A PALAVRA SOLIDÁRIA DE GRACIA CANTANHEDE
Postado por DCP em 06/06/2021
[Curadoria de Natanael Lima Jr.]
Gracia Maria Baldoni Cantanhede nasceu em Campos Gerais, MG. Filha de Atílio Baldoni e Maria José Morais Baldoni. Tem dupla cidadania: brasileira e italiana. Casada com o Subprocurador-Geral da República Getúlio Rivera Velasco Cantanhede. Tem dois filhos: Thiago Rivera Velasco Baldoni Cantanhede e Gabriel Rivera Velasco Baldoni Cantanhede. Concluiu o Curso Primário em Campos Gerais, MG, no Grupo Escolar Carlos Góes. Concluiu o Ginasial e o Curso Normal no Colégio Padre Júlio Maria, em Boa Esperança, MG. Reside em Brasília desde 1972. Advogada, formada pelo CEUB, em 1997, escritora e Procuradora Federal aposentada da Advocacia-Geral da União, dedica-se à literatura, tendo nove livros publicados: Palavra de Mulher – Crônicas publicadas no Caderno Mulher do jornal Correio Braziliense (1994); Jogo de Persona - Poesias (1997); Mulheres Apaixonadas – Contos (2013); Madona Chegou – Romance (2017); Bacia das Almas – Poesias (2017); Tanto faz se for mentira ou verdade – Contos e Crônicas (2018); Cortina de Contas – Poesias (2018); e Brasília, meu amor – Contos, crônicas e poesias (2019). Em 2021, seu romance "Cabra-Cega" foi aprovado e editado pela respeitada Editora Patuá com prefácio do escritor e crítico literário Ronaldo Cagiano e posfácio do poeta Diego Mendes Sousa. Com três livros prontos para publicação, a autora terminou o romance Devastada, que está em fase de revisão.
LAVÍNIA
Quando ele se foi, ela não queria ter a certeza de que era para sempre.
Fechava os olhos e pensava ter guardado o passado em algum lugar. Havia uma
certa inocência nesse devaneio recorrente.
No dia em que saiu do hospital porque os médicos pediram que repousasse
um pouco, era tarde e talvez alguma melhora ele pudesse apresentar, ela
concluiu estar sendo inconveniente, por chorar tanto e exigir explicações para
a tragédia daquele desastre de carro.
Em vão.
Sem ao menos se despedir dela, a chama daquele pavio extinguiu-se.
E a loucura instalou-se de vez na vida de Lavínia.
A lógica com que poderia salvar do naufrágio a sua razão andava longe.
Aparentemente o exercício de existir somente poderia ser com o total
desinteresse pela vida.
Talvez com um velado desejo de suicídio.
Via tudo passar como se assistisse a um filme em câmera lenta. Não pedia
contas do tempo. Os dias se confundiam com as noites, ocupada com suas dores da
alma, imobilizada na dimensão da tristeza que teimava em cultivar.
Acreditava que sua vida havia se acabado mesmo e nada mais poderia
motiva-la para o mundo exterior.
Assim vivendo, naquelas percepções ilusórias, reino dos não-viventes,
evitava correr o risco de ver com atenção a realidade, para não comprometer o
que inventara para a memória.
Às vezes sorria para o nada, como se ali visse alguém, como se recebesse
uma visita e merecesse esse milagre, pois seu semblante se iluminava, as mãos
se erguiam suaves, em gestos ternos, vagarosos.
As pessoas que presenciavam essas cenas, a despeito daquele triste
cenário, pensavam que ela estava em contato com o noivo, morto havia um mês.
Algo sobrenatural.
E talvez fosse.
Para que a verdade mitômana?
Assim passaram a acreditar no encontro de almas.
Então.
A CASA
o
casaco ficou na cadeira ao lado da porta de entrada
os
pés tocaram o assoalho, a bolsa sobre o móvel…
só
a gata silenciosa abriu os olhos preguiçosos
posso
ser invisível e entrar voando, sem nada
pela
casa, à noite, no cenário de luz apagada
cada
parede, cada objeto, sabe mais de mim
do que eu mesma, que mal sei da minha própria história
tudo
aqui é familiar, no escuro o tato é rota, é guia
quando mais tempo temos de morada em uma casa
mais
ela nos transforma em janela e quarto e sala
mais
nosso corpo tem o cheiro que ela exala.
HISTÓRIA
Conte-me
sobre os empregados do teu pai
Como
eram pagos, como eram tratados
Conte-me
sobre a fortuna acumulada
Como
eram as notas amoitadas
Conte-me
sobre o dinheiro roubado
Como
era gasto em grandes noitadas
Conte-me
como dormes à noite
Em
que travesseiro amaciado,
pelas
verdades negadas?
IMAGENS
A
madrugada não tem regras
O
perigo fica iminente
Qualquer
descuido é zás!
A
cabeça anda pra frente
O
corpo anda pra trás.
Não
há radar, nem antena.
Inexplicável,
A
vida engrena.
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