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MANOEL DE BARROS: O POETA DAS INFÂNCIAS

 

Postado por DCP em 19/12/2021


Por Natanael Lima Jr. ¹






Manoel de Barros (1916 – 2014)








Manoel de Barros era conhecido como o “poeta das infâncias”, traz na sua poética um olhar simples para as coisas do cotidiano. Nascido em Cuiabá em 19 de dezembro de 1916, Barros estreou em 1937 com o livro Poemas Concebidos sem Pecado. Porém, a sua obra mais conhecida é o Livro Sobre Nada, publicado em 1996.

 

Cronologicamente vinculado à Geração de 45, mas formalmente ao Modernismo brasileiro, Barros criou um universo próprio — subvertendo a sintaxe e criando novas construções linguísticas, marcada, sobretudo, por neologismos e sinestesias, sendo, inclusive, comparado ao escritor João Guimarães Rosa.

 

Segundo ele, a cada poesia criada, é como se fosse criado junto com ela uma nova maneira de enxergar o mundo. Falava da infância como um território de liberdade, e propunha “criançamento” das palavras, ou seja, revolucionar a linguagem da forma como ela nos é apresentada, e fazer dela um cenário lúdico. 

 

Manoel de Barros faleceu em Campo Grande, Mato Grosso do Sul, no dia 13 de novembro de 2014.

 

O site DCP traz aqui alguns dos seus mais conhecidos poemas, nesta última postagem de 2021.

 

 

 

 

O apanhador de desperdícios

 

Uso a palavra para compor meus silêncios.

Não gosto das palavras

fatigadas de informar.

Dou mais respeito

às que vivem de barriga no chão

tipo água pedra sapo.

Entendo bem o sotaque das águas

Dou respeito às coisas desimportantes

e aos seres desimportantes.

Prezo insetos mais que aviões.

Prezo a velocidade

das tartarugas mais que a dos mísseis.

Tenho em mim um atraso de nascença.

Eu fui aparelhado

para gostar de passarinhos.

Tenho abundância de ser feliz por isso.

Meu quintal é maior do que o mundo.

Sou um apanhador de desperdícios:

Amo os restos

como as boas moscas.

Queria que a minha voz tivesse um formato

de canto.

Porque eu não sou da informática:

eu sou da invencionática.

Só uso a palavra para compor meus silêncios.

 

 

Retrato do artista quando coisa

 

A maior riqueza

do homem

é sua incompletude.

Nesse ponto

sou abastado.

Palavras que me aceitam

como sou

— eu não aceito.

Não aguento ser apenas

um sujeito que abre

portas, que puxa

válvulas, que olha o

relógio, que compra pão

às 6 da tarde, que vai

lá fora, que aponta lápis,

que vê a uva etc. etc.

Perdoai. Mas eu

preciso ser Outros.

Eu penso

renovar o homem

usando borboletas.

 

 

 

O fazedor de amanhecer

 

Sou leso em tratagens com máquina.

Tenho desapetite para inventar coisas prestáveis.

Em toda a minha vida só engenhei

3 máquinas

Como sejam:

Uma pequena manivela para pegar no sono.

Um fazedor de amanhecer

para usamentos de poetas

E um platinado de mandioca para o

fordeco de meu irmão.

Cheguei de ganhar um prêmio das indústrias

automobilísticas pelo Platinado de Mandioca.

Fui aclamado de idiota pela maioria

das autoridades na entrega do prêmio.

Pelo que fiquei um tanto soberbo.

E a glória entronizou-se para sempre

em minha existência.



Tratado geral das grandezas do ínfimo

 

A poesia está guardada nas palavras — é tudo que eu sei.

Meu fado é o de não saber quase tudo.

Sobre o nada eu tenho profundidades.

Não tenho conexões com a realidade.

Poderoso para mim não é aquele que descobre ouro.

Para mim poderoso é aquele que descobre as insignificâncias (do

mundo e as nossas).

Por essa pequena sentença me elogiaram de imbecil.

Fiquei emocionado.

Sou fraco para elogios.

 

 

 

Os deslimites da palavra

 

Ando muito completo de vazios.

Meu órgão de morrer me predomina.

Estou sem eternidades.

Não posso mais saber quando amanheço ontem.

Está rengo de mim o amanhecer.

Ouço o tamanho oblíquo de uma folha.

Atrás do ocaso fervem os insetos.

Enfiei o que pude dentro de um grilo o meu

destino.

Essas coisas me mudam para cisco.

A minha independência tem algemas



...

¹Natanael Lima Jr. é editor, poeta e produtor cultural



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