MAURO MOTA E JOAQUIM CARDOZO: FRENTE A FRENTE, POEMA A POEMA
Postado por DCP em 15/08/2021
Mauro
Mota e Joaquim Cardozo
Imagens
arquivo DCP
O site DCP traz nesta postagem dois
notáveis poetas pernambucanos: Mauro Ramos
da Mota e Albuquerque e Joaquim Maria Moreira Cardozo – frente a frente, poema a poema. Ambos
nascidos no oitavo mês do ano e sob a égide da ‘terra dos altos coqueiros’.
Mauro
Mota
nasceu em Nazaré da Mata, município pernambucano da Zona da Mata, em 16 de
agosto de 1911 e faleceu no Recife, em 22 de novembro de 1984. Foi um
jornalista, professor, poeta, cronista, ensaísta e memorialista. Foi
redator-chefe e diretor do Diario de Pernambuco; colaborador literário do
Correio da Manhã, do Diário de Notícias e do Jornal de Letras do Rio de Janeiro.
Foi diretor executivo do Instituto Joaquim Nabuco de Pesquisas Sociais; diretor
do Arquivo Público de Pernambuco; membro do Seminário de Tropicologia da
Universidade Federal de Pernambuco e da Fundação Joaquim Nabuco. Foi membro do
Conselho Estadual de Cultura de Pernambuco e do Conselho Federal de Cultura.
Foi membro da Academia Pernambucana de Letras e da Academia Brasileira de
Letras. Como poeta, destaca-se por suas Elegias,
publicadas em 1952. Nessa obra figura também o Boletim sentimental da guerra do Recife, um dos seus poemas mais
conhecidos e elogiados. Sua poesia é de fundo simbólico, sobre temas
nordestinos, retratando dramas do cotidiano em linguagem natural e espontânea.
Joaquim
Cardozo
nasceu no Recife, em 26 de agosto de 1897 e faleceu em Olinda, em 4 de novembro
de 1978. Foi um engenheiro estrutural, poeta, contista, dramaturgo, professor
universitário, tradutor, editor de revistas de arte e arquitetura, desenhista,
ilustrador, caricaturista e crítico de arte. Era poliglota, conhecedor de cerca
de quinze idiomas. Engenheiro responsável pelos projetos estruturais que
permitiram a construção dos mais importantes monumentos de Brasília e do
Conjunto Arquitetônico da Pampulha (MG) - obras mais complexas da carreira do
arquiteto Oscar Niemeyer. Seu livro de estreia Poemas foi publicado em 1947. Conviveu com os poetas pernambucanos
e modernistas Manuel Bandeira e João Cabral de Melo Neto. Ao todo, foram onze
livros publicados, dos quais se destacam o inaugural Poemas, que teve prefácio do poeta Carlos Drummond de Andrade, um
dos seus maiores admiradores, duas de suas obras teatrais, O Coronel de Macambira e De
uma Noite de Festa, e suas Poesias
Completas. O Livro Aceso e Nove
Canções Sombrias foi seu último livro, publicado postumamente, em 1981. Cardozo
pertenceu a Academia Pernambucana de Letras.
MAURO MOTA E JOAQUIM CARDOZO: FRENTE A FRENTE,
POEMA A POEMA
ELEGIA Nº 2
Mauro Mota
Eternizo
os teus últimos instantes:
quero
esquivar-te ao derradeiro arquejo;
quero
que, aos meus ouvidos, ainda cantes
nossa
canção de amor, quero; desejo
ter-te
ao meu lado como tinha dantes.
Na
fronte exausta, do outro mundo um beijo
sinto.
Foz de tua alma. Bem distantes,
seus
cabelos castanhos soltos vejo.
Tinha
a certeza de que voltarias.
Ouviste
a minha voz, e de mãos frias
chegas
ansiosa! (Foi tão longa a viagem!)
Que
palidez na face! Inutilmente
busco
abraçar-te: Foges, que és somente
sombra,
perfume, ressonância, imagem.
(Elegias,
1952.)
AQUARELA
Joaquim
Cardozo
Macaíbeiras
chovendo
Cheiro
de flor amarela;
Cheiro
de chão que amanhece.
Estavas
sob a latada
Quando
te abri a janela.
Cheiro
de jasmim laranja
Pelos
jardins anoitece;
Junto
a papoulas dobradas,
Num
canteiro florescendo,
A
tua saia singela.
Macaíbeiras
chovendo
Cheiro
de flor amarela...
Não
sei se és tu, se eras outra,
Não
sei se és esta ou aquela,
A
que não quis nem me quer,
Fugindo
sob a latada
Nessa
tarde de aquarela.
Macaíbeiras
chovendo
Cheiro
de flor amarela...
ELEGIA Nº 3
Mauro Mota
De
mim perto, bem perto, junto, unida,
como
nunca estiveste, agora estás.
Foste
e ficaste — estranha despedida,
reino
de sombras, de silêncio e paz.
Tua
presença é eterna, eterna é a vida
que,
feliz, para sempre, viverás.
Morta
é a morte, levaste-a de vencida,
não
nos separaremos nunca mais.
Quando
chegar meu derradeiro instante,
ó
noiva ausente num país distante,
nossos
amigos todos ouvirão
vozes
e cantos, músicas e abraços.
Dos
fantasmas que formos nos espaços
será
o encontro sem separação.
(Elegias,
1952.)
IMAGENS DO
NORDESTE
Joaquim
Cardozo
Sobre
o capim orvalhado
Por
baixo das mangabeiras
Há
rastros de luz macia:
Por
aqui passaram luas,
Pousaram
aves bravias.
Idílio
de amor perdido,
Encanto
de moça nua
Na
água triste da camboa;
Em
junhos do meu Nordeste
Fantasma
que me povoa.
Asa
e flor do azul profundo,
Primazia
do mar alto,
Vela
branca predileta;
Na
transparência do dia
És
a flâmula discreta.
És
a lâmina ligeira
Cortando
a lã dos cordeiros,
Ferindo
os ramos dourados;
–
Chama intrépida e minguante
nos
ares maravilhados.
E
enquanto o sol vai descendo
O
vento recolhe as nuvens
E
o vento desfaz a lã;
Vela
branca desvairada,
Mariposa
da manhã.
Velho
calor de Dezembro,
Chuva
das águas primeiras
Feliz
batendo nas telhas;
Verão
de frutas maduras,
Verão
de mangas vermelhas.
A
minha casa amarela
Tinha
seis janelas verdes
Do
lado do sol nascente;
Janelas
sobre a esperança
Paisagem,
profundamente.
Abri
as leves comportas
E
as águas duras fundiram;
Num
sopro de maresia
Viveiros
se derramaram
Em
noites de pescaria.
Camarupim,
Mamanguape,
Persinunga,
Pirapama,
Serinhaém,
Jaboatão;
Cruzando
barras de rios
Me
perdi na solidão.
Me
afastei sobre a planície
Das
várzeas crepusculares;
Vi
nuvens em torvelinho,
Estrelas
de encruzilhadas
Nos
rumos do meu caminho.
............................................................
Salinas
de Santo Amaro,
Ondas
de terra salgada,
Revoltas,
na escuridão,
De
silêncio e de naufrágio
Cobrindo
a tantos no chão.
Terra
crescida, plantada
De
muita recordação.
O CÃO
Mauro Mota
A Edson Néri da Fonseca
É
um cão negro. É talvez o próprio Cão
assombrado
e fazendo assombração.
Estraçalha
o silêncio com seus uivos.
A
espada ígnea do olhar na escuridão
separa
a noite, abre um canal no escuro.
Cão
da Constelação do Grande Cão,
tombado
no quintal, espreita o pulo:
duendes,
fantasmas de ladrão no muro.
O
latido ancestral liberta a fome
de
tempo, e o cão, presa do faro, come
o
medo e a treva. Agita-se, devora
sua
ração de cor. Pois, louco e uivante,
lambe
os pontos cardeais, morde o levante
e
bebe o sangue matinal da aurora.
(Itinerário,
1975.)
TARDE NO
RECIFE
Joaquim
Cardozo
Tarde
no Recife.
Da
ponta Maurício o céu e a cidade.
Fachada
verde do Café Máxime.
Cais
do Abacaxi. Gameleiras.
Da
torre do Telégrafo Ótico
A
voz colorida das bandeiras anuncia
Que
vapores entraram no horizonte.
Tanta
gente apressada, tanta mulher bonita.
A
tagarelice dos bondes e dos automóveis.
Um
carreto gritando — alerta!
Algazarra,
Seis horas. Os sinos.
Recife
romântico dos crepúsculos das pontes.
Dos
longos crepúsculos que assistiram à passagem
[dos
fidalgos holandeses.
Que
assistem agora ao mar, inerte das ruas tumultuosas,
Que
assistirão mais tarde à passagem de aviões para as costas
[do
Pacífico.
Recife
romântico dos crepúsculos das pontes.
E
da beleza católica do rio.
Dois dos maiores poetas de PE, excelente!!!
ResponderExcluirDois grandes poetas. Poemas abissais. Bravo!
ResponderExcluirQue maravilha! Dois abismais poetas da nossa terra!
ResponderExcluirDois grandes poetas que souberam amar e cantar o Recife.
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