ENTREVISTA COM ALEXANDRE FURTADO
Alexandre
é doutor em Teoria da Literatura
pela
UFPE
Nesta entrevista exclusiva ao DCP,
Alexandre Furtado fala sobre a produção literária pernambucana, a transversalidade das artes, a internet e as novas tecnologias, o papel dos blogs,
sites e portais literários, entre outros assuntos.
Alexandre Furtado é doutor em Teoria da
Literatura pela UFPE, professor de Literatura Inglesa e Norte americana na UPE
e da pós-graduação da FAFIRE e UNICAP. É editor cientifico da Revista
Formação - UPE Campus Mata Norte e da Revista do Instituto
Histórico. Escreveu o livro de poesia De ruas e itinerários, pela
Cepe.
DCP - Que balanço você faria da produção literária do estado? Quem você
destacaria neste atual momento?
AF
-
Tenho a impressão de que existe uma circulação maior de livros entre nós,
estimulada não apenas por livrarias, redes sociais e sites, mas, sobretudo,
pelos encontros, lançamentos, feiras, oficinas, inclusive pelas próprias
escolas e universidades. Por outro lado, e sem querer reduzir o fenômeno
literário hoje ao mero consumo, me pergunto se esse cenário aberto, diverso e
estimulante garante realmente que haja um público leitor mais atento, crítico,
ou talvez proporcional à visibilidade observada. Também, eu questionaria se nós
pernambucanos, apesar de haver muitas, ou mais opções que antes, e fugindo de
bairrismos, mas navegando nas águas da pergunta, se estamos realmente nos dando
conta do que já foi é feito aqui, se estamos lendo e pensando mais sobre nós
mesmos, considerando também o que é produzido em outros lugares. Não sei
precisar. Arriscaria dizer, talvez na esperança, que de uma maneira geral,
estamos lendo mais, e lendo mais a nós mesmos, brasileiros, pernambucanos. Com
relação ao momento atual, poderia citar inúmeros autores, e poderia esquecer de outros também, o que é
arriscado, mas vamos lá: Pedro Américo, Adrienne Myrtes, Cida Pedrosa, Geórgia
Alves, Cícero Belmar, Beto Azoubel, Raimundo de Moraes, Renata Pimentel, Luzilá
Gonçalves, Raimundo Carrero entre tantos e tantos outros, além desses, não
mencionados agora.
DCP
-
Há um bom e interessante debate sobre a transversalidade das artes. Onde cabe a
literatura neste latifúndio?
AF
-
Eu penso que a literatura, por lidar com a palavra, essencialmente, seus
significados e os sentidos, mobiliza uma quantidade enorme de relações com
outros saberes e formas de arte, o Teatro, o Cinema, a Música. E, claro, existe
uma relação ainda mais profunda, a do literário com a própria vida, que vai
seguramente para além da representação, e toca a construção das ideias, do pensamento.
Assim, conhecer um pouco mais das artes, sem dúvida, ajuda a entender, a ler e
a interpretar melhor certos textos literários, quem sabe, estabelecendo
relações que ajudem, durante a leitura da literatura, encantar mais, revelar
melhor, não somente pela intertextualidade, pelas metáforas, pelas imagens. É
bom lembrar que há uma tradição literária e ela dialoga de maneira relacional,
transversal com filmes, pintura, ópera e peças de teatro.
DCP
-
Estamos vivendo uma intensa movimentação no país através de Bienais, Feiras e
Festas literárias. A literatura virou moda ou negócio?
AF
-
É verdade, existe uma movimentação diferente, digamos, um outro-velho modus
operandi, que produz arte e divulga, mas que flerta com o mercantil. Lembremos
a famosa feira de Frankfut, com raízes medievais. Também sinto uma espécie de
aceleração – às vezes, promovida pela tecnologia, pelos ritmos que nós estamos
aceitando e/ou nos impondo. A resposta para sua pergunta depende muito de quem
lê, ou escreve ou de quem produz. Conheço gente da área que pesquisa e ensina
literatura, vai aos encontros, mas não se preocupa com o negócio da literatura,
outros que apenas escrevem e leem, e nem aí para a moda, e outros mais que
somente leem. Para a maioria, imagino, o entendimento desse negócio passa ao
largo, talvez para aqueles que lidam diretamente com a indústria cultural, ou
com a produção cultural, essa que transforma o livro em um best seller e depois
em um filme e depois em jogo e tudo o mais, leia-se Harry Potter, sem estar
aqui julgando a obra, mas percebendo-a em uma rede de produtos que é também um
negócio e que pode fazer parte de uma moda. Para essas pessoas, a literatura é
o negócio, só não sei se esse é o sentido dela, ou seja, se o sentido da arte é
vender, trazer de lucro. É preciso dizer também que existem alternativas, mas
mesmo assim, as lógicas da produção impõem um jeito próprio. Literatura como
negócio? Para quem? Boa pergunta, dessas
que geram outros questionamentos...
DCP
-
A internet e as novas tecnologias contribuíram para este novo momento da
literatura?
AF
-
Sem dúvida! Paremos de demonizar a tecnologia, pois há algo positivo nisso
tudo, da mesma forma que há um desgaste de certos formatos ou maneiras de
divulgar produtos, serviços, inclusive, para os que trabalham diretamente com o
chamado “mercado da arte”, mercado editorial. Gosto de tecnologia, mas prefiro
às vezes o silêncio e um bom livro na mão.
DCP
-
As políticas públicas do estado atendem aos anseios da literatura na região?
AF
-
Olha, há um avanço, é indiscutível, mas há também histórico difícil e uma
crise, recente, que redimensiona tudo e que por não ser vista apenas como
econômica. E isso toca também o universo das artes. Nesse contexto, vejamos os
editais, os prêmios, enfim, todo o esforço para fortalecer a leitura e a
literatura, na verdade, uma cadeia que é complexa – bem mais que somente o
binômio produtivo-criativa. Enquanto professor, me preocupo com os leitores em
formação. Talvez fosse interessante entender mais amplamente de quais anseios
estaríamos falando, ou seja, considerando um estado como Pernambuco, o que
poderíamos vislumbrar como anseios literários daqui? Então, eu incluiria – vejo
agora os meus anseios, maior número de autores locais com programas de leitura
nas escolas, acesso à educação de qualidade com formação dos professores e
atividades voltadas à literatura, incentivo aos espaços de leitura, à produção
e distribuição de livros literários e formas de ensino e aprendizagem.
DCP
-
Fale um pouco sobre o seu livro de poesia ‘De ruas e itinerários’.
AF
-
Um livro de poesia, que fala das ruas de uma cidade antiga como o Recife, de
poemas sobre os lugares que marcaram minha vida, talvez de uma geração. Guarda
certa saudade de um Recife que não existe mais. E digo isso, pois entendo que
saudade é sinal de saúde. Acho que é um livro que traz uma reflexão acerca do
tempo, da memória, sobretudo de meu pai.
DCP
-
Qual escritor da história da literatura brasileira você gostaria de bater um
bom papo e tomar um café?
AF
-
Cheguei a ver de perto Jorge Amado, muitos anos atrás. Um mito. Lembro quando
conheci o João Ubaldo Ribeiro, sorridente e bem humorado. Gosto quando converso
com Luzilá Gonçalves, uma simplicidade que fala de coisas tão profundas. A
generosidade de Ariano Suassuna. Não sei como me comportaria se um dia tomasse
um café com Clarice Lispector, ou Guimarães Rosa. A poética de Manoel de
Barros. Ver uma humanidade tão de perto. São tantos, e com eles aprendi que
somos, de repente, e antes de tudo, seres humanos.
DCP
-
Como você vê o papel dos blogs, sites e portais literários?
AF
-
Todos os recursos midiáticos, tecnológicos e da web, para mim, são válidos
quando divulgam e ajudam a (in)formar, educar, provocar, fortalecer conhecimento,
principalmente o literário. Existem vários deles que leio, acompanho
diariamente, e cheguei a contribuir com alguns. Gosto e acho muito
interessantes. Um instrumento válido para muitos, leitores e autores.
DCP
-
Você lançará um livro de contos, Os mortos não comem açúcar, poderia falar
dele?
AF
-
Claro. São 14 contos, que possuem intimidade uns com os outros, ou seja dividem
detalhes que se entrecruzam, de certo modo, se integrando à pergunta, por que
os mortos não comem açúcar? Tudo é passado na década de 70 no Recife. Os textos
são interligados por um um segredo que se revela ao final, mas não é lendo o
final que se conhece; Um livro que se enquadra melhor, digamos, nas fronteiras,
pela maneira como está organizado. Uma época trazida pelas águas da observação,
conversa, leituras, pesquisas e vivências, tanto minhas quando de outros. Em
certa dose, cheias de erotismo, sutil, e crítica social. Também as questões de
classes, dramas psicológicos e as contradições humanas, demasiadamente humanas,
se é que realmente são contradições.
Img: divulgação
ENTREVISTA COM ALEXANDRE FURTADO
Reviewed by Natanael Lima Jr
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