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MEMORIAL PARA FREI CANECA

 

Postado por DCP em 13/01/2023

 

 

Por Cláudio Aguiar* - Publicado ineditamente em 13 de janeiro de 2005, no Diario de Pernambuco e reproduzido em 13 I 01 I 2023 para o blog https://claudioaguiarescritor.com/







Imagem reprodução: Google





“Num dia como hoje, em 13 de janeiro de 1825, Frei Joaquim do Amor Divino (Caneca) foi fuzilado na Fortaleza de Cinco Pontas. Pernambuco ainda não lhe deu um memorial digno que mostre os seus feitos. Para lembrar a efeméride reproduzo em meu blog artigo publicado no Diário de Pernambuco em 13 de janeiro de 2005”.

(Cláudio Aguiar)



13 de janeiro de 2023

 

 

... não perdemos a esperança de que as autoridades municipais ou estaduais se preocupem com a rica memória da terra que elas representam e passem a dar prioridade à construção de um memorial para frei Caneca, já que ninguém melhor do que ele simboliza e congrega requisitos de sábio e revolucionário, orador e jornalista, político e constitucionalista, credenciado, portanto, para falar a todas as gerações de homens e mulheres que nasçam, venham viver ou visitem a terra pernambucana.

 

 

Em 1975, quando escrevi o oratório dramático Suplício de Frei Caneca, em várias oportunidades, defendi a construção, no Recife, de um memorial para o famoso frade pernambucano. Não apenas uma homenagem àquele que, como poucos, cumpriu o destino de viver o papel de mártir e herói da liberdade para seu povo, mas um lugar onde as sucessivas gerações pudessem recordar, de maneira permanente, os mais expressivos momentos das revoluções pernambucanas (nas de 1817 e 1824 frei Caneca participou como um de seus principais protagonistas), além de salas destinadas à realização de exposições temporárias, biblioteca, conferências, debates e atos culturais de diferentes matizes. 













Não fui, porém, o primeiro a reclamar da falta de tal espaço. O historiador paraibano Alcides Bezerra, já na década de 1920, por ocasião do centenário da Confederação do Equador, a propósito da falta de um marco material que lembrasse na capital pernambucana a atuação extraordinária de frei Caneca, escrevia: “Essa figura de jornalista, de sábio, de político, de constitucionalista, não tem sido estudada com o devido interesse. Entretanto, frei Caneca foi um dos maiores homens que tem produzido o Brasil. Noutro qualquer país, já teria tido uma estátua”.

 

 

Confederação do Equador e Pernambuco ainda não deu ao seu máximo herói a merecida estátua! Essa lamentável ausência, porém, não é uma exceção. Ao general Abreu e Lima, outro ilustre pernambucano que conseguiu sobressair-se inclusive fora do Brasil, quando lutou ao lado de Simón Bolívar, o libertador dos países andinos do jugo espanhol nas primeiras décadas do século XIX, sequer recebeu repouso eterno dentro da tradição da religião de seu pai, também revolucionário, o padre Roma. Enquanto os dirigentes da nossa administração pública ignoravam os feitos daquele general, a Venezuela, há muitas décadas, ergueu, em Caracas, um significativo monumento em memória do general brasileiro Abreu e Lima.

 

 

Verdade que nem tudo é esquecimento. O Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico Pernambucano, durante as comemorações do centenário da Confederação do Equador, em 1924, na praça da Fortaleza de Cinco Pontas, no resto da antiga muralha afixou uma lápide lembrando que ali, no dia 13 de janeiro de 1825, foi espingardeado frei Joaquim do Amor Divino Caneca. Décadas depois, no mesmo local, foi colocado um simples busto. Na década de 1980 o pintor Cícero Dias realizou painéis expressivos que contam a trajetória do frade revolucionário. Iniciativas de entidades particulares e não propriamente de órgãos públicos. Para quebrar o silêncio foram significativas, mas, para o tamanho de nossas glórias históricas, ainda precisam ser ampliadas com um memorial onde elas possam ser admiradas e reconhecidas como legado do bravo povo pernambucano.

 

 

Aliás, somos quase tentados a afirmar que frei Caneca, hoje, talvez seja mais lembrado no resto do Brasil do que em Pernambuco. Em quase toda cidade brasileira há uma rua, uma praça ou algum centro que leva o nome do frade pernambucano. É de se perguntar: por que esse lamentável silêncio acontece justamente no “altivo Pernambuco, ninho brasileiro das aspirações avançadas”, para usar as palavras de Oliveira Lima, um de nossos mais lúcidos historiadores? Em Pernambuco, curiosamente, nos últimos tempos alguns setores têm exaltado os feitos dos invasores holandeses, em detrimento daqueles que defenderam as instituições, então, legalmente estabelecidas. Se continuarmos nesse descompasso, dentro de algumas décadas as novas gerações conhecerão mais as figuras de Nassau e seus comandantes Jacob Willekens, Piet Heyen, Lonck, Corneliszoon Jol, alcunhado de Pé de Pau, Weerdenburch (o que ordenou em 1631 o incêndio de Olinda), Pater, Schkoppe, Artichofsky e tantos outros mercenários (já que poucos eram holandeses), do que os patriotas brasileiros. Quem sabe se, com o passar do tempo, não se cristalizará um relativo silêncio em torno dos feitos de Mathias de Albuquerque, Martim Soares Moreno, Pedro Correia, Luiz Barbalho, Felipe Camarão, Poty, Vidal de Negreiros, João Fernandes Vieira e tantos outros?

 

 

De qualquer sorte, não perdemos a esperança de que as autoridades municipais ou estaduais se preocupem com a rica memória da terra que elas representam e passem a dar prioridade à construção de um memorial para frei Caneca, já que ninguém melhor do que ele simboliza e congrega requisitos de sábio e revolucionário, orador e jornalista, político e constitucionalista, credenciado, portanto, para falar a todas as gerações de homens e mulheres que nasçam, venham viver ou visitem a terra pernambucana.

 

 

Esperamos que as ações relativas à preservação de nossa memória histórica não se limitem a esporádicas atividades que apenas visam a justificar relatórios burocráticos, mas se convertam em projetos exequíveis que culminem na construção de um amplo memorial erigido na praça da Fortaleza de Cinco Pontas, com área subterrânea, a fim de preservar-se o espaço físico atual, colocando-se, naturalmente, no lugar onde hoje se encontra a singela lápide, a estátua de frei Caneca, dignificando-se, assim, a exemplar trajetória histórica do povo pernambucano.

 

 

( Publicado no Diário de Pernambuco, Recife, em 13 de janeiro de 2005). 





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*Cláudio Aguiar é romancista, ensaísta, poeta e dramaturgo





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