OS SONETOS NA POÉTICA DE ALBERTO DA CUNHA MÉLO



5 de agosto de 2018 by José Luiz Melo*




Alberto da Cunha Melo/Foto: Assis Lima



Diz-se que Alberto da Cunha Mélo desdenhava os sonetos que tinha escrito, como obra menor em sua monumental poesia. Uma ocasião, no Instituto Histórico do Jaboatão, quando nosso eterno Raimundo Carrero esteve presente para uma discussão sobre a Geração 65, dei meu testemunho sobre os sonetos que Alberto escreveu, sobre a beleza surpreendente dos seus versos que incandesce quem os lê.

Hoje, quando palmilho, persigo os signos do majestoso POESIA COMPLETA, do poeta, que somente o zelo o amor de Cláudia foi capaz de reunir, encontro em sua parte IV, GARIMPOS, sob o subtítulo, NASCENTES, na página 917, o belíssimo soneto “REVISTA IV” com a seguinte anotação de pé de página pela organizadora: “Original com rasuras e anotações do poeta, posteriormente publicado no Diario de Pernambuco, Domingo 12 de março de 1967”, portanto, quando a obra de Alberto já era reverenciada por todos, o que faz ver, também, que o mesmo reconhecia e não desdenhava os seus sonetos.

Diferente de Jaci Bezerra, que inaugurou a apresentação de sua poesia, nas páginas do mesmo DP, em 1966, com a publicação da sua surpreendente “COROA DE SONETOS”, que nos deixou a todos estarrecidos pela beleza de sua poesia; Alberto, ao publicar primeiras vezes no DP, já tinha feito sua “DECLARAÇÃO DE BENS”, nos versos de oito sílabas poéticas: ”Todavia, meu octossílabo,/ meu oitavo amor é o talho/ da foice no rosto da angústia,/a sílaba mais forte e funda./

Naquela época, 1966, tínhamos os três cerca de 24 anos, Jaci o mais moço entre nós.

Minha convivência com Alberto, estreita, próxima, íntima, nas madrugadas da cidade de Jaboatão, com a voz melodiosa do nosso menestrel Raul Gadelha, de saudosíssima lembrança, cortejando as estrelas; no recesso da sala onde éramos acolhidos pelo seu pai, Professor Benedito e brindados com o cafezinho fumegante de Dona Zézé, remonta nossos primeiros passos na poesia, quando nos fatigávamos a ouvir os poetas da Cidade declamando no Bar Redondo, o ponto de encontro, onde nós um dia almejávamos partilhar àquele Olimpo.

Então 15, 17, 18 anos de juventude, e com eles os primeiros e mais transbordantes amores que se mimetizavam nos primeiros versos, logo depois, nos primeiros sonetos.

Lembro bem, a paixão juvenil de Alberto, — Eugenia (Geninha), menina/moça, delgada e bela, estudante ginasial, nuvem fugidia, filha de família abastada que morava no bairro próximo da Estância e não concebia sua prenda namorando um poeta.

Desta época, colho estes dois sonetos, ímpares em sua densidade lírica que apenas um poeta como Alberto, em seus verdes anos, pôde conceber.


POESIA COMPLETA, EDITORA RECORD, ALBERTO DA CUNHA MÉLO.
  
FOI ASSIM*

Eu disse apenas que você mentia,
que mentia ao dizer que me adorava,
e só disse, meu bem, porque queria
medir o coração que me ofertava.

Subestimando o amor que recebia,
sem saber, este amor eu afastava,
e querendo aumentá-lo, num só dia,
num segundo, talvez, ele acabava...

Tive culpa do fim, mas, certamente,
a lição que me deu a mocidade,
servirá neste mundo a muita gente:

Dois corações que se amam de verdade
podem juntos amar-se intensamente,
mas não amam com a mesma intensidade!

*Jornal “Dia Virá”, número 14, Jaboatão 12 de maio de 1963.

DESENLACE*

Se levaste o sentido dos meus dias,
tu levaste, meu bem, o que fizeste.
Se minha alma ficou de mãos vazias
teve nas mãos somente o que puseste.

Se levaste os meus sonhos e alegrias
tu levaste, meu bem, o que me deste.
Eu nada tinha dessas fantasias
que ingenuamente um pobre amor nos veste.

Como bem vês, em nada fui roubado,
volto a ser o que fui no meu passado,
encontrei-me de novo, desta vez.

Continuo a viver sem esperanças...
continuas a rir como as crianças...
— Só se possui aquilo que se fez!

*Jornal “Dia Virá”. Número 12, Jaboatão 10 de março de 1963.

CERTO SERTÃO*


Quando a chuva vier, verás repletos
os buracos que tens nas tuas mãos
e só assim não mais, os teus insetos
se enforcam nas roseiras do sertão.

Esconde no teu corpo os indiscretos,
os caprinos anelos da evasão:
quando a chuva vier, verás quietos
e inúteis todos eles na estação.

Limpa dos homens, da semente, a cova
que um deus menor cavou disposta em cruz,
e aproveita da terra à luz nova,

Seus olhinhos de mato, seus umbus:
— que não demora o espaço que renova
seu orvalho, seu Pan, seus urubus.


*Republicado na edição especial “Geração 65, 50 anos”, da Revista do Instituto Histórico do Jaboatão, 6 de outubro de 2015.
















*José Luiz Melo é poeta e editor do DCP









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Um comentário

  1. Viva Alberto da Cunha Melo!

    * Este octossílabo fecha um poema-homenagem que fiz pra Alberto (circa 1996); quando lhe o entreguei, ele riu aquele seu sorriso calmo, quase contido, agradecido.

    Também recitei essa poesia na FAFIRE, em fins de 2006, ocasião em que Alberto foi o homenageado do Festival de Cultura daquela Faculdade.

    Logo após a cerimônia, à porta do Teatro que dá para o hall de entrada do prédio principal (à Av. Cde. da Boa Vista), onde fruia-se uma exposição de fotos e livros dele, trocamos nossas últimas palavras de cumplicidade ao pé-do-ouvido.

    Daí, tiramos a derradeira foto juntos ~ mais os Poetas Ivan Marinho, França de Olinda e Francisco Espinhara (esses dois últimos, feito Alberto, também encantados no fatídico ano de 2007, que levou ainda o nosso igualmente mui querido Erickson Luna).

    Despedimo-nos, como sempre, sem o desnecessário e nunca vero adeus.

    Gratidão e Saudações Poéticas!

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