TransWinter

ALBERTO LINS CALDAS, A TECITURA DO POEMA

 

Postado por DCP em 16/05/2021

[Curadoria de Natanael Lima Jr.]








Alberto Lins Caldas I Foto: Reprodução







Sempre digo que não sou poeta, mas poemata? Não faço versos, mas, fora do sinônimo (que não aceito), escrevo poemas. Usando o que Arrigucci Jr escreveu sobre Cortázar, o poema, assim eu entendo,... “É entendido como uma totalidade orgânica, uma narrativa de economia rigorosa, uma estrutura em tensão, limitada quanto ao tempo e quanto ao espaço, na qual todos os elementos devem estar, necessariamente, em função do efeito unitário do conjunto.": Arrigucci Jr usa isso para falar do conto e eu para fazer uma aproximação com o que defino como poema: uma narrativa, a criação de um ou mais narradores, que não sou eu ou um "eu lírico", mas algo próximo da fábula, da parábola, um texto que não tem métrica, ritmo, rima, lirismo, poesia (para mim poesia é texto essencialmente religioso, estatal, gramatical, imóvel, memorialístico, jornalístico, cronista), mistura entre autor e texto e outras grandes idiotices para o gosto e pensar médio; no poema a meta é livre, esquerdista, uma paralaxe, uma loxografia, criar singularidades, narradores, não falar pelo outro, mas um "narrador pleno" contra o horror (como em uma das "historias orais", a que não fala pelo outro, nem espera perguntas feitas pelo pesquisador, deformando e tornando o outro uma caricatura do próprio pesquisador). Pelo menos desde Heine o poema é um enfrentamento do horror. Por tudo isso e mais que não cabe aqui, eu não sou o escritor, o agente daquilo que se formata como poema, mas a linguagem deformada, torcida, pelo horror. Eu não tenho estilo, nem os poemas, que são corporificações de agentes do horror, como o capitão do navio de escravos de Heine no seu "Navio Negreiro", bem longe do que, desde o começo do poema, seria o navio negreiro com um poeta e em versos de Castro Alves, uma borra de lirismo impotente no centro obsceno da escravidão, que ele não enfrenta, porque a poesia enfrenta apenas tolices. Eu não tenho nada com a poesia”.



*. Alberto Lins Caldas nasceu no Recife, e reside atualmente em Paris; é poeta, contista e romancista; é autor dos livros de poemas "No Interior da Serpente" (Pindorama, Recife, 1987), “Minos” (Ibis Libris, Rio de Janeiro, 2011) e “De Corpo Presente” (Ibis Libris, Rio de Janeiro, 2013), “A perversa migração das baleias azuis” (Ibis Libris, Rio de Janeiro, 2015), “A pequena metafisica dos babuínos de Gibraltar” (Ibis Libris, Rio de Janeiro, 2016), "Minha pessoa sob o domínio dos bárbaros" (Ibis Libris, Rio de Janeiro, 2018), "Tântalo" (Flan deTal, Vila do Conde-Portugal, 2019); é autor dos livros de contos “Babel” (Revan, Rio de Janeiro, 2001), “Wyk” (Bagaço, Recife, 2007), “Gorgonas” (Companhia Editora de Pernambuco, Recife, 2008); dos romances “Senhor Krauze” (Revan, Rio de Janeiro, 2009), “Veneza” (Penalux, Guaratinguetá, 2016), "A grande morte do conselheiro Esterházy" (Penalux, Guaratinguetá, 2018), Sansara ou Noturno em Do Menor (Penalux, Guaratinguetá, 2020; dos livros de contos “Babel” (Revan, Rio de Janeiro, 2001), “Wyk” (Bagaço, Recife, 2007), “Gorgonas” (Companhia Editora de Pernambuco, Recife, 2008);

Blog http://poemasalbertolinscaldas.blogspot.com 






o imperador e o jardineiro





● ouvi dizer q o imperador dos mongois ●

● sonhou e quis q o sonho se tornasse realidade ●

● porisso resolveu q seu unico filho fosse jardineiro ●

● jamais imperador como ele conquistador e colera como ele ●

● louco e violento sedento de sangue terras e imperios ●

 

● praisso chamou os melhores jardineiros do imperio mongol ●

● dizendo façam dessa criança o melhor jardineiro do mundo ●

● os jardineiros se entreolharam e um deles humilde disse ●

● se é da vossa vontade faremos mas essa criança so pode ser ●

● imperador porq pra ser jardineiro precisa ter sonhado ●

● desde o ventre da mãe com florestas campos flores ervas ●

● raizes arbustos e frutos nascendo e podres sobre o chão ●

● sonhado com grandes jardins com minusculos jardins ●

● as terras pra cada planta a umidade a secura as estações ●

● inda no ventre da mãe sentir falta muita falta dessa beleza ●

● nos musculos nos sonhos na lingua nos dedos nos olhos ●

● a violenta falta de todos os tipos de jardim de plantas agua ●

● grãos insetos quem foi feito imperador não sonha ou vive ●

● sonho e vida de quem cria e acende fulgores de jardineiro ●

 

● ouvindo isso o imperador dos mongois disse ●

● se é assim tudo seria imovel um cristal inerte e acabado ●

● se eu mesmo não puder ser jardineiro a vida não aparecera ●

● sempre outra nada podera mudar assim como um jardineiro ●

● não podera jamais ser um imperador e isso é uma loucura ●

● assim vc é agora o grande imperador e eu o aprendiz ●

● da nobre arte da jardinagem com seus amigos jardineiros ●

 

● ouvi dizer q em muito pouco tempo o antigo imperador ●

● foi degolado com a familia por ordem do agora imperador ●

● vendo tudo do castelo enquanto o jardineiro q foi imperador ●

● era degolado com a familia e os outros jardineiros do imperio ●

● ao longe apareceram as primeiras dunas do grande deserto ●



os porcos sim leite rancoroso dos porcos sim





● vem assim a velha porca ●

● a porca velha e suas tetas roxas ●

● vem assim com tetas asperas e acres ●

● pondo em cada um q encontra ●

● essas tetas asperas e acres na boca ●

● de cada um q encontra e faz jorrar ●

● a velha porca dessas tetas roxas ●

● na boca de quem encontra o leite ●

● podre o leite azedo o leite odioso ●

● esse q todos adoram e chupam rindo ●

● como se o leite azedo desses peitos ●

● dessas tetas asperas e acres fosse bom ●

● fosse alento fosse alegria fosse mais ●

● mas vem assim a porca velha a porca ●

● pondo em cada um as asperas tetas ●

● porq desejam todos sentir a lingua ●

● dormente os labios secos pelo leite ●

● acre pelo leite azedo pelo leite gelado ●

● das tetas roxas da velha porca q enfia ●

● essas tetas asperas e acres na boca ●

● de cada um q encontra as tetas duras ●

● da velha porca com seu leite azedo ●

● q todos mamam no frenesi na multidão ●

● gozando com as linguas asperas e acres ●

● leite dos porcos cedo nas manhãs bebem ●

● dos porcos seu leite amargo leite azedo ●

● leite amargo dos dias e noites odiosas ●

● basta ficar bem aqui eis o leite dos porcos ●

● leite gelado leite duro leite rancoroso leite ●

● enquanto não se dorme ou não se mata ●

● leite dos porcos no meio da noite ●

● acordar sem sono desejo do leite duro ●

● leite aspero e acre dos porcos sob a treva ●

● basta injetar basta engolir basta deixar ●

● leite acre leite aspero rancoroso e talhado ●

● mas é a morte q se quer a morte o leite ●

● esse leite q todos desejam e pedem rindo ●

● esse leite q faz parte dos nossos desejos ●

● leite do rancor leite q reproduz a morte ●

● q todos pedem todos negam e sugam ●

● com a gula a sede a ordem do horror ●

● q torna alegria gozo e graça no horror ●

● assim vem mais o porco de sempre ●

● o porco velho e seu caralho roxo ●

● vem com caralho aspero e acre ●

● pondo em cada um q encontra ●

● esse caralho aspero e acre na boca ●

● de cada um q encontra e faz jorrar ●

● desse caralho roxo o velho porco ●

● na boca de quem deseja ou não o leite ●

● podre o leite azedo o leite odiento ●

● esse q todos adoram e mamam rindo ●

● como se o leite azedo desse caralho ●

● desse caralho aspero e acre fosse bom ●

● fosse alento fosse alegria fosse mais ●

● mas vem assim o porco velho o porco ●

● pondo em cada um o caralho duro ●

● porq desejam todos sentir a lingua ●

● dormente os labios secos pelo leite ●

● acre pelo leite azedo leite rancoroso ●

● do caralho roxo do velho porco rindo ●

● q enfia esse caralho roxo na boca ●

● de cada um q encontra o caralho duro ●

● do velho porco com seu leite azedo ●

● q mamam no frenesi da multidão ●

● gozando com a lingua aspera e acre ●



a morte a morte





● digo sussurrando em teu ouvido ●

● tocando teus seios a morte a morte ●

● entre teus seios labios lingua nos seios ●

● a morte a morte e so vc sente no desejo ●

● porisso digo a morte a morte vem vindo ●

● pra mim pra vc pra teus seios sim ●

● pro cheiro de jasmim pela janela aberta ●

● a morte a morte antes da morte teus seios ●

● teu desejo teu gozo teu riso o gozo o gozo ●

● entre meus dedos nos teus olhos a morte ●

● por isso digo a morte a morte vem vindo ●

● em segundos deixamos de ser so o vento ●

● dizendo é a morte a morte e nem lembro ●

● teus seios teu gozo a morte so a morte ●

● cheiro de jasmim q vem de perto la de fora ●

● cheiro doce dos figos q as figueiras exalam ●

● derrubam aqui mesmo dentro do quarto ●

● apodrecendo sem nenhuma dentada nada ●

● so a morte abocanha cada um dos figos nada ●

● nem nos tocamos a morte dos figos a morte ●

● como não tocamos a morte da nossa vida ●

● a morte a morte dos teus seios do gozo nada ●

● a morte do nosso tempo sem teu gozo nada ●

● apenas nenhuma existencia nem teu gozo ●

● nem os figos o cheiro de jasmim o tempo ●

● assim se espalham as cinzas do não ser ●

● so a morte morde so a morte mastiga so ●

● o quarto a vida o universo a morte a morte ●



ele e a cidade


"a miséria, o ódio, a vós foi confiado tudo isso!"





● quando acordamos ele tava no centro ●

● no meio da praça imenso descomunal ●

● q so metade dele tava na praça ●

● no centro enquanto mais da metade ●

● tava fora da praça do centro da cidade ●

● se espalhava nu entre campos e matas ●

● imovel como uma montanha dormindo ●

● não roncava não respirava não se movia ●

● muitos disseram essa coisa esta morta ●

● os olhos fechados as narinas fechadas ●

● ate q um dia abriu os olhos e narinas ●

● respirando e ficamos paralisados ●

● sem saber o q fazer e ele nos olhava ●

● como se esperasse alguma coisa ●

● ele respirava como se devessemos ●

● fazer algo rapido e indispensavel ●

● como tentar alimentar isso sim ●

● ou levar agua e assim fizemos dias ●

● noites e nada ele desejava ou queria ●

● ate o momento q fechou os olhos ●

● as narinas e deixou de respirar ●

● alguns disseram é assim mesmo ●

● vamos dormir ele não quer nada ●

● nunca quis e perdemos nosso tempo ●

● agora cuidemos de nos e ele durma ●

● seus milenios enquanto a cidade ●

● vivera dormira como carrapato dele ●

● assim nos dispersamos e ate hoje ●

● ele não abriu os olhos as narinas ●

● ou respirou e esquemos dele ●

● como uma montanha entre nos ●

● quando precisar taremos aqui ●

● é sempre aqui q temos nosso rum ●

● nos entorpecemos ate q nada doa ●

● nada gire nada siga ou signifique ●



caravaggio





● caravaggio chegou com garrafas de rum ●

● do melhor e mais aspero e duro rum ●

 

● arguimos ?os pinceis ?as tintas ?as telas ●

● caravaggio disse a treva a treva a treva ●

 

● sentou como se nunca tivesse descansado ●

● caravaggio sabe o q faz disse alguem ●

 

● na ampla sala caravaggio abriu as garrafas ●

● bebendo uma por uma todas elas as muitas ●

 

● enquanto queima todos os quadros ●

● queima tudo do seu oficio e bebe mais ●

 

● caravaggio tropeça gira e cai gira e cai ●

● caravaggio não aguentava mais beber ●

 

● logo logo tombou morto perdido morto ●

● ouvimos as palavras a treva a treva a treva ●

























 





ALBERTO LINS CALDAS, A TECITURA DO POEMA ALBERTO LINS CALDAS, A TECITURA DO POEMA Reviewed by Natanael Lima Jr on 23:44 Rating: 5

Um comentário

  1. Aplausos sempre para você meu Poeta (e amigo de muitas eras) Alberto Lins Caldas! Creio que trabalho poético está contido (em síntese) na definição - sobre Poema acima- do Cortázar ("... uma totalidade orgânica, uma narrativa rigorosa, uma estrutura em tensão...)Beijos

    ResponderExcluir

Recent in Recipes

3/Food/post-list