A INFLUÊNCIA POÉTICA E OS PROPÓSITOS ATREVIDOS EM LUIZ AYRTON SANTOS JUNIOR
Por Diego Mendes Sousa*
Uma requintada edição em papel couché,
publicada pela conceitual Avant Guarde,
em 2013, marca a estreia poética do arraigado teresinense Luiz Ayrton Santos
Junior (1961-) caracterizando uma fusão dos seus absintos sensíveis singulares
com as suas visões viventes intertextuais.
Adjacentes as suas próprias
experimentações, eis que surge o frutífero diálogo com os seus eleitos, dentre
eles, os conterrâneos Torquato Neto e Mário Faustino, além das pessoais
aproximações com Cacaso e Ana Cristina César, que teve a felicidade de conhecer
no espaço underground da Livro 7, no
Recife.
Poeta viajado desde a infância,
constam no seu mapa sentimental, setenta e dois países, inclusive toda a
América Latina, percorrida de carona e de trem, incluída ainda a caminhada pela
Trilha Inca para Machu Picchu, em emocionante aventura juvenil. De todos esses
elementos, a dicção literária de Luiz Ayrton Santos Junior se engrandeceu. Há
uma passagem larga, onde o eu lírico diz: “sentir
é preciso conhecer / os determinantes do tempo”.
Da sua vivência em Pernambuco, foi
articulador da Revista Cirandinha, idealizada no Piauí pelo notável poeta,
crítico literário e membro da Academia Piauiense de Letras, Francisco Miguel de
Moura (1933-).
Sempre íntimo da boa literatura, Luiz
Ayrton ainda representou o Estado de Pernambuco nas cinco primeiras edições da
Mostra Visual de Poesia Brasileira, no Rio de Janeiro.
Também por essa época, nos idos e nos
seus verdejantes anos da década de 80 do século passado, Luiz Ayrton Santos
Junior escrevia com o pseudônimo de Ayrton Santa Ágata, onde conseguiu emplacar
vários dos seus belos poemas nos famosos periódicos Diario de Pernambuco e
Folha de S. Paulo.
Muito estudioso, fez-se Médico
renomado, da Academia de Medicina do Piauí, bem como Professor Doutor das
Universidades Públicas do seu torrão natal. É colecionador de documentos
oficiais e antigos, de moedas, de mapas e de fotografias históricas, sendo um
dos melhores memorialistas piauienses.
A elegância da sua poesia tem o
compromisso com a vida. Seus ninhos imagéticos voam com os pássaros dos seus
versos: “sei que nunca / pássaro da
solidão pousam ninhos / nos corações atentos / aos complementos da vida”.
Além de “Objeto Presença”, Luiz Ayrton Santos Junior é autor de “O Branco da maçã e outros lapsos”
(Avant Guarde, poesia, 2015), que confirmam os propósitos atrevidos de um
precioso artista.
Seu poema “Serviço” é um clássico! Sua linguagem é perspicaz, suave e aberta.
Enxerga o tempo sem medo, com transparência amorosa: “o gesto é o espelho dos segredos”.
Gosto, sobremaneira, do seu ritmo
infalível, com ironia e desespero: “peço
que ponhas o meu ventre / sobre a sua mesa // rasgarei meus dias”.
Nessa banca de cousas líricas, “a carne só é faca / quando a alma/ nunca é
foice”, a poesia de Luiz Ayrton Santos Junior guarda muitos segredos,
revelados na subjetividade das ausências de outrem.
*Diego Mendes Sousa é
Poeta piauiense. Advogado e Jornalista.
Luiz
Ayrton Santos Junior I Foto: Reprodução
POEMAS DE LUIZ AYRTON SANTOS
JUNIOR
ESCOLHIDOS POR DIEGO MENDES SOUSA
SERVIÇO
Já escreveram sobre todos
os temas
Já escreveram sobre
todos os versos
Comeram até a gema
Do universo
E eu
Muito mais blasé do que esperto
Dei-me uma peixeira
para matar o tempo
CÃO
Escrevi um poema
ao meu cão de guarda
chuva
nas páginas
finas de um guarda
napo
poema surdo
mudo cego louco
num disfarce latir
esquadrejado
Inscrevi meu cão
em um poema
desguardado
no guardanapo fino
da desilusão
poema fundo
ultra mundo sujo
que lambeu meu gosto
envenenado
DOMINGO
Domingo
horas que a vida
limbo
toda tarde domingo
bate saudade
horas que ardem
tanto no céu quanto
no chão
corações ao vento
não há sim nem há não
horas que a vida
margem
NOITE
Não
sei se vinga
uma
noite onde adentra
uma
madrugada
mas
ficar vê-la mágica ilícita
esse
contato ocular
me
estorna
e
me medra
quando
a noite vem engordando
meu
pensamento vago
lascivo
secreto vivo
por
ti procura e ousa
mas
se vivo como um pássaro sozinho
num
limpo ninho
calo
PRESENÇA
enquanto tua presença
virava ausência
os pássaros da
solidão
pousavam enormes
ninhos
no meu coração
pássaros roxos,
pássaros negros
com dores de corpo
inteiro
nunca quis mudar as
formas
talvez o tempo, esse
tempero
eleja suas funções
espero
esperando outros
pássaros
abri as arapucas das
minhas razões
CAVALHEIROS
estou em paz com
narciso
em tamanhos em
palavras em amigos
e não podia começar
melhor
lambendo meus
próprios pelos
CERTEIRO
bem pelas costas
da minha mão
atingiu-me com um não
PECADO
jura de quatro
aquele que fez
sete pecados
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