A BELEZA DO INSTANTE NA POESIA DE LOURDES SARMENTO
Postado por DCP em 27/03/2022
Lourdes Sarmento é uma poeta robusta,
com preponderância sobre a linguagem. Sua poesia nivela-se pelo silêncio, e ao
mesmo tempo, se engrandece pelo tumulto das imagens.
De repente, o seu leitor deleita-se com
a riqueza dos presságios e com o murmúrio das águas. De repente, a poeta
dispara os seus cavalos e o tropel é uma ciranda deslumbrante.
A poesia de Lourdes Sarmento se
materializa através das mais delicadas palavras: pétalas, manhãs, girassóis,
paixões, estrelas, pássaros, acácias, borboletas... A sensibilidade é a tônica
em seu universo de símbolos.
Admiro sobretudo, a extraordinária
capacidade com que Lourdes Sarmento tece a arquitetura verbal do instante. São
sentimentos represados que o seu ser de beleza transforma em acontecimento
estético: “Ninguém pergunta / o nome da minha dor. / Quem sabe a diferença /
do vento que me reinventa? // Quem sabe o rio / que entrou no meu corpo / e
nunca mais me deixou?”.
Tamanha beleza somente se opera quando
se é vidente. Lourdes Sarmento é profética, genuinamente lírica e telúrica. A
poeta detém uma robustez de estranhamento com origem íntima, que se revela ao
chamado que vem do próprio existir, decerto, lembranças da infância e das
constelações do tempo.
Lourdes Sarmento escreve com uma alma a
saltar pelos dedos. Seu ritmo é passional e de uma fluidez selvagem
identitária. Seu registro também é divino, com suave devoção aos sonhos, que
mergulham no ciclo das raízes em fuga.
Outra torrente encantadora do seu
espetáculo metafórico é o erotismo. A poesia das sensualidades e dos desejos
encontra potência nos sustos indicadores de vida.
A experiência poética de Lourdes Sarmento é elevada. Poeta definitiva e amada que dobra os lençóis da noite e entrega a claridade da memória aos que bebem do seu manancial de mistérios: “Como quem lembra o território da infância / e o ama / só o poema cobrirá de acácias / a casa construída / pedra sobre pedra / onde habito e sobrevivo / nela guardo a voz das pedras / e o casulo do meu silêncio.”.
*Diego Mendes Sousa
é poeta e crítico.
POEMAS
DE LOURDES SARMENTO
ESCOLHIDOS
POR DIEGO MENDES SOUSA
SINFONIA
A palavra de Deus
me trouxe à vida
a palavra do amor
me fez mulher
ela, a palavra, só ela
fez-se punhal
cravou-me o peito.
O dia se fez noite
morreram girassóis
desataram todos os nós
nada me prendia
a terra
rompeu-se a ilusão
no ventre da terra: a solidão
TRANSFORMAÇÃO
o silêncio é a palavra
no casulo
demarca o caminho
entrega-se à beleza
constrói sozinho
sozinho libera-se
(do casulo à borboleta
sangra a vida)
CAVALO VERDE
Vem cavalo verde
neste agosto
e outros meses.
Trazes no teu tropel
o cheiro do mato
que me desperta
e me excita
quando a morte
já era meu pasto.
Vem horizontalmente verde
no vaivém de brisa
não importa tua rota
a cerca que nos cerca
é o espaço que me resta.
RECADO III
Onde minha palavra
estiver,
tu viverás dela.
Somos um só desejo
a única reserva,
enquanto para mim
é infinitamente difícil
despedir-me.
HOJE
Se a inveja circular
o meu pasto
grávido de luas
aprendam com minha dor:
o único bem que possuo
é a palavra
que se fez poema.
RECADO AO POETA
Se tu és poeta
respeita o que escreves
ele, sempre ele, é a voz
do universo
o maior amor dos teus amores
o companheiro fiel
que nada cobra
tudo aceita
menos teu desprezo.
ELE / O POEMA
O poema não me trai
feito do meu sangue e suor
escuta minhas paixões
de ontem
solidário no amor que me
alimenta
Não me censura, não deseja
o que construí com tanta luta
vem do coração à mente
Deita-se ao meu lado
como o filho que gerei
Entrega-me a primeira estrela
que surge para iluminar
o espaço que ocupo
É silêncio na dor e na vitória
É sempre ele que salva
a solidão que me amedronta
a resposta exata do que sonhei.
MURMÚRIOS
Escuta amigo:
o murmúrio das matas
o tropel do cavalo
que me desperta lembranças.
Eu preciso dos sons,
os pássaros me acompanham
os homens digitam mensagens.
Serão todos mudos?
Medo dos que sofrem?
Medo de escalar o muro
e nada encontrar?
A vida tem os sons da natureza.
Toda minha riqueza.
Sou, apenas, o dia de hoje.
Vem – tenho todos os sons
do mundo
presos na garganta do Tempo.
O RIO
Ninguém pergunta
o nome da minha dor.
Quem sabe a diferença
do vento que me reinventa?
Quem sabe o rio
que entrou no meu corpo
e nunca mais
me deixou?
(Lourdes Sarmento, Diego Mendes Sousa,
Astrid Cabral
e Aricy Curvello. Brasília-DF/Ano de
2008.)
Parabéns Diego pela pesquisa e poesias.
ResponderExcluirEbaaaaa, parabens.
ResponderExcluirwww.poetasilascorrealeite.com.br