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CARLOS PENA FILHO, VERTIGINOSAMENTE AZUL. AZUL

 Postado por DCP em 16/05/2021

 [Curadoria de Natanael Lima Jr.]











Carlos Pena Filho I Foto: Reprodução










Neste ano de 2021, precisamente aos 17 dias do mês de maio do ano de 1929, nascia no Recife, aquele que seria um dos mais importantes poetas pernambucanos da segunda metade do século XX depois de João Cabral de Melo Neto. A produção poética de Carlos Pena Filho foi efusivamente carregada de oralidade e musicalidade. Foi um exímio artista plástico das palavras onde se destaca a cor, o movimento e a luz. Possuía um forte encanto no Azul, a ponto de afirmarem que tratava-se de uma "poesia vestida de Azul". O Domingo com Poesia traz nesta postagem alguns dos seus marcantes poemas para celebrar os 92 anos do seu nascimento.


 





SONETO DO DESMANTELO AZUL

 

Então, pintei de azul os meus sapatos

por não poder de azul pintar as ruas,

depois, vesti meus gestos insensatos

e colori as minhas mãos e as tuas,

 

Para extinguir em nós o azul ausente

e aprisionar no azul as coisas gratas,

enfim, nós derramamos simplesmente

azul sobre os vestidos e as gravatas.

 

E afogados em nós, nem nos lembramos

que no excesso que havia em nosso espaço

pudesse haver de azul também cansaço.

 

E perdidos de azul nos contemplamos

e vimos que entre nós nascia um sul

vertiginosamente azul. Azul.

 

 

 

PARA FAZER UM SONETO

 

Tome um pouco de azul, se a tarde é clara,

E espere um instante ocasional

Neste curto intervalo Deus prepara

E lhe oferta a palavra inicial

 

Ai, adote uma atitude avara

Se você preferir a cor local

Não use mais que o sol da sua cara

E um pedaço de fundo de quintal

 

Se não procure o cinza e esta vagueza

Das lembranças da infância, e não se apresse

Antes, deixe levá-lo a correnteza

 

Mas ao chegar ao ponto em que se tece

Dentro da escuridão a vã certeza

Ponha tudo de lado e então comece.

 

 

 

SONETO OCO

 

Neste papel levanta-se um soneto,

de lembranças antigas sustentado,

pássaro de museu, bicho empalhado,

madeira apodrecida de coreto.

 

De tempo e tempo e tempo alimentado,

sendo em fraco metal, agora é preto.

E talvez seja apenas um soneto

de si mesmo nascido e organizado.

 

Mas ninguém o verá? Ninguém. Nem eu,

pois não sei como foi arquitetado

e nem me lembro quando apareceu.

 

Lembranças são lembranças, mesmo pobres,

olha pois este jogo de exilado

e vê se entre as lembranças te descobres.

 

 

 

AS DÁDIVAS DO AMANTE

 

Deu-lhe a mais limpa manhã

Que o tempo ousara inventar.

Deu-lhe até a palavra lã,

E mais não podia dar.

 

Deu-lhe o azul que o céu possuía

Deu-lhe o verde da ramagem,

Deu-lhe o sol do meio dia

E uma colina selvagem.

 

Deu-lhe a lembrança passada

E a que ainda estava por vir,

Deu-lhe a bruma dissipada

Que conseguira reunir.

 

Deu-lhe o exato momento

Em que uma rosa floriu

Nascida do próprio vento;

Ela ainda mais exigiu.

 

Deu-lhe uns restos de luar

E um amanhecer violento

Que ardia dentro do mar.

 

Deu-lhe o frio esquecimento

E mais não podia dar.

 

 

 

A PALAVRA

 

Navegador de bruma e de incerteza,

Humilde me convoco e visto audácia

E te procuro em mares de silêncio

Onde, precisa e límpida, resides.

 

Frágil, sempre me perco, pois retenho

Em minhas mãos desconcertados rumos

E vagos instrumentos de procura

Que, de longínquos, pouco me auxiliam.

 

Por ver que és claridade e superfície,

Desprendo-me do ouro do meu sangue

E da ferrugem simples dos meus ossos,

E te aguardo com loucos estandartes

Coloridos por festas e batalhas.

 

Aí, reúno a argúcia dos meus dedos

E a precisão astuta dos meus olhos

E fabrico estas rosas de alumínio

Que, por serem metal, negam-se flores

Mas, por não serem rosas, são mais belas

Por conta do artifício que as inventa.

 

Às vezes permaneces insolúvel

Além da chuva que reveste o tempo

E que alimenta o musgo das paredes

Onde, serena e lúcida, te inscreves.

 

Inútil procurar-te neste instante,

Pois muito mais que um peixe és arredia

Em cardumes escapas pelos dedos

Deixando apenas uma promessa leve

De que a manhã não tarda e que na vida

Vale mais o sabor de reconquista.

 

Então, te vejo como sempre foste,

Além de peixe e mais que saltimbanco,

Forma imprecisa que ninguém distingue

Mas que a tudo resiste e se apresenta

Tanto mais pura quanto mais esquiva.

 

De longe, olho teu sonho inusitado

E dividido em faces, mais te cerco

E se não te domino então contemplo

Teus pés de visgo, tua vogal de espuma,

E sei que és mais que astúcia e movimento,

Aérea estátua de silêncio e bruma 










CARLOS PENA FILHO, VERTIGINOSAMENTE AZUL. AZUL CARLOS PENA FILHO, VERTIGINOSAMENTE AZUL. AZUL Reviewed by Natanael Lima Jr on 23:59 Rating: 5

3 comentários

  1. Viva Carlos Pena Filho! Publiquei sobre ele aqui https://vermelho.org.br/prosa-poesia-arte/urariano-mota-carlos-pena-filho-e-o-recife/

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  2. Viva Carlos Pena Filho! Publiquei sobre ele aqui https://vermelho.org.br/prosa-poesia-arte/urariano-mota-carlos-pena-filho-e-o-recife/

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