MARIA DE LOURDES HORTAS & VERNAIDE WANDERLEY – FRENTE A FRENTE
Postado por DCP em 26/09/2021
O DCP traz mais um grande encontro de poetas, no seu “Frente a Frente”. Nesta postagem a vez e a voz de Maria de Lourdes Hortas & Vernaide Wanderley, duas mulheres incríveis, unidas pelo companheirismo e pela força da palavra: “a palavra que nomeia, a palavra que traduz, a palavra que semeia”. Elas se alçam, com suas produções notáveis e vigorosas, agora em seu apogeu do dizer, do pensar e do sentir, ao mais alto nível da poesia brasileira deste século.
Maria de Lourdes Hortas
nasceu em São Vicente da Beira, Portugal em 1940. Aos dez anos, acompanhando a
família, veio para o Recife onde vive até hoje. Escritora representada em
antologias nacionais e estrangeiras. Bacharel em Direito pela Universidade
Federal de Pernambuco (1964) e licenciada em Letras pela FAFIRE (1976). Foi
galardoada com vários prêmios literários, entre os quais o do Secretariado
Nacional de Informação, Lisboa, pelo livro de estreia Aromas da Infância, 1964.
Durante várias gestões, foi diretora cultural do Gabinete Português de Leitura
de Pernambuco, onde, paralelamente, dirigiu e coordenou a revista Encontro da mesma instituição.
Participou da coordenação do Movimento
das Edições Pirata, Recife de 1980 a 1986. Tem 11 livros de poesia
publicados, reunidos no e-book POESIA REUNIDA de MARIA DE LOURDES HORTAS,
2016, PANAMÉRICA/Nordestal, Recife. Organizou as antologias Palavra
de Mulher, poesia feminina brasileira contemporânea (1979, Ed.
Fontrana, RJ); Poetas Portugueses Contemporâneos, e A cor da Onda por dentro
(poesia para crianças, Recife, 1985/ Ed. Pirata. Como ficcionista publicou os
romances Adeus Aldeia, Diário das Chuvas e Caixa
de Retratos, traduzido e publicado em Buenos Aires (2008). Em 2019,
publicou Nos Bastidores da Poesia, Imagética Edições, Recife, 2019,
reunião de textos sobre escritores brasileiros e portugueses.
Vernaide Wanderley
é escritora e poeta, sertaneja da cidade de Patos/PB. Na década de 60 migrou
para o Recife, onde reside até hoje - tornando-se paraibana-pernambucana para
sempre. Formou-se em Biologia/Sociologia e tem Mestrado (Recife-PE) e Doutorado
em Geografia Humanística, com aporte na literatura, pela Universidade Estadual
Paulista – UNESP, Rio Claro –SP. Participou do grupo de escritores que reabriu
a União Brasileira de Escritores, em 1985 (UBE- Recife-PE), fez parte da direção
da entidade por duas gestões consecutivas. E participou do grupo de base do
Movimento Pirata (1980-1984). Publicou poemas na imprensa local, nacional e tem
participação em antologias nacionais e estrangeiras. Publicou os livros: Tatuagem
(poesia). Recife: Edições Pirata, 1981; Litorgia – Ou Poemas Com Rimas
Vermelhas. João Pessoa: Editora União, 1987 (Prêmio Othon Bezerra de Melo/1985,
da Academia Pernambucana de Letras; Prêmio Guararapes/1986, da União Brasileira
de Escritores – Seção Rio de Janeiro-RJ); Duas histórias de guia. Recife:
Companhia Editora de Pernambuco/CEPE, 1ª ed. 1991, 2ª ed., Edições Bagaço, 1992
(Prêmio Luís Jardim – Literatura Infantil/1990 – FUNDARPE-PE); Rota
dos inocentes (conto-poema). Recife: Fundação de Cultura Cidade do
Recife/CEPE, 1992; As raízes que invadiram a casa (romance). São Paulo: Editora
Patuá, 2012 (Menção Honrosa do Prêmio Lucilo Varejão – Ficção/1995 – Secretaria
de Educação e Cultura da Prefeitura do Recife); Geometria das pedras – Poemas
Reunidos. Recife: NovoEstilo. 2019; Viagem ao sertão brasileiro – Uma
visão geo-sócio-antropológica de Ariano Suassuna, Euclides da Cunha e Guimarães
Rosa (co-autoria) – CEPE/FUNDARPE, Governo do Estado de Pernambuco, 1997
(Menção Honrosa de Prêmio Casa Grande e Senzala/1998 – FUNDAJ); A
PEDRA DO REINO – SERTÃO VIVIDO DE ARIANO SUASSUNA – Tese de
Doutoramento, IGCE/Universidade Estadual Paulista, Rio Claro –SP (Menção
Honrosa do Prêmio Nelson Chaves de Teses sobre o Norte e Nordeste Brasileiros,
1998 – FUNDAJ, Recife-PE).
MARIA DE LOURDES HORTAS &
VERNAIDE WANDERLEY – FRENTE A FRENTE
NAVEGAÇÕES
Maria de Lourdes
Hortas¹
“A
minha pátria é a língua portuguesa”
(Fernando Pessoa)
A minha pátria, sim,
por certo
é também aquela
ilha caverna
dentro de mim
lugar onde é possível
revisitar sempre
o êxtase da fábula da
infância
ouvindo a música
secreta
dos temporais do
gênese
no perdido paraíso.
A minha pátria é
toda essa engrenagem
de dizer
minha casa de ser
permanente textura
de tudo o que penso e
digo e escrevo e canto
pelos quatro cantos
da vida
sempre com o gosto
agreste
das urzes e das rosas
do mel e do pão
das chuvas e do vento
das giestas e da
serra.
Tinhas razão, poeta:
A pátria da gente é
mesmo a nossa Língua.
Assim, eu mesma sou a
minha terra.
POR
QUE NÃO CONFESSAR
Vernaide Wanderley²
que reina preconceito
em contundentes
matizes
aqui onde habitamos,
país que nos possui?
Maldizentes
discursamos nas
trincheiras,
estandartes são
hasteados
por estirpes sem
pudor
que esgarçam até
partir a faixa
branca da esperança.
Amarelo se desfazendo
em ocre, argila
oxidando
as vinte e sete
estrelas
de nossa Bandeira.
RESPEITÁVEL
PÚBLICO
Maria
de Lourdes Hortas
O
poema é o chicote
com
que espanto as feras
neste
circo
neste
palco
nesta
arena.
Domadora
as enfrento
para
que não me ataquem:
meu
canto, capa branca.
MORTE
DO CAFETÃO
Vernaide Wanderley
(Às
Mulheres sem Voz)
No terminal do cais,
pitangas e carambolas
encantam-se em
resinas
lacas de sóis sobre
sobrados,
putas, mendigos e o
recinto
solene das vestes e
anéis
que decidem os
desatinos de Laura
- dente de ouro no
corpo caído.
O vai-e-volta de meias
e ligas nacaradas
confundem-se com o
preto cetim das togas
e leis unívocas de
homens e tomos.
Laura é ofertório e
súplica,
puta-menina de rios e
de punhais
peitos que mais se adolescentam
a cada sentença e
perfuram
sua própria alma e a
da cidade
- fardo indefensável
de dias comuns.
O vai-e-volta de
meias nacaradas
aquieta-se, ouve-se
choro sobre as ligas
sobre códigos, sobre
esvoaçantes vestidos
e o rangido
enferrujado das grades.
POST-SCRIPTUM
Maria de Lourdes
Hortas
Havia o meu convite
para um chá
que tomaríamos na
varanda
ao fim da tarde
quando o azul do mar
enverdecendo
se pontilhasse
de regatas e pombas.
Porém subitamente
o poeta foi chamado
para a travessia
do mais largo oceano.
No calendário
de contratempos
ficou tarde
para aquela tarde
de chá e chocolates
Mozart, poesia e
rosas.
VALIDADE DOS AMANTES
Vernaide Wanderley
Sei que estou no lugar marcado,
poucos lampiões resistem
à noite em desgoverno:
romaria de barcaças
vão sendo quebradas
uma a uma
pela fúria do vento e
ameaça de borrasca.
Meu corpo sinaliza cansaço,
luzes piscam intermitentes
como de antecipassem
endechas,
o relógio da lua corre
por trás das nuvens
prenhas de chuva
e o amor demora tanto...
tanto e mais quantos tantos
até apagar o prazo
de validade dos amantes.
......................
¹Poemas
de Maria de Lourdes Hortas extraídos do livro Fonte de Pássaros, Cia Pacífica, 1999/Recife.
²Poemas
de Vernaide Wanderley extraídos do livro Geometria
das Pedras, Novoestilo – Ed. do autor, 2019/Recife.
Que beleza de diálogo entre poemas e poemas! Fá dessas duas! Parabéns Natanael pela edição!
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