AUGUSTO DOS ANJOS: O SOLILÓQUIO DE UM POETA VISIONÁRIO
Postado por DCP em 24/01/2023
Por Neilton Limeira Florentino de
Lima*
Em 1910, ano em que chegou ao Rio de Janeiro, Augusto encontrou uma sociedade de
sorrisos, no dizer de Afrânio Peixoto, em que
ainda reinavam as poesias parnasiana e simbolista, contrapondo-se,
temática e linguisticamente à primeira
e influenciado pela segunda, principalmente por
Cruz e Sousa. Porém, diferente deste, o poeta cultivou versos de
um antilirismo arrebatador, espelhado nas
novas
(para a época)
concepções
das
ciências biológicas e fisiológicas, calcadas em Spencer e
Haeckel, de onde retirou muito do seu universo linguístico. O filho de Pau d’Arco inseriu na lírica, além das teorias científico-filosóficas, uma original
expressão poética,
o que levou a crítica a situá-lo
ora no Simbolismo, ora
no Pré-Modernismo, inclusive sendo ignorado pelos modernistas de 22, por
só verem nos seus versos a
forma parnasiana e o linguajar
dito
científico, não percebendo a Modernidade dos poemas.
Arte ingrata! E conquanto, em desalento,
A órbita elipsoidal dos olhos lhe arda,
Busca exteriorizar o pensamento
Que em suas fronetais células guarda!
Tarda-lhe a Ideia! A inspiração lhe tarda!
E ei-lo a tremer, rasga o papel, violento,
Como o soldado que rasgou a farda
No desespero do último momento!
Tenta chorar, e os olhos sente enxutos!...
É como o paralítico que, à míngua
Da própria voz, e, na que ardente o lavra,
Febre de, em vão, falar, com os dedos brutos
Para falar, puxa e repuxa a língua,
E não lhe vem à boca uma palavra!
A partir do título já percebemos o tema a ser desenvolvido. Mas que artista seria esse? O parnasiano angustiado pela ideia e pela forma perfeita? O romântico em busca de inspiração? O simbolista criador das musicalidades que os recursos estéticos possibilitam? A voz em 3ª pessoa que nos anuncia, via olhar poético, a angústia do artista, nos desenha um poeta aflito com dois conceitos: a razão e a emoção, ambos essenciais para o seu ofício. Da primeira, o sacrifício com a produção do cérebro, biologicamente analisado: buscando trazer à luz organicamente os versos que lhe surgem e que lhe ferem o olhar; emotivo, em meio às turbulências da sua impotência de Homem em luta com a Musa maior, personificada na Arte. Instintivamente apto a agir desesperado, mas paradoxalmente tomado pelos controles da racionalidade.
Não podendo ser enquadrado em nenhuma Escola
ou Movimento fechado, Augusto, diferente dos Neoparnasianos,
como exemplifica Lúcia
Helena (1977), desenvolve sonetos não meramente formais, descritivos
ou objetivos, mas produzidos por
uma consciência em conflito e paradoxal: não positivista, nem de linguagem
científica somente, mas técnica,
elaborando a sua verve,
repleta de prosaísmos, coloquialismos, rupturas e experiências estilísticas, tudo em nome da Arte.
Segundo Walter Benjamin (1989), não cabe mais à
arte contemporânea a função de conforto ou consolo, porém denunciar a alienação
dos sujeitos decorrente das transformações sofridas pela sociedade capitalista.
Baudelaire representa o declínio da figura clássica do artista. Ao escrever
suas Flores do Mal, o poeta francês “teve em mira leitores que se veem
em dificuldades ante a leitura da poesia lírica”, dedicando seu livro “àqueles
que lhe são semelhantes” (BENJAMIN, 1989, p. 103). Não obstante, ele
identificará o artista moderno à figura do herói. Consagrado a signo da
Modernidade, este homem teria assumido em sua obra os temas e atitudes que
perfazem o artista de seu tempo. Em algumas passagens do poema de Augusto
“Monólogo de uma Sombra”, temos:
Com um pouco de saliva quotidiana / Mostro meu nojo
à Natureza Humana. / A podridão me serve de Evangelho... / Amo o esterco, os
resíduos ruins dos quiosques / E o animal inferior que urra nos bosques / É com
certeza meu irmão mais velho! [...] // Quis
compreender, quebrando estéreis normas, / A vida fenomênica das Formas, / Que,
iguais a fogos passageiros, luzem. / E apenas encontrou na ideia gasta, / O
horror dessa mecânica nefasta, / A que todas as cousas se reduzem! [...]
// Somente a Arte, esculpindo a humana
mágoa, / Abranda as rochas rígidas, torna água / Todo o fogo telúrico profundo
/ E reduz, sem que, entanto, a desintegre, / À condição de uma planície alegre,
/ A aspereza orográfica do mundo!
Neste
poema inicial do
EU, o projeto maior da obra anjosiana: expor
em
versos as dores e
aflições humanas, em meio às evoluções, mudanças e caos do mundo. Cabendo à Arte e,
consequentemente,
ao poeta, serem vozes divulgadoras destes preceitos, desestruturando as
formas já gastas. Nele encontramos temas e recursos estilísticos correntes em seus outros
poemas: as vozes que ele personifica (a Sombra, O Filósofo
Moderno, o sátiro peralta e a do
próprio poeta); a
presença
de Haeckel, do Orientalismo, a podre procriação humana, além das inovações poéticas: os vocábulos técnicos: Raio X, magnetismo;
as proparoxítonas: vilíssimas, requintadíssimas; as rimas
dos seguintes versos:
“―Toma conta
do corpo que apodrece... / No cadáver malsão, fazendo um s”, graficamente
substituindo a palavra, porém
mantendo a métrica por meio da sonoridade; e
as intertextuais adjetivações literárias e pictóricas:
“Macbeths da patológica vigília / Mostrando, em rembrandtescas telas várias (...)”, pois em Augusto, além da
forma e da métrica distintas, são ressaltadas a
linguagem e
o mergulho no Humano enquanto Ser em decomposição, filosofando sobre o ‘amaldiçoado’
destino de homem, ser verme em uma
hereditariedade
infinita.
Em seu livro Cinco
Paradoxos da Modernidade, que se insere na grande tradição crítica que
explora os tópicos ou tendências que, ainda que tenuamente, unificam as várias
correntes modernas, Antoine Compagnon (2003) diz-nos que o moderno em si não é
tanto a negação da tradição quanto a tradição da negação. Não se trata somente
do fato de que o programa moderno traz em seu bojo seu próprio mecanismo de
superação ou mesmo destruição, como alguns teóricos da arte e principalmente os
dadaístas notaram; antes, talvez seja mais um apelo a uma consideração mais
apropriada do Modernismo à luz das contradições românticas que não só o
precederam, mas são, em última análise, uma de suas partes essenciais. O
primeiro tópico é histórico ou político, isto é, a contrarrevolução. O segundo
tema, por sua vez, é filosófico; nas palavras do autor: “pensa-se naturalmente
no anti-iluminismo, na hostilidade contra os filósofos e a filosofia do século
XVIII”. O terceiro tópico é moral ou existencial, o qual implica a relação
pessimista do indivíduo com o mundo. Segundo Compagnon, estes três
primeiros temas antimodernos estão conectados a uma visão de mundo inspirada
pelo mal. Daí surge, portanto, uma quarta coluna, que é religiosa ou teológica,
mais especificamente a realidade do pecado original, a crença não só na
imperfectibilidade do homem, mas no fato de que sua natureza, se deixada à sua
autonomia, é irredimível e inclinada à iniquidade. Se esses quatro temas
constituem a visão de mundo dos antimodernos, os dois últimos definem seu tom e
forma: a estética antimoderna associa-se ao sublime; e seu estilo, por
sua vez, assume o fervor retórico da vituperação ou imprecação. Nos
fragmentos do poema “Os Doentes”, que se inicia com um soneto
na primeira parte, (1º quarteto e último terceto, e as demais seguem
em quadras), observemos:
Como uma cascavel que se enroscava, / A cidade dos lázaros dormia... / Somente, na metrópole vazia, / Minha cabeça autônoma pensava! [...]
E via em mim, coberto de desgraças, / O resultado de biliões de raças / Que há muitos anos desapareceram! [...] // Ah! Somente eu compreendo, satisfeito, / A incógnita psiquê das massas mortas / Que dormem, como as ervas, sobre as hortas, / Na esteira igualitária do teu leito! [...] // Perfurava-me o peito a áspera pua / Do desânimo negro que me prostra, / E quase a todos os momentos mostra / Minha caveira aos bêbedos da rua. / [...] // O letargo larvário da cidade / Crescia. Igual a um parto, numa furna, / Vinha da original treva noturna, / O vagido de uma outra Humanidade! // E eu, com os pés atolados no Nirvana, / Acompanhava, com um prazo secreto, / A gestação daquele grande feto, / Que vinha substituir a Espécie Humana!
Nos versos, o eu poético (coberto de desgraça, hiperbolizando o destino e a tragédia como seu
ofício) percorre a cidade
(comparada a uma
cascavel,
analogia
que nos remete às serpentes baudelaireanas, vis, medonhas, sibilante e rastejando. Imagem sugerida
pelo uso das
consoantes: /c/ /s/ e
/v/)
temporalmente cruzando a noite
até
o amanhecer, passando pelos
locais doentes e vis da urbe; é justamente neles que há a simbiose da vida que lá habita: os
que trafegam e sobrevivem, irmanados com o eu. Os lazarentos, tuberculosos, as prostitutas, os bêbedos e morféticos, corpos e
matérias ‘sem vida’, todos em comunhão, angustiados e
desejosos da morte, desagregados em um mundo decrépito. Porém, assim como anunciado, desejoso de
um novo renascer: substituindo
a espécie
humana. Notemos que o poeta, por meio
das
palavras e aliterações, elabora imagens de asco e ao mesmo tempo, atração, despertando no
leitor os sentimentos que o
eu vivenciava.
Até o ano de 1908 Augusto viveu no engenho pau D’Arco, com as idas à Paraíba e ao Recife, estudar e fazer as devidas provas para entrar na Faculdade de Direito da Veneza Brasileira, cidade-cenário do extenso poema “Cismas do Destino”, aqui selecionadas algumas estrofes:
Recife. Ponte Buarque
de Macedo. / Eu, indo em direção à casa do Agra, / Assombrado com a minha
sombra magra, / Pensava no Destino, e tinha medo! [...] // Tal uma horda feroz
de cães famintos, / Atravessando uma estação deserta, / Uivava dentro do eu,
com a boca aberta, / A matilha espantada dos instintos! [...] // Ah! Com certeza, Deus
me castigava! / Por toda a parte, como um réu confesso, / Havia um juiz que lia
o meu processo / E uma forca especial que me esperava! [...] // Escarrar de um abismo
noutro abismo, / Mandando ao Céu o fumo de um cigarro, / Há mais filosofia
neste escarro / Do que em toda a moral do Cristianismo! [...] // Nisto, pior que o
remorso do assassino, / Reboou, tal qual, num fundo de caverna, / Numa
impressionadora voz interna, / O eco particular do meu Destino: // Homem! por
mais que a Ideia desintegres, / Nessas perquirições que não têm pausa, / Jamais,
magro homem, saberás a causa / De todos os fenômenos alegres!
O poema é repleto da linguagem
fragmentada e visual de Augusto, dramática e em cortes de descrições internas e paisagísticas. Neste, “o eu e a relação com o
personalizado Destino não-religioso, eu este hiperbólico, kafkiano,
demasiadamente humano, é o pagador dos males terrenos. Daí sua repulsa à
divinização feita pelo Clero”, conforme Lima (In: PAIVA e FERREIRA,
2007, p. 211-212). Nos versos o eu lírico nos põe a acompanhá-lo em dantesca
peregrinação pela cidade transfigurada em imaginário
boulevard baudelairiano, local
de procriação e
vícios carnais. Nesta assombrosa caminhada, o eu misturado às sombras dos sobreviventes da urbe, se põe a ‘filosofar’ sobre o seu destino de homem,
abandonado, inquirindo o Ser
divino, que aparece como Julgador medieval, castigador,
explicitando a relação entre o eu, que em suas aflições sarcasticamente rompe com os dogmas cristãos: No poeta uma única e mortal certeza: a de nunca
ter certeza nenhuma,
vivendo as agonias poéticas
da eterna dúvida.
Em homenagem à
Augusto há o busto na Praça da República,
próxima à versificada ponte Buarque de Macedo.
Na visão de José Miguel Wisnik,
no texto “Iluminações profanas (poetas, profetas, drogados)”, há uma
ambivalência fundamental que marca a figura do visionário: ele representa
crise, mas também caminho. Expressa, por um lado, o desconforto e, por outro, a
procura, a tentativa de ir além do conhecimento aparente, superficial. Buscando
transpor regiões limítrofes, trabalha com o que está vedado aos outros homens,
procura fazer a “representação do irrepresentável.” (WISNIK, 1988, p. 283).
Isto posto, no soneto “Solilóquio de um Visionário”, Augusto nos revela:
Para
desvirginar o labirinto
Do
velho e metafísico Mistério,
Comi
meus olhos crus no cemitério,
Numa
antropofagia de faminto!
A
digestão desse manjar funéreo
Tornado
sangue transformou-me o instinto
De
humanas impressões visuais que eu sinto,
Nas
divinas visões do íncola etéreo!
Vestido
de hidrogênio incandescente,
Vaguei
um século, improficuamente,
Pelas
monotonias siderais...
Subi
talvez às máximas alturas,
Mas,
se hoje volto assim, com a alma às escuras,
É
necessário que inda eu suba mais!
Em seus versos que ‘despertam’ o(a) leitor(a), em comunhão com o eu, para um questionar-se aflito: na
“Agonia de um Filósofo”: ― O inconsciente me assombra
e eu nele rolo / Com a
eólica fúria do harmatã inquieto!; na
incômoda presença d’ “O
Morcego”: ― A consciência
Humana é este morcego! / Por mais que a gente faça, à noite, ele entra / Imperceptivelmente em nosso quarto‖; na comiseração e consciência
do fatal destino, em “Psicologia de um Vencido”: ― Eu, filho do carbono e do amoníaco, / Monstro
de escuridão e rutilância, / Sofro,
desde a epigênesis da infância,
/ A influência má dos signos do zodíaco‖;
fatalidade melancolicamente aceita e que o poeta
transforma em originalíssima
arte, quer
nas
limitações
do labor n’ “A Ideia” que: ―quebra a força centrípeta que a amarra, / Mas, de
repente, e
quase
morta, esbarra
/ No
mulambo da língua
paralítica!, quer no “Budismo Moderno”: ― Tome, Dr.,
esta tesoura, e...
corte / Minha singularíssima pessoa.
/ Que importa a mim que a
bicharia roa / Todo o meu coração, depois da morte?!, consciente da sua passagem terrena, homem-poeta,
em
simbiose com as coisas do mundo, a aguardar “O Deus-Verme”: ―Ah! Para ele é que a carne podre fica, / e no inventário da matéria rica / cabe aos seus filhos a maior porção!; rezando o
“Último Credo”: ―Creio, perante a evolução imensa, / Que o homem universal de amanhã vença
/ O
homem particular que
eu
ontem fui! Eu, ‘solitário’ em meio à multidão dos homens,
gritando no Solilóquio de um Visionário: ―Para desvirginar o labirinto
/ Do velho e metafísico
Mistério, / Comi meus olhos crus no cemitério, / Numa antropofagia de faminto! “Solitário”:
― Levando apenas na tumbal carcaça
/ O
pergaminho singular da
pele / E o chocalho fatídico dos
ossos!; expurgando seus males contra
uma
Humanidade decadente e falsa, nos “Versos
Íntimos”: ―Se
alguém causa
inda pena a tua chaga, / Apedreja essa
mão vil que te afaga, / escarra nessa boca que te beija!‖. Enfim, ele o “Poeta do Hediondo”,
que derradeiramente
se anuncia: ― Eu sou aquele que ficou sozinho / Cantando sobre os ossos do caminho / A poesia de
tudo quanto é morto!
Conceito central do pensamento de Bauman (1989), a
“modernidade líquida” seria o momento histórico que vivemos atualmente, em que
as instituições, as ideias e as relações estabelecidas entre as pessoas se
transformam de maneira muito rápida e imprevisível. A Modernidade líquida, no
entanto, não se confunde com a Pós-modernidade, conceito do qual Bauman é
crítico. De acordo com ele, não há Pós-modernidade (no sentido de ruptura ou
superação), mas sim uma continuação da Modernidade, porém com uma lógica
diferente – a fixidez da época anterior é substituída pela volatilidade, sob o
domínio do imediato, do individualismo e do consumo. Nessa dialética, Augusto
nos traz um dos poemas mais lidos e conhecidos de sua obra singular, “Versos
Íntimos”, cuja linguagem é
peculiar
no seu projeto poético: enterro, quimera, lama,
miserável,
fósforo, escarro,
vil, termos correntes
em seus versos, entre outros, rompendo o “horizonte
de expectativa” dos leitores dos versos parnasianos e simbolistas:
Vês?! Ninguém assistiu ao formidável
Enterro de tua última quimera.
Somente a Ingratidão — esta pantera —
Foi tua companheira inseparável!
Acostuma-te à lama que te espera!
O Homem, que, nesta terra miserável,
Mora, entre feras, sente inevitável
Necessidade de também ser fera.
Toma um fósforo. Acende teu cigarro!
O beijo, amigo, é a véspera do escarro,
A mão que afaga é a mesma que apedreja.
Se a alguém causa ainda pena a tua chaga,
Apedreja essa mão vil que te afaga,
Escarra nessa boca que te beija!
E no soneto “Debaixo do Tamarindo”, os seus
proféticos versos
No tempo de meu Pai, sob estes galhos,
Como uma vela fúnebre de cera,
Chorei biliões de vezes com a canseira
De inexorabilíssimos trabalhos!
Hoje, esta árvore, de amplos agasalhos,
Guarda, como uma caixa derradeira,
O passado da Flora Brasileira
E a paleontologia dos Carvalhos!
Quando pararem todos os relógios
De minha vida, e a voz dos necrológios
Gritar nos noticiários que eu morri,
Voltando à pátria da homogeneidade,
Abraçada
com a própria Eternidade
A minha sombra há de ficar aqui!
Atestando,
poeticamente a consciência crítica e ‘esperançosa’ do
artista, homem não pessimista, eu melancólico e
triste, mas sabedor do papel simbólico, biológico e filosófico do Ser: “na ―paleontologia dos Carvalhos” em maiúscula, aludindo tanto à árvore, local sagrado e
tumular, representativo da sua terra e raízes, como ao nome de sua família paraibana. Ambos irmanados e, depois da morte, abraçados com a
Eternidade, dando sequência à vida
nos elementos que deles brotarem: os frutos e os versos. O que, em nossa leitura, esclarece em Augusto a maturidade artística de se
colocar como crítico
moderno da própria arte, sabedor da singularidade dos versos que deixou aos leitores
futuros, enfatizada
nos tercetos e
nos versos finais:
“Abraçada com a própria Eternidade / A minha sombra há de ficar aqui!”.
É por meio da linguagem e dos temas poéticos que o bardo paraibano anuncia as novidades nos versos: transformando em poesia as experiências concretas do ser humano. Esteticamente rompendo, mas dialogando com as formas tradicionais, porém consciente do novo papel que o poeta, em meio a esse caos da passagem dos séculos, deveria assumir. Utilizando, no dizer de Gullar (1976), as inusitadas construções sintáticas, a ruptura do ritmo, a montagem de palavras e imagens, das enumerações, a mescla de vocábulos coloquiais e eruditos, as palavras comuns e vulgares, ditas não poéticas com as poéticas, e, antes mesmo dos modernistas de 22, criando em versos um ‘prosaísmo’ peculiar e exemplar do cotidiano, com frases fragmentadas. A celebração da dor e da morte, o gosto pelo cruel e pelo mórbido, oriundos do Decadentismo, o expressionismo (nas pinturas de Munch), a metafísica, o pessimismo schopenhaueriano, os termos científicos decorando estruturalmente seus versos, tornando-os kitsch, são marcas, segundo José Paulo Paes (1985), do “artenovismo” na poesia de Augusto.
O que nos faz mais uma vez, ainda que discordando dos ‘rótulos’ utilizados pelo estudioso, confirmar a singularidade deste poeta inclassificável, ora por trazer tons do mal do século, decadentista e romântico, paisagens naturalistas, a fôrma fechada dos parnasianos, a musicalidade dos simbolistas, dialogando com as formas tradicionais, ora não pertencente a nenhuma Escola ou Movimento, paradoxalmente por romper com os mesmos, e possibilitar o surgimento de ‘novas estéticas’, voz atemporal e que se encontra, estética e tematicamente, pleno de contemporaneidade, Modernidade e Pós-Modernidade, crítico e aberto aos futuros leitores.
REFERÊNCIAS
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do capitalismo. (trad.) José
Martins Barbosa et
al., São Paulo: Brasiliense, 1989.
BUENO, Alexei. (org.).
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Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1994.
COMPAGNON, Antoine. Os cinco paradoxos da modernidade. (trad.) Cleonice P. Mourão
et al., Belo
Horizonte:
Editora UFMG, 2003.
GULLAR, Ferreira. Augusto dos Anjos ou a vida e morte
nordestina. In: ANJOS, Augusto dos. Toda a poesia de
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dos Anjos. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
1976.
HELENA, Lucia. A cosmo-agonia de Augusto dos Anjos. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro,
1977.
LIMA, Neilton Limeira Florentino de. Antero, Augusto e Pessoa o
interrogar-se sobre si ou a inquietude religiosa. In: Em
Pessoa: Estudos decorrentes da execução do projeto Na Véspera de não partir
nunca, 70 anos sem Fernando Pessoa. (org). PAIVA, José Rodrigues de; FERREIRA,
Ermelinda Maria Araújo. Recife Ed. Universitária da UFPE, 2007.
LIMA, Neilton Limeira Florentino de. Diálogos Poéticos entre Antero
de Quental e Augusto dos Anjos: a Modernidade Luso-Brasileira. (2007). Pesquisado
em: https://repositorio.ufpe.br/handle/123456789/7776 acesso
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LIMA, Neilton Limeira Florentino de. Augustos dos Anjos: o solilóquio de um poeta
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PAES, José Paulo. Gregos
e baianos. São
Paulo: Brasiliense,
1985.
PAZ, Octavio. Os Filhos do Barro.
Rio de Janeiro: Nova Fronteira,
1974.
WISNIK, José Maria. Iluminações
Profanas (poetas, profetas e drogados). Pesquisado em https://www.artepensamento.com.br/item/iluminacoes-profanaspoetas-profetas-e-drogados/ acesso 4 de jan 2023
*Neilton
Limeira Florentino de Lima é escritor, revisor, crítico, mestre em Teoria
da Literatura (UFPE), professor executor do EAD de Letras e Pedagogia no Grupo Ser
Educacional, membro da UBE e colunista literário no site DCP
Augusto realmente atuou em solilóquio em seu tempo, e, sinda hoje não encontra par na poesia brasileira.
ResponderExcluirFato, poeta Generoso
ExcluirGrato Natanael por mais esta singular publicação em prol da Literatura e um dos Poetas brasileiros, nordestinos, maiores da língua portuguesa
ResponderExcluirTive a honra de tê-lo como Professor e orientador em meu TCC. Mestre Neilton, trabalho Genial. Parabéns por todas as conquistas.
ResponderExcluirObg, prezado. Eu, eterno aprendiz com cada aluno(a)!
ExcluirBelo artigo e excelente análise. Augusto dos Anjos se mostra em seu caminhar dono das dores em corpos sem vida para transmutar as tragédias em seus versos.
ResponderExcluirBelas e poéticas palavras, amada Teresa, Musa e Poetisa
ExcluirParabéns pelo texto e pesquisa sobre a vida de Augusto dos Anjos
ResponderExcluirObg, nobre! Este breve texto é parte de um maior, minha dissertação de Mestrado, bem como contínuo estudo sobre Augusto!
ExcluirParabéns pelo texto mestre Neiton!
ResponderExcluirParabens pelo belo texto, ótima pesquisa mestre Neiton
ResponderExcluirObg, nobre amigo!
ExcluirDiante deste artigo, fico cada vez mais defensor da poética de Augusto dos Anjos, um grande e irretocável nome da poesia brasileira. Um incompreendido na época, sobretudo, por aqueles que o criticavam, e o escorraçavam do cenário literário dominado por nomes como, Olavo Bilac. Hoje, a poética Contemporânea, principalmente a de Vital Correa de Araújo, a partir de nomes como, Stéphane Mallarmé, Arthur Rimbaud, Charles Baudelaire e Augusto dos Anjos a poesia recebeu uma dimensão maior, na perspectiva da poesia não-óbvia, hipermetafórica e extremamente subjetiva, hermética, tal qual a arte plástica abstrata, seja lírica ou geométrica, nos sugerindo infinitas interpretabilidades. Deixando ao leitor a exortação de que ele mesmo, dê sentido ao poema lido. Salve, salve Augusto, VCA e o autor do presente Artigo. Porque nesses eu me motivo e me amplio poeticamente nas letras da sabedoria de cada um.
ResponderExcluirPrezado Gleidistone, muito grato pelas excelentes colocações sobre o vate paraibano, tema de meus estudos! De fato, Augusto é singular, mas dialoga com a tríade francesa, afinal, a Modernidade, pós-Modernidade não existem sem eles. Quanto à VCA, nosso querido poeta, seus poemas são 'socos' no estômago do leitor...ee sua zona de conforto; Vital o sacode, o desperta!
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