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COMO ESCREVE EDSON JOSÉ AVLIS

Postado por DCP em 03/04/2022

Por https://comoeuescrevo.com/edson-jose-avlis/








Edson Avlis I Foto: Reprodução






Edson José Avlis é escritor, mestre em Literatura pela Universidade Federal de Alagoas.



Edson José Avlis nasceu em Ribeirão-PE, em 1986. Sua escrita transita entre a prosa e a lírica, especulação e ficção, religiosidade e quotidiano. Mestre em Estudos Literários [Ufal] e Doutorando em Teoria da Literatura [UFPE]. Professor de Literatura. Frequenta com assiduidade a Biblioteca P. Municipal Joaquim Nabuco, no Cabo de Santo Agostinho, PE.




Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?


Sempre sonho durante a noite. Sempre. A minha primeira ação do dia é me convencer que não morri no sonho anterior, tento me desembainhar do sonho. O despertar é uma hora perigosa, como pensava Kafka. Às vezes não tenho tanto tempo para pensar em sonhos, porque não há reflexão profunda que resista à superficialidade de um dia de trabalho. Detesto rotina e somente o trabalho me coloca nesse carrossel dos cavalos pesados do capitalismo.

 

Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita? 


Escrevo com muita frequência pela madrugada. Gosto do silencio entre os prédios e casas do bairro, como se eles me dissessem algo, ou esperassem que eu fale qualquer coisa. Desse silêncio pegajoso da madrugada já nasceram muitos textos meus. Além de indagar esse silêncio recheando as coisas, não tenho nenhum ritual antes de escrever.

 

Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?  


Não tenho nenhuma meta literária e posso passar até alguns dias sem escrever nada ou apenas relendo e refazendo textos. Na verdade, novos textos ficam amadurecendo na cabeça durante esses dias “sabáticos”. É a poesia que se concentra em mim, às vezes muito lentamente, intermitente ou, às vezes, em borbotões. Não consigo imprimir uma disciplina criativa, tanto mais quando se é um trabalhador muitas vezes constrangido pela rotina fordista. A poesia, pelo menos em mim, não acata a burocracia, antes, insiste em trabalhar nos interstícios, nas lacunas que os relógios ainda não abarcaram.

 

Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?


Como já disse, os textos ficam amadurecendo na minha cabeça, ficam me provocando, se eu não escrevê-los, posso apodrecer, adoecer com eles. Eles têm sua hora. Só começo a escrever depois desse processo que, muitas vezes, corre à minha revelia.


Não quero dizer que a escrita é um processo autômato e corroborar com a perigosa tese da inspiração do gênio. A poesia é trabalho, mas uma labuta que faz o ser humano enquanto o ser humano a faz, é uma dialética. Eu, do meu lado, gosto de respeitar o tempo da poesia, depois, costumo operar sobre o texto, corto, adiciono palavras. Somente nessa dialética texto/escritor pode surgir uma síntese que tradicionalmente chamamos de arte.


Quanto à pesquisa, sempre gostei dos textos que não são vistos como literatura, como os tratados de ciência ou os livros religiosos; sim, a ciência e a religião são mananciais, não de verdades ou dogmas, mas de mitos, motivos, provocações. Meu projeto Tratado de zoologia, por exemplo, surgiu das leituras de livros de biologia. Nessa translação da pesquisa à escrita, busco transformar as verdades científicas em poesia, uma forma de me vingar de um mundo instrumentalizado pelo saber fordista.

 

Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?


Como não tenho metas para minha escrita criativa, não gero expectativas e creio que as travas são “naturais” em mim, como eu disse, é o tempo que a poesia fica amadurecendo na cabeça. Esse é o lado bom de não ter um editor.

 

Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?


Muitas vezes, incontáveis vezes, até mesmo depois que os publico. Sou um escritor desconfiado de mim mesmo. Muitas vezes, publico alguns textos justamente para me livrar dessa “paranoia” da correção. Não costumo mostrá-los em seu processo de feitura, tenho vergonha.

 

Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?


Não tenho uma relação de amor e ódio com as novas mídias, a tecnologia agrega, diferente da tecnocracia, que separa. Penso que o grande avanço do papiro para o pergaminho foi a capacidade de fazer correção nos textos, nesse sentido, um computador é um grande avanço, aumenta ao infinito nossa capacidade de editar, refazer, além, claro, da sua capacidade de reprodutibilidade. É uma grande ferramenta e deveria estar ao alcance das pessoas, deveria ser libertado dessa tecnocracia que monopoliza os meios de produção. E sempre escrevo com o que está à mão, um guardanapo na mesa do bar ou meu notebook, mas gosto de guardá-los em arquivos digitais porque costumo perder ou esquecer as coisas, eis aí outro ponto positivo do computador à escrita: a memória.

 

De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?


As ideias de poesia ficam amadurecendo na cabeça mas nascem de diversas formas, das leituras de outros tipos de textos e de escritores e poetas que admiro, como João Cabral de Melo Neto, José Saramago ou Guimarães Rosa. É natural que as escritas nasçam de outras escritas, não há como tornar-se um bom escritor sem antes ser um leitor amadurecido. O ser humano, dizia Aristóteles, é um animal mimético, isso vai também para o desenvolvimento da nossa escrita. Mas a minha principal “fonte” são as pessoas, gosto de ver as pessoas sendo, gosto de observar certos atos e trejeitos desse bicho humano que meu espelho e meus olhos não conseguem captar em mim. Gosto de escutar o que elas falam. Ser pedestre e ser leitor são os hábitos que fazem com que a minha criatividade não morra.

 

O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?


Penso que estou mais consciente dos meus erros, não que eu tenha acertado mais, porém, estou errando com mais consciência, é o máximo que consigo fazer. O que eu diria a mesmo se pudesse voltar atrás: “Piche muros também, negro, poesia somente na internet não basta”.

 

Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?


Penso em escrever algo sobre uma historiografia renovada pela poesia. Como o Tratado de Zoologia busca renovar as ciências naturais. Mas é um projeto, está amadurecendo.


O livro que eu gostaria de ler e ainda não existe seria justamente esse Livro do Errado, a obrigação de um escritor é criar o texto que ele quer que exista: eis o desafio da literatura. 



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