CONTO DE FERNANDO FARIAS (ANABELA)*
Anabela
(conto) de Fernando Farias
Foto:
Divulgação
Escritor
Fernando Farias
Noivas sempre atrasam. Anabela ainda
estava sendo maquiada. O padre Jorge já sabia disso e mesmo com a igreja cheia,
continuou a ver o jogo.
O sacristão arrastando os pés avisou que o
noivo já estava no altar. O padre foi urinar, escovou os dentes e deu milho
para as galinhas no quintal. Só quando escutou a marcha nupcial saiu da
sacristia.
Abriu a Bíblia, assuou o nariz e
observou o excesso de rosas na decoração. Viu o João, o noivo, trêmulo ao lado
da sogra que vestia um roupão que parecia ser feito de restos de uma cortina. A
mãe disse baixinho que ele agora não podia mais desistir. Tinha dado a palavra
de homem. Os convidados barulhentos se levantaram voltados para a porta.
Do altar, o padre viu que quatro
homens entraram carregando um caixão fúnebre. De passos lentos, caminharam até
onde estava o noivo e os padrinhos. Abriram a tampa do caixão.
João se aproximou. Anabela. Vestia um
longo vermelho. Mãos cruzadas sobre o peito. Pele mais branca, uma suave
maquiagem. O silêncio quebrado com tosses e alguns choros. O cheiro das rosas
misturado ao do cadáver.
Na última fila, dona Dolores explicava
baixinho ao motorista da funerária que Anabela morreu há uma semana antes do
casamento.
Foram nove anos de noivado à
distância. O João trabalhou nas construções de edifícios em São Paulo para
juntar dinheiro para o casamento. Mas demorou muito. Chegou de ônibus um dia
após o falecimento.
Foi de morte morrida. Morte de saudade
acumulada, desta que a ansiedade é tanta que explode o coração.
Mas o casamento foi mantido, revela
dona Dolores. Conservaram a Anabela no gelo, corpo em pé dentro de um tonel até
a data marcada. Para espantar o cheiro, molho de pimenta e cebolas.
O motorista explicou que estava com
outro caixão vazio no carro, não sabia para quem era a encomenda e escutou o
padre dizer “agora pode beijar a noiva”.
Os lábios de João beijaram a boca
ressecada de Anabela. Caiu um dente. Era Anabela e não a Bela Adormecida.
Antes de sair da igreja João deitou-se
no outro caixão, colocou algodão no nariz, acenou para pessoas e beijou a mão
da mãe. E os dois caixões foram fechados.
Vendedores de pipocas, picolés e doces
seguiam o cortejo pelas ruas da cidade de Bodocó. À frente, a filarmônica
desafinava a Marcha Fúnebre. Os padrinhos do casamento seguravam as alças dos
caixões. O calor daquele céu sem nuvens de dezembro.
Ainda escutaram batidas apressadas.
Gritos abafados. Aranhar na tampa do caixão. O Padre Jorge mandou os coveiros
jogarem mais pás de terra.
Afinal, o que Deus uniu o homem não
separa.
CONTO DE FERNANDO FARIAS (ANABELA)*
Reviewed by Natanael Lima Jr
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08:02
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Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirMuito bom. Final inusitado.
ResponderExcluirEsse conto é cômico ao mesmo tempo é triste, e surpreendente, no fim chega ser maldoso ,coitadinho do noivo kkkkk
ResponderExcluirEsse conto é cômico ao mesmo tempo é triste, e surpreendente, no fim chega ser maldoso ,coitadinho do noivo kkkkk
ResponderExcluirEsse conto tá muuuuuuuuuuito bom :)
ResponderExcluirTaiomarys Barros :)
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluiruau, sempre criativo! muito bom ler seus contos
ResponderExcluirMuito bom. Dá arrepios. Parabéns. Gostei muito.
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