FALANDO EM SILÊNCIO...
Postado por DCP em 04/02/2023
Por Edmilson Sanches*
O advogado, escritor e acadêmico Agostinho
Noleto Soares, da Academia Imperatrizense de Letras (MA), costuma
bissextamente* (!) me “provocar” sobre palavras, frases, livros, Literatura,
Arte(s), Cultura...
Neste 31 de janeiro de 2023 escreveu-me:
“Seria o ‘silêncio eloquente’, famoso oximoro
de Almeida Garret. Confirme a autoria, Sanches.
[...].
Abraço do amigo.
Agostinho.”
Não, Agostinho, “silêncio eloquente” não é
expressão garrettiana. É ciceroniana.
Explico: o escritor, dramaturgo, orador e
ministro português João Baptista Almeida Garret nasceu em 1799 e morreu 55 anos
depois, em 1855. Já o advogado, político, escritor, orador e filósofo romano
Marcus Tullius Cicero nasceu no ano 106 antes de Cristo e morreu em 43 a. C.,
com 63 anos. Portanto, Cícero nasceu 1.905 anos - quase dois milênios -- antes
de Garret. (A pronúncia correta é ‘garrét’, com acento agudo no ‘é’, segundo
João Ribeiro [1860-1934], crítico literário, historiador, filólogo, tradutor,
que foi membro da Academia Brasileira de Letras).
No ano 63 a. C., aos 43 anos de idade, Cícero
pronunciou quatro discursos contra as tentativas de conspiração do senador
romano Lucius Sergius Catilina, que queria derrubar o governo republicano de
seu país. Do sobrenome do conspirador deriva o título “Catilinárias”, que em
português nomeia aquelas quatro peças de oratória, originalmente intituladas “In
Catilinam Orationes Quattuor”, “Quatro Discursos/Orações Sobre/Contra
Catilina”. Dois desses famosos discursos (o segundo e o terceiro) foram feitos
para o povo romano; o primeiro e o último discurso foram pronunciados no
Senado.
A primeira “Catilinária” tem 33 partes. E é
logo e exatamente no primeiro discurso, na parte 21, que está a expressão
latina que foi traduzida ou veio para a Língua Portuguesa como “silêncio
eloquente”. A frase latina de Cícero é: “[...] De te autem, Catilina, cum
quiescunt, probant, cum patiuntur, decernunt, cum tacent, clamant, neque hi
solum, quorum tibi auctoritas est videlicet cara, vita vilissima, sed etiam
illi equites Romani, honestissimi atque optimi viri, ceterique fortissimi
cives, qui circumstant senatum, quorum tu et frequentiam videre et studia
perspicere et voces paulo ante exaudire potuisti. [...]”. No Google obtém-se
esta tradução: “E de ti, Catilina, quando calados provam, quando sofrem
decidem, quando calam, gritam, não só aqueles cuja autoridade te é cara, a vida
é muito barata, mas também esses cavaleiros romanos , os homens mais honrados e
bons, e o resto dos cidadãos mais corajosos, aqueles que cercam o senado, cuja
presença você pôde ver e estudar e ouvir suas vozes um pouco antes.”
O “silêncio eloquente” veio do trecho “cum
tacent, clamant”, ou “quando calam, gritam”, em Português, e “callando,
lo proclama”, em espanhol, na tradução de Juan Bautista Calvo para a obra
“Catilinarias”, de 70 páginas, com edição, introdução e notas de Pere J.
Quetglas, catedrático da Universidad de Barcelona.
Pois bem: A frase original foi encompridada
em diferentes traduções / versões. E uma das frases que mais prosperam no vasto
mundo, e-mundo, da Internet é “O silêncio deles é uma eloquente afirmação”,
quase sempre assinada/atribuída ao grande cônsul romano Cícero.
Outro que nasceu antes de Cristo (portanto,
antes de Garret), o escritor, poeta e dramaturgo romano Públio Terêncio Afro,
que viveu apenas 26 anos (185 a. C – 159 a. C.), igualmente escreveu: “O
silêncio é elogio suficiente” (em Inglês: “Silence is praise enough”).
Outra frase latina com esse paradoxismo silêncio e não silêncio, de autoria que
não localizei, é: “Probatum est; tacent satis laudant” (em Português:
“Está provado: ficam em silêncio, louvam bastante”, na tradução da professora
doutora Maria do Rosário Laureano, especialista em línguas e literaturas clássicas
da Universidade Nova de Lisboa).
*
Nas pesquisas que fiz, não consegui localizar
texto que vinculasse a expressão “silêncio eloquente” a Almeida Garret. Mas
descobri que um outro autor famoso, também nascido antes de Garret, já
utilizara aquela expressão. Trata-se de François de La Rochefoucauld, escritor,
moralista e duque francês, nascido em 1613 e falecido aos 66 anos, em 1680, ou
seja, 119 antes de Almeida Garret nascer (1799).
La Rochefoucauld é autor muito citado de
frases curtas, as máximas ou sentenças, reflexões e epigramas. Uma dessas
frases, na tradução para o Português, é: "Há um silêncio eloquente, que
serve para aprovar e condenar". Sua obra mais conhecida, além de suas
“Mémoires”, é o livro "Reflexões ou Sentenças e Máximas Morais", publicado
em 1664, quando o autor contava 51 anos de idade. Consta que La Rochefoucauld
“influenciou profundamente” diversos escritores e filósofos, entre os quais
Friedrich Nietzsche (1844-1900), Emil Cioran (1911-1995) e Matias Aires
(1705-1763).
Para não tornar ainda mais exaustiva esta exposição, diga-se que a expressão “silêncio eloquente” é bem conhecido dos juristas e presente em textos de jurisprudência até do Supremo Tribunal Federal. Inspirado no Direito Alemão, onde é denominado “beredtes Schweigen”, o “silêncio eloquente” ocorre quando, de modo intencional, legisladores (senadores, deputados, vereadores) optam por não incluir algo nas leis que eles fazem, debatem e aprovam – ou seja, não incluir é o mesmo que silenciar... eloquentemente.
*
Como se sabe, expressões como “sonhar
acordado”, as camonianas “contentamento descontente” e “dor que desatina sem
doer” e, é claro, “silêncio eloquente” são figuras da Retórica denominadas
oxímoro (ou oximoro e oxímoron ou paradoxo e paradoxismo). No caso da grafia e
pronúncia de “oxímoro”, há dicionaristas que defendem a paroxítona “oximoro”
(com o “x” com som “cs”, sem acento agudo no “i” e com a pronúncia “ó” no
segundo “o” ou, como em Portugal, o segundo “o” fechado, como se houvesse um
acento circunflexo: “ô”). Prefiro a grafia e pronúncia a que há muito me
acostumei a escrever e falar: “oxímoro”, proparoxítona e segundo “o” com som
levemente fechado.
Além das frases, há livros inteiros cujos
títulos trazem o oxímoro no título: “História de um Silêncio Eloquente” (2019),
de Thaís Dumêt Faria; “O Silêncio Eloquente - Omissão do Legislador e
Responsabilidade do Estado na Comunidade Europeia e no Mercosul” (2008), de
Marcílio Toscano Franca Filho; e “Transmissão Especial -- O Eloquente Discurso
do Silêncio” (2016), de Satyaprem.
*
(*) A propósito, a expressão “costuma
bissextamente”, no início deste texto, pode ser considerada um oxímoro, pois
ela juntou o verbo “costumar” (ser comum, habitual, cotidiano) ao advérbio
“bissextamente” (eventualmente, ocasionalmente, escassamente, não
frequentemente).
Como se vê, por não tratar o bastante sobre o
silêncio, este amontoado de palavras só é muito barulho - por nada...
Melhor ficar mudo...
*Edmilson Sanches é escritor, jornalista, administrador e
consultor. É presidente de honra do Conselho Municipal de Educação de
Imperatriz. Membro titular e correspondente de Academias do Maranhão, Pará,
Espírito Santo e São Paulo e dos Estados Unidos. Tem dezenas de livros nas
áreas de Administração, Biografias, Comunicação, Desenvolvimento, Edição,
História e Literatura. Diversos prêmios e honrarias literárias, profissionais e
culturais. Colabora periodicamente para o site literário pernambucano DCP.
Acesse e visite o site: https://edmilson-sanches.webnode.page/
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