ANA MARIA CÉSAR: A PALAVRA QUE SEMEIA
Postado
por DCP em 29/08/2021
Ana
Maria César
(Anna Maria Ventura de Lyra e César) é pernambucana do Recife. Nasceu e
pretende se encantar entre os rios Capibaribe e Beberibe. Morou em Garanhuns,
Carpina, Caruaru, mas é o Sertão de seus pais – Amaro de Lira e César, poeta e
desembargador (Cajazeiras-PB), e Áurea Ventura de Lira e César (Monteiro-PB) –
que traz dentro de si. Embora viva no litoral, tocada pela brisa do mar,
circundada de rios e canais, é o sol do Sertão que lhe castiga os olhos, a
pele, a alma.
Bacharelou-se em Direito pela
Faculdade de Direito da Universidade do Recife (atual UFPE) e em Letras
Neolatinas, pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade
Católica de Pernambuco. Trabalhou no Serviço Nacional de Aprendizagem
Comercial-Senac, por quase 30 anos. Hoje, vive exclusivamente da Palavra: fala,
escreve, revisa, ensina. A Palavra é seu instrumento de vida, sua maneira de
ser, e será também o selo de sua eternidade.
Publicou os livros: Lira
e César - Juiz de Caruaru (ensaio biográfico); A Bala e a Mitra (ensaio
histórico - Prêmio de Ensaio Vânia Souto Carvalho, da Academia Pernambucana de
Letras - Segunda edição, publicada em 2007, com dois capítulos a mais e
subtítulo: novos tempos e verdades
antigas); 50 anos do SENAC em Pernambuco
(resgate histórico);O Tom Azul (romance-monólogo - Prêmio
de Ficção Dulce Chacon, APL); Versos Voláteis (Vinte e três poemas
aliterados); Habemus Panem – memórias de uma época (memórias e reflexões); No
limiar do tempo (30 poemas em tempo vário); A Faculdade Sitiada (resgate
do movimento estudantil da Faculdade de Direito do Recife); Habemus
Vinum – antimemórias do absurdo - romance experimental; Último
porto de Henrique Galvão (ensaio histórico); Poemas arcaicos & outros mais
(poesias); Três homens chamados João — uma tragédia em 1930 (ensaio
histórico).
Participa das antologias: Contistas
do 3º Milênio; Flora e Fauna nos Trópicos; Corpo
Lunar (poesia); Retratos – a poesia feminina
contemporânea em Pernambuco; Pernambuco, terra da poesia – um
painel da poesia pernambucana dos séculos XVI ao XXI. Panorama do Conto em Pernambuco,
Cronistas em Pernambuco, Um grito pelo Capibaribe.
Integra diversas entidades culturais: Academia
Pernambucana de Letras, Academia Recifense de Letras, Academia de Letras e
Artes do Nordeste Brasileiro, União Brasileira de Escritores e Sociedade
Brasileira de Médicos Escritores (sócia-honorária).
CINCO POEMAS DE ANA MARIA CÉSAR
Poema arcaico II
Não
faço versos porque quero
mas
porque o tempo dos relógios me confunde
e
a insânia dos ventos me atormenta
Não
sei de onde vêm
os
versos que faço
chegados
na chuva
trazidos
no vento
Eles
me caçam
me
acham
versos
vadios
versos
gastos
passados
de mão em mão
nos
tempos de todos os tempos
nas
cores de canções
nas
rodas de verões
versos
já ditos escritos repisados
por
multidão de tresloucados
poetas
em suas horas incautas
versos
antigos, arcaicos
perdidos
na contramão das estradas
versos
mortos que renascem
nas
minhas mãos.
A Lâmina
A
lâmina da faca
desvenda
o âmago do fruto
e
desnuda o reverso da linha.
Maçãs
translúcidas
abocanham
o vazio.
Lembranças
tenras
somem
no oco da lua.
O
tronco da baraúna
rompe
o dorso do rio
em
acrobacias metálicas.
O
mistério se esvai
na
trilha do incognoscível
rompendo
o fino fio da vida.
Bilhete a Drumnond
Ah!
Drummond
lidar
com máquinas
é
mais que luta vã
pois
de palavras sabemos
imersos
em assombrados dilemas
do
viver divergente
do
pensar abstrato
Já
as máquinas
objetivas
inconsequentes
e insidiosas
dissimuladas
em meandros lineares
disfarçadas
em lógicas frias
enganam
e tripudiam
nosso
pensar vago e circular
Digito/deleto
acesso/encerro
subjugada
aos tropeços
de
estranho instrumento binário
que
me ordena
astuciosamente
-
encerre o programa -
ou
simplesmente
se
fecha em copas
e
nada mais diz.
Uso
ferramentas
que
se negam obedecer
mas
resisto e insisto
pois
luto por dois
de
um lado
a máquina
do
outro
as palavras.
-
qual luta é mais luta -
responde,
Drummond.
Heterônimo
Criei
um heterônimo
agora
vou viver desbragadamente
como
Fernando Pessoa.
Discurso
em campo de trigo
Sou
fantasma em campo de trigo
desabusadamente
farta
do
pão ázimo que me querem impingir
desde
os tempos em que macieiras brotavam no deserto.
O
joio
-
essa gramínea tóxica de folhas ásperas -
tem
sido meu sustento
enquanto
as gordas espigas amarelas são dadas ao porcos.
Não
aceito evasivas
prefiro
certezas cruas a verdades dúbias.
Venho
de caminhadas rubras e longas
por
remotos desertos árticos,
sigo
pegadas de animais extintos
mumificados
e presos em oceanos profundos,
embarco
em naves translúcidas,
navego
mares insólitos
à
cata do epicentro do mito
onde
ponto e contraponto se cominam.
Danço
e pisoteio e chafurdo
a
esfinge milenar do ancestral malogro.
Desmonto
a fraude
refaço
a gesta
e
só então retornarei ao campo de trigo.
Seus poemas, Ana Maria César,sempre belos e profundos. Abraço da amiga.
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