ROSA NUMINOSA DE DIEGO MENDES SOUSA
Postado por DCP em 08|05|2022
Entrevistador: Natanael Lima Jr.
Entrevistado: Diego Mendes Sousa
Diego Mendes Sousa é um
dos mais inspiradores e significativos poetas brasileiros de sua geração.
Nasceu na Parnaíba, no litoral do Piauí, em 15 de julho de 1989. É poeta,
cronista, crítico e memorialista. Com a sua obra “Metafísica do encanto”
(2008), foi galardoado com o Prêmio Olegário Mariano da União Brasileira de
Escritores (UBE-RJ). Como escritor, é membro efetivo da Associação Nacional de
Escritores (ANE), do PEN Clube do Brasil, da Academia de Letras do Brasil, da
Academia Piauiense de Poesia e da Academia Parnaibana de Letras. Como Advogado e
Jurisconsulto, pertence à Academia Brasileira de Direito. Como Jornalista,
fundou o jornal “O Bembém”, com Benjamim Santos e Tarciso Prado.
Seu livro de estreia foi “Divagações” (2006), poemas.
Seguiram-se: “Metafísica do encanto” (2008), “50 poemas escolhidos pelo autor”
(Edições Galo Branco, 2010), “Fogo de alabastro” (2011), Candelabro de álamo”
(2012), “Gravidade das xananas” (2019), “Tinteiros da casa e do coração
desertos” (2019), “O viajor de Altaíba” (2019), “Velas náufragas” (2019),
“Fanais dos verdes luzeiros” (2019) e “Rosa numinosa” (2022), o seu mais
recente livro de poemas.
Diego Mendes Sousa é um poeta de uma rica, vasta e
efervescente produção literária. Um operário das letras.
Em “Rosa numinosa”, o poeta alça o mais significativo voo
literário de sua trajetória. No voo da poesia, conhece-se a liberdade, o
silêncio das formas e das cores. Nesse livro, a poesia encontra o seu voo.
Sobre o livro “Rosa numinosa”, o proeminente poeta e
ficcionista Carlos Nejar, imortal da Academia Brasileira de Letras (ABL)
afirma: “Há uma delicadeza no teu livro, rosa e nume, a poesia. Um timbre novo
na tua criação, que é muito o canto da terra”.
Nesta entrevista inédita com o poeta Diego Mendes Sousa,
buscaremos trazer mais detalhes sobre o seu livro, a sua trajetória literária,
curiosidades sobre a sua produção, sobre livros, poesia, crítica literária,
entre outros assuntos.
Domingo com Poesia – Você publicou o seu
primeiro livro de poemas “Divagações”, em 2006. Como foi essa experiência?
Diego
Mendes Sousa – “Divagações” é meu livro de estreia.
Eu era um menino como qualquer outro. Gostava de correr atrás de uma bola,
adorava brincar de detetive para desvendar os terrenos baldios do meu lugar,
apreciava jogar cabra-cega e desvendar o meu pequeno mundo no esconde-esconde.
Não havia tecnologia. Fui menino de rua, pés descalços, bermudinha acima dos
joelhos e não usava camisas. Tudo era aventura e inocência. Nasci com uma
tristeza congênita, que se manifestou naturalmente. Digo que são as mazelas do
existir. Descobri-me poeta assim, por arranhões que o destino me reservou.
Apesar da miséria interior, eu sempre fui muito estudioso. Pertenciam a mim as
notas mais altas da Unidade Escolar Alcenor Candeira, colégio da rede privada,
conhecido na minha cidade natal como Cobrão, em que cursei do maternal ao
terceiro ano do ensino médio, portanto, onde estudei a vida inteira. Nessa
odisseia, descobri os livros, mais precisamente, encontrei-me com Rainer Maria
Rilke, porque minha avó-mãe, Maria José Ferreira Sousa, era devota dessa
tradição literária. Ela declamava Olavo Bilac, Castro Alves, Casimiro de Abreu,
Vicente de Carvalho, Guilherme de Almeida com uma fluição mágica. Eu era apenas
um menino e a música dos versos ficou na minha mente, porque ecoava pelos
corredores da nossa casa. Minha avó foi a minha mestra. Ela estimulava a
leitura, pregava o bom português, ensinava novas línguas, abastecia a casa com
livros e com arte (música, pintura, cinema, teatro, ópera, dança). Tive a
melhor formação cultural. Foi com essa bagagem inicial que o sonho de ser
escritor cresceu em mim. No silêncio, comecei a ascese do meu destino. Aos
trezes anos de idade, após forte experiência estética com o livro “A casa da
paixão”, de Nélida Piñon, os primeiros poemas saltaram do mistério. Vi-me
poeta. E bem mais do que isso, a minha salvação enquanto ser humano.
“Divagações” foi uma revelação inconsciente. Aos dezesseis anos de idade, muito
jovem, com as mesadas generosas dessa mesma avó, eu trouxe o livro a lume com
total independência (eu já era um autor independente naquele tempo). Pensei a
capa, realizei a digitação, a diagramação, a arquitetura conceitual da obra e
levei os poemas a uma pequena gráfica (amadora, inclusive), em que foram
impressos cem exemplares. Devido ao surpreendente sucesso, um mês depois, vovó
mandou imprimir mais duzentos e cinquenta exemplares. Minha avó promoveu um
grande lançamento com lauto jantar para trezentas pessoas, convidou os seus
amigos (a alta sociedade parnaibana e os intelectuais da cidade) e entregou o seu
neto escritor ao mundo.
DCP – Seguiram-se mais dez livros de poemas publicados. Como você analisa a sua produção literária?
DMS
– Há uma manifestação anímica muito importante chamada vocação. Hoje me
considero um vocacionado, um escolhido para algo maior, detentor de um dom.
Algo sublime, uma força estranha e maravilhosa. Opero com o deslumbramento. Sou
também um operário a serviço da beleza. Encantar. Fascinar. Comover. É o que
quero enquanto poeta. Tudo isso é oriundo da inspiração. São palavras fora do
tempo, do nosso tempo de banalidades, mas que as reservo com direito: vocação,
dom e inspiração. Meus olhos se enchem de lágrimas. Acredito no destino, aposto
no acaso, pois nada sabemos sobre o futuro. Vivo o presente alicerçado no
passado. Minha produção literária é um testemunho de mim mesmo e é sobretudo
uma memória decantada na vida vivida, na verdade, na dor e no amor.
DCP
– Em “Rosa numinosa” você alcançou o seu mais significativo voo literário?
DMS
– Decerto atinjo com “Rosa numinosa” a maturidade. O que chamo também de
sensatez, porque nesse livro tive um encontro com os meus fantasmas e com os
absurdos existenciais que rondam a humana condição. Tenho nele uma teoria sobre
a crueldade e sobre o desespero. “Rosa numinosa” é avassalador, pungente,
agônico. Provavelmente seja o meu mais alto voo literário até aqui, pois o
leitor encontrará o belo em estado bruto, indomável como a natureza, misterioso
como a grandeza transcendental de Deus, já que a poesia é essa beleza
reservada, sensível, reveladora e visceralmente divina, nume e elevação.
DCP
– “A rosa do povo”, de Carlos Drummond de Andrade e “Rosa numinosa”, de
Diego Mendes Sousa. O que há de consonância entre essas obras?
DMS
– O sentimento. A rosa é a expressão universal da entrega, da paixão, do
desejo, do reconhecimento e da identificação. “Rosa numinosa” não dialoga
apenas com Carlos Drummond de Andrade, mas também com Rainer Maria Rilke, com
T. S. Eliot, com Federico García Lorca, com Juan Ramón Jiménez, com Pablo
Neruda, com Jorge de Lima, com Vinicius de Moraes, ou seja, com a melhor
tradição. Assim como “A rosa do povo” foi escrita em um período extremo de
segunda grande guerra mundial, “Rosa numinosa” foi escrita em um contexto
perturbador de pandemia e de incertezas. Tanto uma como a outra são obras
reflexivas, líricas e ao mesmo tempo épicas, com preocupações parecidas: o
amor, o passado, o cotidiano, a celebração, os pêsames... Poesia de voltagem
social. Aliás, para mim, todo poema é um acontecimento social, mas isso é uma
outra história. Há consonância sim, entre ambas, e o leitor mais atento
encontrará até o humor, inclusive. A literatura é um imenso rio, larga e
enigmática, com afluência reconhecível.
DCP
– “Rosa numinosa” é estruturada em quatro partes: “Gestas das ruínas e dos
telhados tostados”, “Andilhas surradas”, “Alba da alma dispersa” e “Salmos à
gleba das carnaúbas”. Foi a forma planejada de levar o leitor a compreender
melhor as suas memórias?
DMS
–
A memória é a tônica da minha poesia. No meu caso particular, procuro
subdividir os meus livros em opus para agregar os poemas que possuem uma mesma
raiz estética e assim ampliar a compreensão do que eu anseio revelar. “Rosa
numinosa” foi construído em cima de uma planta-baixa que preserva quatro
elementos que me são essenciais enquanto criador da linguagem: o mistério, o
místico, o mítico e o telúrico. Não facilito, ao contrário, jogo intensamente
com o verbo, com o intuito de instigar o meu leitor.
DCP
– O seu livro é um convite a um mergulho poético nas águas do Parnaíba.
Chama-me atenção o livro inteiro. Mas destaco os poemas: “Gesta do onírico rio
das muitas almas”, “Nênia ao Delta do Rio Parnaíba: santuário manchado de
óleo”, “Cinza”, “Número 548” e “Rio”. Nestes poemas as imagens pululam aos
olhos atentos do leitor. Esse recurso foi utilizado magistralmente por você
nesse seu livro. Conte-nos sobre essa questão?
DMS
– Ah, a imagem. Poesia é imagética e imaginação. No começo do século XX, Rainer
Maria Rilke ofertou ao mundo “O livro das imagens”, um verdadeiro ritual
sublime de arte e de fortaleza criativa. Aprendi com Rilke, e felizmente
introspectei rapidamente, sem esforço, por ser-me a poesia uma categoria inata.
Convido o leitor a conhecer as águas batismais em que me criei. O rio Parnaíba
é fonte de sabedoria, todos os rios são. Isso já ensinava Fernando Pessoa. Na
realidade, o que eu faço é ressuscitar o que é belo e metafísico. Tenho
ufanismo, valorizo a minha aldeia, a minha gente. Ajo com sabedoria, sem
preocupar-me com as trivialidades a que estamos todos submetidos. Gosto de
transformar o comezinho em celebração. O poeta é exatamente esse condor que
ressignifica o tempo e a vida. Minhas imagens são todas inconscientes. Nada
racional. Fujo do comum. Tenho um pacto com a originalidade e com a
subjetividade. Faço do meu modo, sempre. Escuto apenas o instinto. De repente,
uma xanana (flor selvagem), por exemplo, passa a ser um acontecimento poético.
DCP
– Costumo fazer corriqueiramente este questionamento, só para provocar e, no
fundo, também, compreender melhor este nosso ofício: portanto, para que serve a
poesia?
DMS – Para o criador de poemas, significa tudo. A alma precisa de
significados. Precisa também de evasão. É através da epifania que a poesia
transforma o mundo. Há um poema em “Rosa numinosa”, que abriga o transitório,
por ser a poesia efêmera: “A casa da poesia / é a nuvem // e o poeta nu /
vem”, ou seja, a utilidade da poesia reside na inutilidade, a poesia em si
é passageira. A poesia para o poeta é a sua vitalidade. Sem esse amor pelas
palavras, sem a expressão dessa agonia e dessa urgência fugidia, o poeta que
aqui dialoga, morreria. A poesia, para mim, é um estranhamento orgânico.
DCP – Na sua
opinião, qual a função social da poesia e do poeta?
DMS
– A finalidade da poesia é comover. Para mim, a função social da poesia é a
comoção. Já o poeta, é um ser humano, que paga tributos e preços venais, vive
em sociedade, precisa comer e beber, revolta-se com o alto custo das coisas.
Ama e odeia. Tem fé e esperança. Conhece a burocracia. Às vezes é incoerente e
outras vezes, lúcido. Vota, participa da comunhão política. Sabe das limitações
e investe no estudo com medo do precário. A poesia é uma oração e o poeta, um santo.
Faz milagres. Ajuda o seu povo a passar sobre o mar diáfano da vida.
DCP
– Vamos passar para uma questão muito delicada: há crítica literária no
Brasil?
DMS
– Os grandes críticos literários brasileiros foram desaparecendo (Fausto Cunha,
Álvaro Lins, Wilson Martins, Antonio Candido, Afrânio Coutinho, Eduardo
Portella, José Guilherme Merquior, Massaud Moisés, Alfredo Bosi, Nelly Novaes
Coelho, Assis Brasil). Moicanos ainda resistem, como Fábio Lucas, Gilberto
Mendonça Teles, Carlos Nejar, Antonio Carlos Secchin, Dalma Nascimento e Darcy
França Denófrio. É uma geração perdida, para usar um tino clássico. Não existem
leitores, quem dirá críticos literários. Há sim, muitos escritores, mas o tempo
(?) irá escolher os que ficarão. Decerto, não serão os críticos que dirão quem
permanecerá ou não. Parece-me que o futuro da crítica estará nas Universidades,
com seus artigos, suas dissertações e suas teses. Ou ainda, a crítica literária
estará na subjetividade de alguns escritores que enveredarão pelo ensaio, como
é o meu caso particular.
DCP – Por que
todo escritor almeja entrar para a Academia Brasileira de Letras? Há também em
você esse desejo?
DMS – A Academia Brasileira de Letras (ABL) tem peso simbólico na
mitografia da literatura. É uma Casa admirada pelo homem comum, tem
popularidade, apesar do seu porte aristocrático. O nosso povo luta pelo feijão
de cada dia, mas precisa do sonho, de algo mais, como aludia o Imortal Orígenes
Lessa, por isso também essa vibração contagiante com as posses recentes de
Fernanda Montenegro e de Gilberto Gil. Trata-se de identidade, de
autoconhecimento. Não sei se todo escritor almeja ingressar na ABL, talvez os mais
vaidosos, até porque vaidosos todos nós somos. Todo escritor é o seu ego e a
sua vaidade. Lembro o Acadêmico Lêdo Ivo: “Nós, escritores, somos só talento
(quando o temos) e vaidade (sempre)”. Na noite de lançamento do meu primevo
livro de poemas, “Divagações”, lá atrás, quando tudo era apenas quimera, um
expectador na fila para colher um autógrafo disse-me que eu seria um Imortal,
eu nunca esqueci e ouço essa voz diuturnamente.
DCP
– O que representa para você ser considerado “Príncipe da literatura
brasileira”, herdeiro do poeta Carlos Nejar?
DMS
– Os leitores são generosos comigo. Foi Dimas Macedo, poeta do Ceará grande,
que me deu esse título. Epíteto parecido que já foi atribuído aos grandes
poetas brasileiros como Olavo Bilac e Paulo Bomfim. Dar-me alegria, pois sei
que há significados maiores nisso, que são o afeto e a admiração. Por outro
lado, eu mesmo afirmo que sou herdeiro de Carlos Nejar, no sentido de
confluência de ideias e de sentimentos. Nejar é o poeta da minha predileção. É
um gênio. Universal e arrebatador. Para mim, o maior poeta brasileiro vivo. Sou
precedido por uma genealogia homérica.
DCP
– Fica aqui o espaço para as suas considerações finais e mensagem aos
seguidores do site literário “Domingo com Poesia”.
DMS
–
Leiam-me. Minha solidão inventiva só encontrará respaldo se houver o ressoar de
vocês, leitores. Quero que os meus interlocutores fiquem a pensar em
sentimentos que não são seus, mas que mergulham em si, como se fossem feitos
para si mesmos, outros meninos fecundos. Assim como a poesia me tocou
sorrateira e avidamente, quero lhes tocar a alma, ensinar que devemos falar
baixo para ouvir os grandes oásis mudos e que a minha poesia se levanta em
terra e ser. Eis a cabala do meu discurso.
A TERRA E O SER
Chorar
desnuda
o ser.
A chuva
encharca
a terra.
O choro
limpa a alma,
molha o rosto,
lava o tempo
e a saudade.
O mar
escapa
pelas
artérias
da dor.
Chorar
é enxurrada
de beleza
que arrasta
as palavras
de amor.
(Poema de Diego Mendes Sousa, extraído do livro de
poemas “Rosa numinosa”)
Parabéns Diego por tanta inspiração poética!
ResponderExcluirQue orgulho ter esse moleque [todos aqueles que nasceram beira-rio, beira-mar, como eu] como conterrâneo. Vou fazer urgente encomenda à Banca do Louro, pois estou longe, em Salvador/Bahia. É bom ouvir gente com bagagem e poesia nos miolos.
ResponderExcluirDiego Mendes salta o fazer poético.
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