O acendedor de lampiões*
por
Ângelo Monteiro**
![]() |
(Bob Barker,
Lamplighter)
|
Há
um soneto de Jorge de Lima, em metro alexandrino, O acendedor de lampiões, que
até hoje nos serve de lição para certas discrepâncias do comportamento humano,
a partir da simbólica sugerida pela figura, hoje extinta, com o aparecimento da
luz elétrica, do acendedor de lampiões. Para começar, ele é parodiador do sol e
associado da lua, conforme a primeira estrofe do soneto: "Lá vem o
acendedor de lampiões da rua!/Este mesmo que vem infatigavelmente/parodiar o
sol e associar-se à lua/quando a sombra da noite enegrece o poente!". O
segundo quarteto nos mostra o personagem, em seu afã imperturbável, a acender
lampiões mal o sol começa a mergulhar no poente: "Um, dois, três lampiões
acende e continua/outros mais a acender imperturbavelmente/à medida que a noite
aos poucos se acentua/e a palidez da lua apenas se pressente."
Os
dois tercetos já nos preparam para receber o elemento implícito em toda a
formulação poética: a revelação do real, o real que irrompe com a presença do
próprio acendedor de lampiões, na atmosfera provinciana, procurando iluminar a
noite dos homens. É quando, então, os dois tercetos vêm nos trazer outro tipo
de claridade: o de natureza poético-ontológica. O primeiro terceto nos chamando
a atenção para o elemento contraditório patente em toda a atividade humana, que
nem sempre encontra a espera adequação, não só em termos materiais mas
espirituais, por parte daqueles que a exercem: "Triste ironia atroz que o
senso humano irrita/ele que doura a noite e ilumina a cidade/ talvez não tenha
luz na choupana que habita." O segundo terceto, em que o soneto se conclui,
nos aponta para um fato mais do que comum nos homens, em todas as épocas, que
encarnam uma realidade oposta àquela que costumam pregar, e nas ideologias
geralmente frenéticas e malsãs que sempre dominaram o mundo, sobretudo no
último século, com o advento do fascismo, do nazismo e do comunismo:
"Tanta gente também nos outros insinua/crenças, religiões, amor,
felicidade/como este acendedor de lampiões da rua!"
Normalmente
os chamados ideólogos, ao proporem suas promessas de salvação, se esquecem de
dizer como elas podem se materializar no tempo, se não conseguem realizá-las em
si mesmos. É dessa contradição entre o que vivem e o que apregoam que se
alimentam tanto certos indivíduos quanto certos discursos que fizeram fama na
história de todos nós.
*Artigo
publicado “Opinião JC”, em 26/10/13
**Ângelo Monteiro é poeta e
ensaísta
O acendedor de lampiões*
Reviewed by Natanael Lima Jr
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09:40
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