JORGE LUIS BORGES: O FAZEDOR
30 de
setembro de 2018 by Natanael Lima Jr.*
Jorge
Luis Borges em Buenos Aires, Nov. 20, 1981.
Imagem:
AP Photo/Eduardo Di Baia.
No epílogo da obra O
fazedor (Companhia das letras, 2008), o poeta e escritor argentino Jorge
Luis Borges relata que se trata de sua mais pessoal obra, não por ser escrita
com um estilo confessional, mas “precisamente porque é pródiga em reflexos e
interpolações. Um homem que se propõe a tarefa de desenhar o mundo. Ao longo
dos anos, povoa um espaço com imagens de províncias, de reinos, de montanhas,
de baías, de naus, de ilhas, de peixes, de moradas, de instrumentos, de astros,
de cavalos e de pessoas. Pouco antes de morrer descobre que esse paciente
labirinto de linhas traça a imagem de seu rosto”.
O seu livro compõe-se de uma coletânea de contos, ensaios
e poemas líricos escritos em vários momentos de sua vida e reunidos numa edição
de 1960, pelo seu amigo-editor.
A cada página, o leitor se defronta e mergulha numa
aventura secreta, no mundo mágico e indizível de Borges. “Ao outro, a Borges, é
que sucedem as coisas. Eu caminho por Buenos Aires e me demoro, talvez já
mecanicamente, para um olhar o arco de um vestíbulo e o portão gradeado; de
Borges tenho notícias pelo correio e vejo seu nome numa lista tríplice de
professores ou num dicionário biográfico. Agradam-me os relógios de areia, os
mapas, a tipografia do século XVIII, as etimologias, o gosto do café e a prosa
de Stevenson; o outro compartilha essas preferências, mas de um modo vaidoso
que as transforma em atributos de um ator.” (“Borges e eu”)
DOIS POEMAS DE JORGE LUIS BORGES
Arte poética*
Olhar
o rio feito de tempo e água
e
recordar que o tempo é outro rio,
saber
que nos perdemos como o rio
e
que os rostos passam como a água.
Sentir
que a vigília é outro sono
que
sonha não sonhar e que a morte
que
a nossa carne teme é essa morte
de
cada noite que se chama sono.
Ver
no dia ou no ano um símbolo
dos
dias do homem e dos seus anos,
converter
o ultraje dos anos
numa
música, um rumor e um símbolo,
ver
na morte o sono, no ocaso
um
triste ouro, assim é a poesia
que
é imortal e pobre. A poesia
volta
como a aurora e o ocaso.
Às
vezes, certas tardes, uma cara
fita-nos
do fundo de um espelho;
a
arte deve ser como esse espelho
que
nos revela a nossa própria cara.
Contam
que Ulisses, farto de prodígios,
chorou
de amor ao divisar a sua Ítaca
verde
e humilde. A arte é essa Ítaca
de
verde eternidade, não de prodígios.
Também
é como o rio interminável
que
passa e fica e é cristal de um mesmo
Heráclito
inconstante, que é o mesmo
e
é outro, como o rio interminável.
*Tradução de
Josely Vianna Baptista
Campos
entardecidos*
O
poente em pé como um Arcanjo
tiranizou
o caminho.
A
solidão povoada como um sonho
remanseou-se
ao redor do vilarejo.
Os
cincerros recolhem a tristeza
dispersa
dessa tarde. A lua nova
é
um fio de voz que vem do céu.
Conforme
vai anoitecendo
volta
a ser campo o vilarejo.
O
poente que não cicatriza
ainda
fere a tarde.
As
cores trêmulas se acolhem
nas
entranhas das coisas.
No
aposento vazio
a
noite fechará os espelhos.
*Tradução de
Josely Vianna Baptista
*Natanael Lima Jr é pedagogo, poeta e editor-fundador do site ‘DCP’
JORGE LUIS BORGES: O FAZEDOR
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