OS MÚLTIPLOS CAMINHOS DA POESIA DE JACI BEZERRA
30 de
setembro de 2018 by Maria de Lourdes Hortas*
Imag. Reprodução
A poesia é um verão de pombos
Um instante de luz que não se
explica
Jaci Bezerra
JACI
BEZERRA (José Jaci de Lima Bezerra) nasceu em Murici (AL) em 1944. A
musicalidade dos poetas populares e a sinfonia das ondas do mar foram a trilha
sonora da sua infância. Ritmos que lhe ficaram impressos na memória e que irão
ressurgir na sua poesia.
Aos 15 anos
transferiu-se com a família para Jaboatão dos Guararapes (PE), onde, a partir
da sua convivência com Alberto da Cunha Melo, José Luiz de Almeida Melo e
Domingos Alexandre, sob a orientação do poeta Benedito da Cunha Melo, sentiu o
chamamento da escrita. Graduou-se em Ciências Sociais (UFPE). Desempenhou
importantes atividades na Fundação Joaquim Nabuco - FUNDAJ. E estreou como
poeta com a publicação de cinco sonetos no Diário de Pernambuco (1996). Pertence
à conhecida Geração 65 de escritores pernambucanos. Poeta, contista,
dramaturgo, cronista, editor e animador cultural, fundou, em 1979, com Alberto
da Cunha Melo, Eugenia Menezes e Myriam Brindeiro, companheiros da Fundação, as
Edições Pirata, do Recife, responsável pela publicação de mais de duas centenas
de títulos de escritores brasileiros de várias gerações e tendências. Num
segundo momento, outros escritores se uniram ao movimento, entre os quais
Vernaide Wanderley e eu mesma.
O LIVRO DAS
INCANDESCÊNCIAS (Pirata,1985)
O título
ajusta-se com exatidão à poesia reunida pelo autor neste volume, poemas de
vários livros, que o poeta reúne com títulos diversos, na tentativa de
reconstrução de um tempo pretérito, pelo ritual da memória, referido por Marcos
R. Barnatán, sobre Borges.
Diz o
ensaísta: “O tempo não avança, não muda nada, porque o que ocorrer já ocorreu
no passado. Nada altera o ciclo infinito dos astros. Voltar a sonhar o já
sonhado é o desígnio dos poetas e reiterar o ritual da memória o castigo dos
homens.”
Ao reunir
na sua poesia essa dupla maldição, Jaci Bezerra atinge o ponto culminante onde
a arte acontece: universo pessoal que se desdobra para, através da metamorfose
poética, superar o real, transfigurando-o num mirante de onde se contempla o
panorama atemporal do ser.
Sem recusar
as ligações telúricas do homem de província que se afirma e quer, Jaci Bezerra
caminha para aquém e além de si mesmo, conseguindo, pela restauração dos
estilos clássicos do renascimento, fazer ecoar, no seu desassossego e inconformismo
contemporâneos, a perene complexidade da alma do homem de ontem e de hoje.
A
perseguição do extinto é, em Jaci Bezerra, levada às últimas consequências. Ao
invés de se limitar à reconstrução das próprias lembranças, na execução
obsessiva de uma sonata monocórdica, a sua apropriação das formas
renascentistas – sonetos, sextinas, tercetos encadeados, quadras, versos
hexassílabos, decassílabos, alexandrinos – carrega em si uma intenção mais
profunda, que não se confunde com um mero gosto lúdico-estético. Tal postura
confirma-se num dos versos do poema 81, presente no Livro da Angústia,( um dos
capítulos do livro em análise) onde o poeta confessa: “Refaço o calendário e me
refaço...”
No
entrelaçamento de passado e presente, Jaci atinge a contradição, selo de fogo
da verdadeira arte, que abre a obra para múltiplas interrogações.
Por outro
lado, o uso frequente de metáforas e imagens que se apropriam de flores, mares,
praias, rios, luares, auroras e crepúsculos, pode levar o leitor a remeter o
poeta ao romantismo:
“Eu
sou um pássaro feito de magia
Não
me recuso ao sol e à noite externos:
Meu
coração é o sol, e se desfia,
A
noite é a lua escrita em meus cadernos”.
(Poema 2, Livro da Biografia).
“Anjos sobrevoando a derradeira/ baliza punham olhos espantados/sobre pratos e vasos niquelados /tintos no sangue roxo das videiras”.
“No tabuleiro a rosa era o disfarce/ do arcanjo silencioso nas esquinas....”
“Estendeu no horizonte a cor madura/ da sombra que buscou, seu colorido/algas secas no mar, a vista escura/ cada vez mais achado e mais perdido...” (Livro do Amante)
(Poema 2, Livro da Biografia).
Ainda a
propósito da geografia interior do poeta, observamos que, nela, as coisas têm
vida e alma. O seu diálogo com as coisas inanimadas, já constatado em livros
anteriores, evolui, neste, para um surrealismo, ora assustador, ora
deslumbrante:
“Anjos sobrevoando a derradeira/ baliza punham olhos espantados/sobre pratos e vasos niquelados /tintos no sangue roxo das videiras”.
“No tabuleiro a rosa era o disfarce/ do arcanjo silencioso nas esquinas....”
Na poesia
de Jaci Bezerra, o ritmo, a rima e a encantação unem-se para compor a música de
fundo de um universo personalíssimo, onde ele extrapola o registro pessoal e
atinge o múltiplo inventário dos caminhos de quem o lê. Com a precisão de um
compositor, o poeta, a partir das constantes notas utilizadas por líricos de
ontem e de hoje, reinventa uma sinfonia bem sua, cuja espantosa orquestração
nos comove e aturde, confirmando não só a importância, bem como as inesgotáveis
possibilidades da expressão intimista e subjetiva.
“Estendeu no horizonte a cor madura/ da sombra que buscou, seu colorido/algas secas no mar, a vista escura/ cada vez mais achado e mais perdido...” (Livro do Amante)
Só o leitor
atento e informado se dará conta de que a escrita de JB – ávida, fluente,
ofegante e por vezes alucinada – repousa sobre os moldes clássicos que
incorporou ao próprio timbre. Do mesmo modo, a renovação de imagens, a magia
das metáforas, toda uma linguagem polida pela invenção, antes de acontecerem
como filigranas de estética, são, antes e acima de tudo, meios do poeta
transmitir o avesso do real, captado por sua aguda sensibilidade: apreensão do inapreensível,
pulsar quente da vida do poeta, seu sangue correndo, quente, pelas vias (veias)
abertas da poesia.
*Maria de Lourdes Hortas é poeta,
escritora, ensaísta e artista plástica.
OS MÚLTIPLOS CAMINHOS DA POESIA DE JACI BEZERRA
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