HAIKAI, POESIA NIPO-BRASILEIRA
30 de
setembro de 2018 by José Luiz Mélo*
Capa divulgação
É frequente dizer-se o aforismo: “nos
pequenos frascos, as grandes essências”. Sentença que se aplica perfeitamente
quando se fala em HAIKAI, ou HAIKU, aportuguesado HAICAI; — pequenos (na
extensão) poemas de origem nipônica, criados a partir do século XVI, que
expressam de uma forma concisa, porém plena de significado e de carga poética,
o mundo que nos cerca e às reações humanas diante dele. HAICAI é a arte poética
de se expressar o máximo em sentimentos com o mínimo de elementos, as palavras.
Os seus temas geralmente são simples,
porém concretos, não abstratos, captados dos fatos corriqueiros da vida e da
natureza.
Pela clareza como conceitua o Haicai,
transcrevo as palavras do celebrado haicaísta (designação que se dá aos autores
de Haicai) recifense, José Lira, na contracapa do seu magnífico livro: “A
Paisagem Lá Fora”, do qual falarei na próxima edição do nosso “Domingo com
Poesia”:
“O haicai é um tipo de poema curto e
objetivo que se volta para os seres e as coisas da natureza e mostra a vida
como ela é e não como gostaríamos que fosse. Escrito em linguagem simples e
direta, o haicai não se vale de “enfeites” e “efeitos” poéticos e não valoriza
as abstrações nem o sentimentalismo. Privilegiando os sentidos e não a
fantasia, o haicai busca captar a fugaz sensação de um breve instante que passa
— no instante mesmo em que ele passa diante de nós.”
Quanto a forma, ainda tomo emprestadas
as palavras do José Lira, no referido livro: “Além dos aspectos formais mais
evidentes num haicai, que são os três versos (em geral de 5-7-5 ou 4-6-4
sílabas poéticas ou algo próximo), é preciso haver uma bipartição do poema em
1+2 ou 2+1 versos.
Esta partição, na qual em uma das
partes se tem o cenário e na outra a ação, (o núcleo do poema), evita a sua
prosificação, ou seja, evita que o Haicai se confunda com um simples excerto de
prosa.
Embora essa seja sua estrutura
tradicional, o Haicai, à medida que saiu do Japão e passou a ser escrito em
outras línguas, inclusive com estruturas fonéticas diversas, modificou-se
preservando, no entanto, o conceito de sua estrutura curta, geralmente dois
versos breves e um mais longo.
Dentro deste espírito de atualização e
renovação, veem-se hoje em dia haicais que exploram outros temas como o amor,
problemas sociais e outros.
Na internet, nos sites de busca,
temos, às mãos cheias, dezenas de locais que publicam haicais dos mais variados
autores nacionais e estrangeiros, belissimamente emoldurados em
quadros/gravuras que realçam os seus encantos.
Aqui, vou me limitar a divulgar uns
poucos haicais de autores nacionais.
Afrânio
Peixoto
Observei
um lírio:
De
fato, nem Salomão
É
tão bem vestido…
Guilherme de
Almeida
Caçador
de estrelas.
Chorou:
seu olhar voltou
com
tantas! Vem vê-las!
Jorge Fonseca
Jr.
Ah!
estas flores de ouro,
que
caem do ipê, são brinquedos
pr'as
criancinhas pobres...
Fanny Luíza
Dupré
Tremendo
de frio
no
asfalto negro da rua
a
criança chora.
Paulo Leminski
Viver
é super difícil
o
mais fundo
está
sempre na superfície.
Paulo Leminski
Amar
é um elo
Entre
o azul
E
o amarelo.
Millôr
Fernandes
Nos
dias quotidianos
É
que se passam
Os
anos.
José Lira
A
lua branca:
Na
rua a luz do poste
Desnecessária.
José Lira
Coqueiro
e poste:
As
sombras paralelas
Sobre
a calçada.
José Lira
Mais
um café:
O
piano esta tarde,
Meio
deprê.
João Francisco
Lima Santos
Eis
a minha sina:
O
vermelho dos teus lábios
Ser
a dopamina.
João Francisco
Lima Santos
Não
CAPES
(Tu)
O
futuro do país.
João Francisco
Lima dos Santos
A
noite
Desdobra
O
silêncio. (neste haicai, o autor emoldura a cena com uma gravura de um sino
dobrando)
UM ADENDO
Em “Poesia Completa”, de Alberto da
Cunha Melo, no seu sumário, não encontrei Haicais. Não posso, no entanto,
deixar de divulgar alguns dos belíssimos poemas intitulados “Salmos de Olinda”,
um conjunto de 38 tercetos de versos curtos e rimados que o poeta concluiu em
1988.
O TEMPO CALADO
Silêncio
cautelar
É
aquele que nos cala,
Para
nos consertar.
OURO DOS
OUTROS
Aprenda
a não ver
Para
não desejar
O
que não pode ter.
BELOS DIAS
Certos
dias, como os licores
Bebe-os
em cálices pequenos,
Sem
a pressa dos bebedores.
*José
Luiz Melo é poeta e editor do DCP
HAIKAI, POESIA NIPO-BRASILEIRA
Reviewed by Natanael Lima Jr
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