquista pelas calçadas

a vagar por sonhos, mundos

e buracos de vida

Também e assim é

que de não em vida ser mais

restou-me em existir

do que de mim carrego

por menos que me seja o ser

sou o mesmo que me suporto

De sonho a dor

em primeira pessoa

do que de mim sou

segundo a flor da minha pele

No que eu nunca quis

ser diferente

do que sou de mim.

 

 

 

FREQUENCIAS²

Malungo

 

Lento...

a vida passando

nas retinas dos carros

 

sinais abrindo a tarde

verde-amarelo

avermelhando a noite

 

preguiça lisérgica

subúrbio falando

 

poeta escutando

o resto é surdez

 

morro de luzes

claros destinos

 

lombras flutuantes

tomadas espirituais

 

desligamento de rede

transformadores

quedas de corrente

 

lentidão alucinante...

certamente

escreverei um poema

 

 

 

UNIDADE

Du Nascimento

 

E como só, apesar disso, poder ver os mares.

Sentir-me só, estando fora disso, sem ter o mar.

Só, como partícula interior,

por dentro do contraste da solidão;

sentindo a própria unidade,

e não eu, talvez, por dentro de mim.

Nada a mais, fora o mais em nada,

apesar de fora, estando dentro

do mais alto nível de unidade,

apesar de dentro, ocupando fora

o mais eu a quem entro.

Explorando a superfície

dentro do que sou,

sempre só como partícula,

e independente das partes conjuntas,

que, estando por fora,

não participam, apesar de sólidas,

do que me faz me sentir só,

sempre assim,

sem ter o mar.

 

 

 

FLORESCER

Malungo

 

Espantos

múltiplos discursos

 

negros

em preto e branco

racismo colorido

 

pastores bandidos

esmolando almas

 

pedras nos vitrais

buracos celestes

 

xícaras quentes

da bosta do boi

nascem universos

 

 

 

POEMA MURAL I

Du Nascimento

 

Um dia fosco, morto

levou-me o olhar opaco, o pescoço

O dorso do que sempre peço: um verso

Um sopro ao meu sonho entre aberto

Mero socorro a mim que tanto corro

montado em horário desconexo

Sou quase um vivo morto que acelera para algo incerto

até torto no tato que me pego a esfregar o dia todo

como um louco de pedra, de tijolo

a perder a perna, o olho, para o corpo todo

numa manhã de out, outono

Sol escaldante dentro do meu estorvo

como um cego que dá as costas ao mundo

doido por mim nas horas que peço:

mais um verso seu filho de mãe sem dono

Você tem quase dureza de engano

enxerga torto tanto um ser com dano

que chega até parecer que é por gosto

a mesma merda de vida que tu tem exposto

Neste canto de sala onda fica teu trono

tua foto

teu apreço

dinheiro mesmo

e isso é pouco ao mero dia morto

que nos leva à espera o abandono

de nós mesmos para nós humanos

Somos tão pouco atentos

e mesmo lentos

não vemos a dor do outro eu

que em nós carrego

em córregos meus

e que desabo sempre a pedir socorro

sempre a lidar com berros

com ecos longínquos de distancia eterna

estando aqui mesmo dentro desta terra

ou em nós que nos escombros nos descompomos

A cada encontro

a cada fala de comando

um grito vem de longe

esconde

um medo intrínseco que não é distante

sou eu em outro

em outro tempo

pedindo apenas um verso

para recuperar meu siso

minha brecha clara de entendimento

meu dorso humano imundo

onde padeço carregar

em versos

em túmulos

a dor invisível do mundo.

 

 

 

RECIFE

Malungo

 

Prédios espigados

feitos de cimento

e solidão

 

mangues

marés doloridas

tristezas, abandonos

 

na periferia

a beleza do povo

 

desfilando

nos mercados,

nas favelas

 

churrasquinho de gato

dezessete vidas

na sete de setembro

 

alegria sem rumo

na Pracinha do Diário

 

Mauricéia

de paisagens e pontes

Cidade grande poema

 

 

 

 

 

....................

¹Valmir Jordão é poeta, compositor e performer

²Poemas do livro inédito: “Radial”



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