Entrevista com o Escritor Adriano Marcena
“Desconheço
uma política de Estado pensada para formar e orientar profissionalmente os
brasileiros que desejam ser literatos, ou seja, ter como ofício escrever obras
literárias”
O
Domingo com Poesia inicia uma série de entrevistas com escritores, poetas e
personalidades do cenário cultural do estado e do país. Nesta estreia, o
escritor Adriano Marcena fala sobre o movimento literário do estado, sobre o
seu mais recente livro, entre outras questões.
Adriano
Marcena é escritor, historiador, professor e dramaturgo, nasceu no Recife, em
1965. Estudou teatro na UFPE. Escreveu mais de 50 (cinquenta) textos para o
teatro, muitos deles publicados, outros tantos encenados, inclusive fora do
Brasil, e alguns nacionalmente premiados. Também concluiu o curso de
Licenciatura Plena em História, com estudos voltados às relações simbólicas nas
culturas brasileiras. Escreveu artigos científicos e de opinião para sites e
revistas especializadas, além de proferir palestras e oficinas em seminários e
encontros acadêmicos. Lançou, nacionalmente, o Dicionário da Diversidade Cultural Pernambucana, na São Paulo
Fashion Week 2012 e, recentemente, Mexendo
o Pirão, com incentivo do Funcultura.
DCP - Como você
vê os caminhos da literatura em nosso estado?
AM - Poderemos
pontuar essa questão de várias maneiras, mas nos deteremos em apenas alguns
aspectos. Alguns avanços se deram, enquanto política pública de cultura, desde
a formulação do Plano Nacional de Cultura-PNC que mudou o conceito de cultura
nos livrando das famigeradas e reducionistas artes consolidadas. Ações como a
criação da Diretoria do Livro, Leitura e Literatura (DLLL), do MinC, os Planos
Estaduais do Livro, Leitura e Literatura implementados em alguns estados da
Federação para discutir a cadeia produtiva do livro, além dos Pontos de
Cultura, foi um novo olhar para a cultura dentro da política de Estado.
Isso
permitiu ampliar editais públicos de cultura que, em sua maioria, contemplam as
várias dimensões da literatura, inclusive sua relação com as outras
manifestações culturais ou linguagens, além de publicações, oficinas
literárias, pesquisas, contação de histórias, rodas de diálogos com escritores,
editores, tradutores e ilustradores, realização de feiras do livro e formação
de novos leitores.
Os
valores destinados aos programas públicos de literatura são insuficientes, para
não dizer inexpressivos, diante das demandas atuais, acontecendo o mesmo com
outras manifestações da cultura. Avanços forma dados? Sim, mas se desejamos
tornar o Brasil um país de leitores é preciso, primeiro, torná-lo um país de
cidadãos letrados. Digo cidadãos letrados, não literatos.
O
problema é que o trato com a literatura e demais artes, quase sempre está
associado às exigências pedagógicas muito mais preocupadas com a aprendizagem,
que é o seu propósito, que com o prazer possibilitado pelo exercício dos
imaginários e da própria fabulação estética.
O
gosto pela leitura passa pelo exercício constante das sensações de
agradabilidade proporcionadas pelo contato entre obra e leitor. No tocante ao
aumento real da acessibilidade de novos leitores, creio que apenas os programas
da pasta da cultura em suas esferas federal, estadual e municipal não
minimizarão, sozinhos, problemas tão profundos no cerne da sociedade brasileira.
Nesse caso, família, sindicatos, associações comunitárias, bibliotecas,
igrejas, escolas e estado desempenham papel fundamental na questão.
Sobre
o incentivo para novos escritores, dramaturgos, poetas, romancistas e contistas
há tímidas iniciativas quase sempre em editais públicos, mas desconheço uma
política de Estado pensada para formar e orientar profissionalmente os
brasileiros que desejam ser literatos, ou seja, ter como ofício escrever obras
literárias. Outro problema grave é o engasgo na distribuição da produção
literária, pois envolve a relação entre autores e os interesses do mercado
editorial que são enormemente complexos. Sem falar na discussão dos Direito
Autorais. Virão novas eleições em 2014 e
precisamos estar atentos aos programas de governo dos candidatos e ver como
eles tratarão o tema.
DCP – Qual a
importância da pesquisa e consequentemente da literatura para você?
AM - Sem
pesquisa não se escreve algo consistente. Refiro-me a pesquisa para além da
experimental, teórica, empírica, exploratória, social ou histórica; pesquisa
como estudo, inclusive da linguagem, da língua, da história e da filosofia da
literatura. A importância da pesquisa permite que o escritor domine a
ferramenta mais importante do seu ofício, que é a palavra em seus variados
contextos. Uma coisa é a língua escrita, outra é a língua literária. É com o
domínio desta última que se faz literatura e, dominá-la, exige dedicação
monástica (do grego, monastikós,ê,ón
‘solitário, relativo à vida solitária’). Lembrando que solitário não é
sozinho.
DCP – O que você
pode nos falar do seu mais novo livro “Mexendo o pirão”? Algum novo projeto já
em vista?
AM - Pirão pra
render é esse... O livro Mexendo o pirão: importância sociocultural da farinha
de mandioca no Brasil holandês surgiu durante o curso de História quando decidi
estudar as trocas culturais em Pernambuco. Ao ler várias fontes primárias, me
deparei com relatórios de espiões dos Países Baixos enviados a Pernambuco antes
da invasão holandesa (1630-1654).
Percebi
que a farinha de mandioca figurava na documentação sempre com uma advertência
pejorativa para diferenciá-la da nobre farinha de trigo. Quer dizer, havia uma
relação hierárquica muito evidente entre comida e identidade, fosse pela
afirmação ou pela negação. A partir daí, me aprofundei na documentação e
consultei diários de viagem, documentos administrativos e correspondências
enviadas à Holanda por espiões e gestores da ocupação flamenga a Pernambuco, no
período de 1637 a 1646, além de trabalhar com alguns textos dos cronistas da
periodização da guerra.
Decidi
pela História antropologizada, usando instrumentos metodológicos da
Antropologia Cultural, que permitiria observar os documentos pelos fios das
relações simbólicas, tendo como prato principal o encontro da cozinha seca dos
indígenas com a cozinha úmida ou molhada dos lusos. Parece-me que o gosto do
pirão mexido agradou...
Sobre
o novo projeto de publicação também será na área de história da alimentação.
Trata-se do livro Raspando o tacho - comida e cangaço: relações
etnogastronômicas entre nômades e sedentários nos sertões nordestinos
(1922-1938).
Neste
livro, tentamos mergulhar no universo do cangaço para entendermos as relações
entre nômades e sedentários em meio à complexa rede de interesses
socioeconômicos que envolviam os atores sociais. Neste contexto, a obra
percorrerá a forma como os cangaceiros adquiriam, transportavam, conservavam,
preparavam os alimentos e os comiam, além do cuidado que tinham em se desfazer
das sobras alimentares sem deixar rastro para a polícia. A edição traz
ilustrações do poeta e professor Carlos Newton Júnior.
DCP – Qual a
importância sociocultural da farinha de mandioca no Brasil Holandês?
AM - A comida é
geradora de símbolos, logo, de identidades, como inclusão das escolhas
culturais. A farinha de mandioca está entranhada em nosso DNA cultural muito
antes de 1500. Era de extrema importância para os povos indígenas como parte
integrante do complexo cultural da mandioca.
A
invasão das tropas da Companhia das Índias Ocidentais a Pernambuco, no século
XVII, destrói o modelo de produção agrícola que vinha sendo erguido desde a
chegada de Duarte Coelho, no século XVI. Com isso, crises no abastecimento
interno e também no envio de víveres para a colônia lusa faz a fome se
instalar.
A
farinha de mandioca, vista por portugueses e holandeses como comida inferior,
passa a constar nas mesas daqueles que a difamavam, justo os mais abastados,
constituindo-se como alimento para depois tornar-se comida. Ao saciar parte da
fome seiscentista, a farinha tornar-se um dos ingredientes que ajuda a
alimentar a invenção do nosso paladar.
É
quase inconcebível pensarmos um Brasil sem farinha de mandioca para mexer pirão,
fazer farofas, mingaus; também para misturá-la no sarapatel, no molho da
cabidela, na graxa do guisadinho, na tanajura frita ou irmanada diariamente com
o feijão diário do Nordeste brasileiro. Sua importância é porque a farinha de
mandioca diz muito do que somos: um povo que incorporou ao longo dos séculos,
apesar de negá-las, várias contribuições dos povos indígenas.
É
bom lembrar que a casa de farinha se constituiu como importante instituição
sociocultural correndo emparelhada com a casa de purgar o açúcar, casa de
purga, desde os primórdios da invenção da brasilidade. Se o açúcar e todo seu
complexo civilizacional enchiam o bolso a farinha, na outra margem do prato,
herdeira da civilização da mandioca, enchia o bucho.
Ao
deixar denso rastro no tacho da história do Brasil, a farinha afirma, como
outras partículas culturais, que o índio participou de maneira consistente da
formação simbólica dos brasileiros e, negá-los como grandes contribuidores
deste País é negar quem somos.
Apesar
de estarmos no século XXI, os indígenas ainda nos parecem ‘seres’ excêntricos,
exóticos, enfim, estranhos, dos quais queremos distância (de nós mesmos), pois
se assim agirmos corremos o risco de nos tornarmos incivilizados, pagãos ou
incultos. Parece-me que só os aceitamos longínquos dos nossos apinhados
civilizacionais, como se os índios nos infestassem de todo tipo possível de
atraso.
Para
muita gente, basta garantir ao índio uma data em nosso calendário nacional (Dia
do Índio) e lembrá-lo como importante ‘peça’ do nosso folclore que está
reconhecida a importância indígena entre nós. Sentenças dessa natureza soam tão
arrogantes que beiram a imbecilidade pragmática.
DCP – E sobre a
gastronomia, qual o seu valor na história dos povos?
AM - É bom
lembrar que sem comida não há povos. O que comemos diz de onde somos, como
fomos formados historicamente e o que somos enquanto possíveis significações de
uma coletividade.
De
forma quase imperceptível, a comida denuncia nossas querelas sociais e
preocupações enquanto cidadãos, pois envolve saúde pública e do cidadão,
nutrição, aspectos sanitários, estética, legislação, tabus, condição econômica
e cultura, esta última, por ser a comida patrimonializável e contribuir para
desenhar o nosso perfil identitário. Eis os motivos da sentença de
Brillat-Savarin (1755-1826) não envelhecer: “Diz-me o que comes que te direi
quem és”.
Entrevista com o Escritor Adriano Marcena
Reviewed by Natanael Lima Jr
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08:15
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Agradeço ao Domingo com Poesia pela oportuna entrevista e gostaria saudar a todos do site.
ResponderExcluirSucesso na empreita domingueira!
Grande abraço!
Adriano Marcena
Adriano, quem agradece somos nós por ter nos dado essa oportunidade e pela confiança em nosso trabalho. Um abraço.
ExcluirNosso propósito é cada vez mais ampliar e contribuir com o debate do cenário literário em nosso estado. A sua participação enriqueceu muito a nossa postagem. Parabéns!
ResponderExcluirAdriano, que bom poder contar semanalmente com um veículo de tamanhão importância para a Literatura no seu mais longo alcance, ainda ais quando somos brindados com Poetas e Escritores da nossa contemporaneidade com é o seu caso. Fico duplamente feliz, se é que posso usar dessa fala. Pelo Domingo com Poesia, por ter nos proporcionado tão bela informação a cerca da cultura Jaboatanense e por você Adriano, por ter nos brindado com sua vivência e experiência. Abraços Literários.
ResponderExcluirOlá Nildo, agradecemos muito sua visita e comentário. Parabéns a todos e em especial ao escritor Adriano Marcena pela entrevista.
ExcluirAbç
Nildo, seu comentário é importante para nós que buscamos sempre manter nossos leitores bem informados e o retorno destes é de suma importância para nosso trabalho. Obrigado pelo apoio.
ExcluirOlá, Nildo Barbosa! Satisfação por receber seu comentário! Desculpe-me pela resposta tardosa!
ExcluirParabéns ao Domingo Com Poesia.
Abraços,
Adriano Marcena
Grande trabalho. Adorei a entrevista e fiquei ansiosa pelo livro.
ResponderExcluirBeijos a tod@s.
Este comentário foi removido pelo autor.
ExcluirQue bom lorena ter nos visitado. Adoramos seu comentário. Abç!
ExcluirLorena, obrigado pela força, seus comentários são como música em nossos ouvidos. Volte sempre.
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