POEMAS ENTRE GERAÇÕES: o encontro, os versos e o tempo
Por Diego Mendes Sousa*
Capa: Reprodução
“Poemas entre Gerações” (Sieart, 2020) é uma coletânea composta por
sessenta poetas de diversos matizes, de todas as idades, nascidos ou não no
Estado do Piauí, mas que possuem a cidade litorânea da Parnaíba, berço do Delta
do Rio Parnaíba, como eixo de produção cultural.
O livro foi idealizado por Claucio Ciarlini e a organização ficou a
cargo dele e de José Luiz de Carvalho, ambos escritores piauienses e membros da
Academia Parnaibana de Letras (APAL), sendo essa Casa de intelectuais uma
instituição literária que já abrigou nomes nacionais e de peso histórico como, Fontes Ibiapina (1921-1986), Renato Castelo Branco (1914-1995) e João Paulo dos Reis Velloso
(1931-2019), bem como ainda preserva as inteligências de Assis Brasil (1932-) e de Alcenor
Candeira Filho (1947-).
Os organizadores manifestaram à guisa de prefácio: “(...) no que se revelou mais uma vez a rica diversidade de escolhas e
estilos, desde o soneto rigorosamente metrificado ao poema livre (...)”.
Dentre os escritores presentes na obra, destaco a decana Maria Christina de Moraes Souza Oliveira
(1935-), educadora de proa, a quem faço reverência pela representatividade de
mestra de muitos parnaibanos.
“Poemas entre Gerações” ganha relevo com as dicções poéticas consagradas
de Ednólia Fontenele, Elmar Carvalho e Kenard Kruel.
Ressalto que a maioria dos autores é de poetas de primeira sede em
formação estética, à procura de uma voz própria, descobrindo caminhos e sem
livros individuais publicados.
Da leitura atenta do opus, suscitaram a minha sensibilidade, sete poetas: Aírton Porto, Carlos Pontes, Carvalho Filho, Daltro Paiva, Daniel Glaydson Ribeiro, Jailson Santos Sousa Júnior e Rosal Benvindo.
Aírton Porto é filho da Parnaíba. Sua poesia é metafísica, com meandros filosóficos,
comunicante, com iluminações líricas sofisticadas.
Carlos Pontes é cearense do Cariri. Experiente, sintético e renovador. Seus versos
são espirituosos e plásticos.
Carvalho Filho é parnaibano e herdeiro dos clássicos de língua portuguesa. Sabe
investir nas imagens e nas metáforas. Há em seus poemas símbolos e releituras
alegóricas.
Daltro Paiva é detentor de uma leveza verbal admirável. Sua poesia é música. Solista
real, geográfico, temporal e tocante.
Daniel Glaydson Ribeiro é um poeta cintilante. Possui vocação
extraordinária. Seus poemas são maduros e cristalinos.
Jailson Santos Sousa Júnior tem fertilidade anímica. Sua peça “O último verso” é de uma beleza
rilkeana, comovente. É auspicioso e talentoso.
Rosal Benvindo é teresinense, da gleba natal do genial Mário Faustino (1930-1962).
Exímio sonetista, artista exemplar e completo. Tem o sublime dom da magia das
palavras.
O título “Poemas entre Gerações” é
composto ainda por Alberto S. Furtado, Alcenor Candeira Filho, Alexandre César,
Altevir Esteves, Amparo Carvalho, Ana Flávia Valois, Anailton Fontenele,
Antônio Gallas, Antônio José S. Sales, Artur de Paiva, Benedito Lima, Claucio
Ciarlini, Dante Ponte de Brito, Diego Mendes Sousa, Edna Santos, Eduardo de
Moraes, F Gerson Meneses, Fernando Ferraz, George da Silva, Israel Machado,
Jaque Bezerra, Jefferson Portugal, João Paulo Santos, José Luiz de Carvalho,
Jota Cunha, Josiel Barros, Karoline de Carvalho, Leonardo Silva, Lívia Marceli,
Luana Silva, Marcello Silva, Marciano Gualberto, Maria Dilma Ponte de Brito,
Maria do Rosário Pessoa Nascimento, Morgana Sales, Narcisa Alfonso, Paulo
Costa, Paulo Couto, Renato Lopes, Renato Bacellar, Rodrigo Ciarlini, Socorro
Brasiliense, Sousa Filho, Thaís Fontenele, Tiago Fontenele, Wallisson Sudaro,
Wilton Porto, Yeda de M. S. Machado e Zilmar Junior.
Na abertura de “Poemas entre Gerações”
diz o jurista Roberto Cajubá: “Uma
simbiose cultural entre gerações, com a ousadia dos jovens, a experiência dos
mais velhos e a maturidade de todos que buscam aprender com as qualidades de
cada um.”.
A importância de “Poemas entre
Gerações” está exatamente no encontro de poetas vivos e atuantes, com os
seus versos registrados para o além tempo, a mapear um memorial de vozes e de
linguagens, que são testemunhos do presente e do futuro lírico da encantadora
Parnaíba, cenário do romance “Beira Rio Beira Vida” (1965), belo título lírico
escrito pelo notável parnaibano Assis Brasil.
*Diego Mendes Sousa é poeta parnaibano. Advogado e Jornalista.
SETE POETAS ESCOLHIDOS
POR DIEGO MENDES SOUSA
AÍRTON PORTO:
O VELHO MONGE E EU
Enquanto singra o barco
sobre o velho monge
rasgando-lhe a pele em sulcos profundos,
meus pensamentos
vagam para o outro lado
do mundo, como o rio corre para o mar.
Enquanto murmura o rio sofrido pelo duro golpe,
meus pensamentos flutuam
remoendo a minha sorte.
O rio agoniza indo para o mar;
me desespero indo para a morte.
No mar, torna-se o rio um oceano;
com a morte, me tornarei saudades.
CARLOS PONTES:
OSSOS
Dos que não têm poesia
na carne e na alma,
sobram ossos.
CARVALHO FILHO:
UM POEMÁTICO EM CRISE
Silente
e
ardente.
A poesia
é
sintoma,
hematoma
de um sol
desmembrado.
As
vestes em fogo.
O riso é faca,
meus
sonhos,
pesos.
Animosidade,
um suspiro.
Ponteiros convictos,
murmurantes.
DALTRO PAIVA:
BIOGRAFIA
sou
atlântico
mata e oceano
sou do juremal
das
dunas
das
falésias
das areias e do sal
sou dos cajueiros
potiguar
piauiense
sou das pedras
praia do
meio
pedra do
sal
sou do
verde
azul e branco
das
estrelas
do astral
sou dos mares
das marés
manguezal
sou dos
rios
dos igarapés
potengi
igaraçu
sou da mata
branca
da caatinga litorânea
da mata de transição
da mata
dos cocais
eu sou
eu sou
eu sou
sou um filho de meu pai
DANIEL GLAYDSON RIBEIRO:
CONTINUAÇÃO
A Gonçalves Dias e
Oswald
Era uma vez minha terra
tinha palmeira e palmares
hoje tudo queima
e a Flor-
esta
cinza pelos ares:
cinza que cobre estrelas
fumaça enforca dores
ouro-lama afoga gente
num rio tóxico
Rio Doce
os quilombos e as aldeias
que diziam ‘demarcadas’
são o intermitente cenário
de guerra das bandeiradas
minha terra, mina
nem sei mais se é terra ou veneno
e tudo continua sendo
para o progresso
de São Paulo.
JAILSON SANTOS SOUSA JÚNIOR:
O ÚLTIMO VERSO
Meu verso é uma asa de anjo
que corta vidas, mares, céus
e que busca um repouso de tudo.
Meu verso é uma garça triste
que enfeita as veredas
com seu voo branco e belo.
Encerra-se nele a minha dor
que nos dias continua.
As colinas se aproximam.
Aponto meu verso para cima.
Toco as cordas do céu.
ROSAL BENVINDO:
SAL.
(Parte do poema Crônica da Rua Monsenhor Lezama)
nome de rua não havia mais
nem chassis numerações pintores nem
o mar caído aquém de vista nem
propósito alheio vadio a passar
não havia bruma de incenso
sorvendo os móveis do quarto
a caber o mistério do quarto
com um vagaroso Ouroboros serpente
nem nada que ali de fato
houvesse havia ante a ausência
erguida em tudo além do ato
havia tuas pernas a inundar
a trêmula carne intensa
dos meus lábios salgados
Nenhum comentário