ANTONIO DE CAMPOS E MANOEL CONSTANTINO – FRENTE A FRENTE
Postado por DCP em 15|05|2022
Curadoria por Valmir Jordão¹
Antônio
de Campos e Manoel Constantino, dois poetas, dois boêmios, dois homens que vivenciaram a
política e as artes nos anos de chumbo da ditadura militar com perseguições,
morte dos oponentes a este cruel regime, dos desaparecidos políticos, dos
encarcerados aos milhares e do movimento pela redemocratização do país no
início dos anos 80. Frente a frente, dois amigos, dois irmãos nas artes, dois
poetas que precisamos conhecer melhor e
um país em ruínas a ser reconstruído.
Antônio
de Campos, bardo nascido em Pedra, sertão pernambucano,
crítico literário, tradutor e poeta desde os meados da Geração-65 e grande
parceiro nos recitais em Recife e Olinda há mais de 30 anos. Publicou, traduziu
e prefaciou: As Canções da Experiência e da Inocência," William Blake. Do
autor: Mais forte que o mal, Crítica da razão vivida, 20
tiranas de amor mais 10 canções de amor às avessas, Palavra de ordem,
20 poemas de amor e uma canção sem desespero, Feito no coração.
Manoel
Constantino, nasceu em Santana de Ipanema -AL, vive
no Recife desde 1973, Dramaturgo, ator, diretor, escritor e poeta do Movimento
dos Escritores Independente - MEI-PE e editor da Agenda Cultural do Recife. Atualmente
apresenta o programa Papo de Artista na Rádio Frei Caneca. Publicou: Esquinas - 1980, Açoite -1982, Ardências e
Anjo de Rua - Cepe - 2011, indicado ao prêmio Jabuti em 2012 na categoria
infanto-juvenil.
ANTÔNIO
DE CAMPOS E MANOEL CONSTANTINO – FRENTE A FRENTE COM A POESIA
Balada para John Lennon
Antônio de Campos
As luzes de Nova Iorque
ao apagar
de teu coração perderam
a cor do filamento
Manhattan uma terra de
lágrimas,agora.
Mas o pássaro
canta: He's only sleeping.
Muitas são as maneiras
de matar um homem,
a morte é que é uma só.
Se difícil
madeira e cravos, fácil
um buquê de balas.
Mas o pássaro canta
ainda: He's only sleeping.
Quatro balas quentes
como a rosa
acesa de Hiroshima,
quatro cordas partidas,
quatro punhaladas de
chumbo.
mas o pássaro canta
ainda: He's only sleeping.
O inverno chegou mais
frio
e a neve sobre o teu
corpo é negra
como a pele dos que no
Harlem te pranteiam.
Mas o pássaro canta
ainda: He's only sleeping.
Não mais verão teus
olhos puros de criança,
parados num pedaço
qualquer do céu da cidade
e com a infinita
impossibilidade de chorar outra vez.
Mas o pássaro canta
ainda: He's only sleeping.
Por mim irias com
aquele terno branco
e um punhado de vento
em teus cabelos,
mas isso nada vale pra
ressuscitar canções em tua boca.
E o pássaro canta mais
alto que nunca:
He's only sleeping.
Jogos
Manoel Constantino
As palavras estão
atropeladas.
Uivo para dentro a
avidez
que trago dos jogos
amorosos.
A monitora do museu
vive uma tarde de estudantes.
Uma borboleta pousa em sua mão.
A plasticidade do
silêncio
está
dentro
do mar
nos ruídos internos
do meu coração.
Nada mais será ontem.
Uma faísca tem o poder dos atalhos
e o teu olhar penetra
nos desavisados
deixo latejar tua risada
por todas as paredes do quarto.
Adormecer é quase estranho.
A árvore da vida ao
socialismo
Antônio de Campos
O outono chegou à minha
árvore
e ela, com egoísmo,
segurou as folhas.
Na primavera por falta
de solo fértil,
não houve sol capaz de
atrair suas folhas.
E assim por estações
permaneceu
a minha árvore apenas
pensando
em suas próprias
folhas: guardando
somente pra si o verde
que traziam.
Ainda que maus, a
árvore má dá frutos,
mas da árvore sem
flores
nenhuma boca se
alimenta
e as abelhas ao largo
passam.
Porém, um dia, minha
árvore viu
outra árvore no pomar
do vizinho
e sentindo falta dos
frutos que não tinha,
uma por uma, deixou as
folhas cair.
Hoje, minha árvore não
traz egoísmo:
seu semelhante
observando, aprendeu
a ser mais rica, a
produzir mais
quando com outros
reparte a Vida.
Nada
Manoel Constantino
Nada.
O ar rarefeito do
silêncio.
A cidade é quase uma
pérola
sufocada.
Não há pescadores.
Há a
profundidade
de uma dor
estranha
estendida
esticada.
Na extremidade do nada
a poesia
oscila
pêndulo
à procura de outra
fonte.
O amor
O homem
E uma cidade calada.
O mar me cabe
na ruptura de suas
ondas
em minhas pedras.
Canção do marasmo
nacional
Antônio de Campos
Tudo está na santa paz!
Nos céus do país, o
Halley,
em terra os artistas
entreguistas
e os malandros do ano
sem lei.
Tudo está na santa paz!
Bolívar em Tacaruna sem
salves
e os conformados
conformistas,
na palma, o sabiá do
Gonçalves.
Tudo está na santa paz!
As horas dadas na
Malakoff,
nas docas, quem ouviu
jamais
o Big Ben, mas esse
roscofe.
Tudo está na santa paz!
Nas clínicas, os
lunáticos
que cantam a lua dos
loucos,
afastando o mal dos
práticos.
Tudo está na santa paz!
Os de centro, trás e
frente,
só não, em qualquer
posição,
meu coração consciente.
Andarilho
Manoel Constantino
Atravessador de séculos
rompo a dor no meio das
trovoadas.
Reinventada a chave
na pedra polida
recomponho o encontro.
O sol se põe.
A aurora monta os seus
cavalos.
E eu,
Senhor da solidão,
tento recompor a cidade
em mim.
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¹Valmir
Jordão é poeta, compositor, performer e colaborador do site DCP
Maravilhas, Valmir Jordão. viva a poesia!
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