Poemas da Semana

Poemas de Frederico Spencer, Natanael Lima Jr, Juareiz Correya e Vital Corrêa de Araújo

Águas*
Frederico Spencer

    Img: Reprodução

Para tuas planícies desemboco
- esses rios que cabem em minhas mãos
e ao te encontrar, no amanhecer
maré cheia
- habitar no teu silêncio
os percursos dessas águas. Descanso
após esse longo caminho
- na areia fina de tua pele
deitar e esperar tua língua
espuma, de vento e sal
se despedaçando no silêncio
na dobra da onda
teu breve regresso. No horizonte
onde os olhos
despencam do mundo
descobrindo-me só.

*do inédito Código de Barras



Elegia a Hamlet I*
Natanael Lima Jr

“ser ou não ser, eis a questão”
    (Shakespeare)

    Img: Reprodução

a questão já foi dita 
o ser é quem fala
ou melhor
quem grita

tudo está escrito
conforme o não dito pelo dito
é melhor ser ou não ser
agora e antes
depois quem dirá é o destino
o resto ignoro
não penso
não imploro

quem sabe
se (ainda) restará uma só palavra
pra ser dita?

o amanhã
nada mais importa
o silêncio é o que conforta

*Do livro À espera do último girassol & outros poemas, 2011.



O sonho da cidade de Luiz de Miranda
Juareiz Correya

    Img: Reprodução (Foto: Luiz Miranda)

Indiferente à vida do poeta
("Importante é a sua obra",
dizem os práticos contemporâneos),
a cidade sonha mais do que ele
a glória que nenhum gaúcho lhe deu :
um prêmio internacional,
maior entre todos,
que poderá ser também o primeiro do Brasil.
É glória da terra
pra ninguém botar defeito, tchê !
Pois nenhum Estado brasileiro
tem um Nobel de Literatura
para orgulhar a sua Cultura !

Mas ninguém quer saber onde mora o poeta
(que poderá ser uma referência turística na cidade)
nem como vive nem do que vive...
Ninguém em Porto Alegre sabe,
nem quer saber!,
que o poeta não tem emprego,
nem lugar onde morar,
onde comer e dormir.
Não há notícia no mundo de um Prêmio Nobel
que vive de esmola de amigos
esquecido e marginalizado
pelas instituições e governos
que bajularão de Última Hora a sua companhia
e a contemporaneidade da sua fama.

Mas não esqueçam :
O NOBEL É NOSSO !
E uma cidade que tem um Nobel de Literatura
é auto-suficiente  bastante
para não querer saber de mais nada
(até mesmo do poeta que o conquistou).

(Recife, 22/novembro/2013)



Poética da almôndega*
Vital Corrêa de Araújo

   Img: Reprodução

A almôndega é uma metáfora de carne
navegante do mar da macarronada
que atravessa da foz à nascente
os espessos rios da terrina
ecoando no cristal ávido
da saliva do comensal.

A almôndega é uma criatura
made in Italy
conquistadora de massas famintas
com suculentos exércitos
estacionados nos quatro
continentes do prato (teatro
das guerras gastronômicas).

A almôndega
é uma assembleia oblonga
um concílio de filés menudos
de marca registrada e alma swift
que devassa as apetitosas
vias da garganta
e estômagos da Europa.

A almôndega é a deusa pop
das artes culinárias
com poderes sobre a mesa
dos restaurantes populares.
Soberana do território do cardápio
de privilégios divididos
com o deus tedesco do hamburger
imperador que se imprensa
entre anchas hostas chatas
de pão francês com mostarda.

A almôndega
é uma metamorfose completa
de carnes reunidas
em torno de uma metafísica
do gosto urbano devorada
nas mesas das casas melhores
por cavaleiros de épicos talheres
e amplos molares
galopando corcéis de saliva
em almoços milenares.

A almôndega
é uma comédia de carne
que se encena
nos tablados da boca.
É uma cantora do coro
de vozes do esôfago
que faz dueto com molho.

A almôndega é o milagre
da multiplicação da carne
(ou metempsicose de vaca).


In Araújo. Vital Corrêa de. Só às paredes confesso. Recife: Bagaço, 2006.
Poemas da Semana Poemas da Semana Reviewed by Natanael Lima Jr on 08:09 Rating: 5

3 comentários

  1. Maravilhosos os poemas...Parabéns aos autores, e ao site!!!

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    1. Caro Mauricio, agradecemos seu comentário e sua visita. Volte sempre!
      Abç.

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    2. Maurício, seu comentário é grande valia porque pauta nossas ações. Obrigado, volte sempre.

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