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O MÍSTICO E O ERÓTICO EM BANDEIRA – Parte II



Por Natanael Lima Jr.







Eros e Psiquê
Img. Reprodução




O pernambucano Manuel Bandeira é considerado um dos mais brilhantes poetas modernistas brasileiros, abordou os mais variados temas em sua poética, desde questões sobre o nacionalismo, vida, morte, passando por reminiscências da sua infância, amores, fatos do cotidiano e o erotismo.  Na sua obra encontraremos vários poemas nos quais o místico e o erótico se fundem numa síntese primorosa. Observemos o poema Unidade, cujo título muito bem caracteriza esta comunhão entre o corpo e a alma, entre o místico e o erótico. 


UNIDADE

Minh’alma estava naquele instante
Fora de mim longe muito longe

Chegaste
E desde logo foi Verão
O Verão com as suas palmas os seus mormaços os seus ventos de sôfrega mocidade
Debalde os teus afagos insinuavam quebranto e molície
O instinto de penetração já despertado
Era como uma seta de fogo

Foi então que minh’alma veio vindo
Veio vindo de muito longe
Veio vindo
Para de súbito entrar-me violenta e sacudir-me todo
No momento fugaz da unidade.


Davi Arriguci Jr., professor universitário, crítico literário, estudioso da obra do poeta Manuel Bandeira, ressalta que, “em Libertinagem, Bandeira une ostensivamente transgressão formal e erotismo” (1990, p. 163). Encontramos também no estudo sobre “Análise semiótica do poema Vulgívaga”, do professor e pesquisador da USP, José Ferreira de Lucena Júnior, o qual aponta que “o sujeito narrativo, no poema, quer estar em conjunção com o gozo físico fornecido somente por um ‘mundo sexual’ não considerado adequado pelos padrões sociais, quer estar em conjunção com a transgressão”. Vulgívaga vem do latim “vulgivagus”, que significa inconstante, vagabundo, que anda por toda parte; que ou quem se avilta ou se rebaixa; que ou quem se prostitui.


VULGÍVAGA

Não posso crer que se conceba
Do amor senão o gozo físico!
O meu amante morreu bêbado,
E meu marido morreu tísico!

Não sei entre que astutos dedos
Deixei a rosa da inocência.
Antes da minha pubescência
Sabia todos os segredos.

Fui de um… Fui de outro… Este era médico…
Um, poeta… Outro, nem sei mais!
Tive em meu leito enciclopédico
Todas as artes liberais.

Aos velhos dou o meu engulho.
Aos férvidos, o que os esfrie.
A artistas, a coquetterie.
Que inspira… E aos tímidos – o orgulho.

Estes, caçôo e depeno-os:
A canga fez-se para o boi…
Meu claro ventre nunca foi
De sonhadores e de ingênuos!
E todavia se o primeiro
Que encontro, fere a lira,
Amanso. Tudo se me tira.
Dou tudo. E mesmo… dou dinheiro…

Se bate, então como o estremeço!
Oh, a volúpia da pancada!
Dar-me entre lágrimas quebrada
Do seu colérico arremesso…

E o cio atroz se me não leva
A valhacoutos de canalhas,
É porque temo pela treva
O fio fino das navalhas…

Não posso crer que se conceba
Do amor senão o gozo físico!
O meu amante morreu bêbado,
E meu marido morreu tísico


Assim como Eros apresentara várias faces, Bandeira não foge a nenhuma delas, focalizando-as através da expressão “corpo e alma”, numa tangível unidade entre os corpos:


A ARTE DE AMAR

Se queres sentir a felicidade de amar, esquece a tua alma.
A alma é que estraga o amor.
Só em Deus ela pode encontrar satisfação.
Não noutra alma.
Só em Deus – ou fora do mundo.

As almas são incomunicáveis.

Deixa o teu corpo entender-se com outro corpo.
Porque os corpos se entendem, mas as almas não.

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