O Conto da Semana
Macumba Mental
(Conto) de Fernando Farias
Amélia não acreditava em macumba e estava sendo
traída.
Descobriu que o marido mantinha relações com uma
colega de trabalho. A tal de Maria Madalena. Quando soube que a amante não era
uma jovem bonita até que pensou em perdoar o marido. Mas ao saber que a amante
era muito inteligente, revoltou-se, não podia admitir e tentou a vingança.
As amigas sugeriram procurar uma mãe de
santo. Resistiu inicialmente, mas na
sexta-feira, à meia noite, foi ao terreiro de Mãe Carminha de Iemanjá.
Entre despachos e galinhas degoladas na
encruzilhada, Amélia pediu ao espírito da Pomba Gira que ocorresse um grave
acidente com a amante metida à sabida. Podia ser um atropelamento, uma perna
quebrada, uma caganeira de dez dias ou quem sabe, ser estuprada com um grupo de
dez caminhoneiros. Entregou todas as informações sobre a depravada, telefone,
endereço e descrições das roupas bregas que usava. Ao sair pagou dois mil reais
pelo trabalho.
Amélia tentou acreditar na força dos espíritos
invisíveis. Que as sete velas pretas acesas aos pés da imagem de Oxóssi desencadeariam
uma série de energias maléficas que provocariam os acidentes ou a morte da
traidora. Bichinha metida á merda.
No outro dia, Maria Madalena chegou ao trabalho. Encontrou um envelope de papel vermelho
e anônimo. Uma carta relatava que seu amor secreto já era do conhecimento da
esposa do Menelau. No final revelava que sofreria um acidente, muito grave,
conforme despacho acertado com uma mãe de santo.
Maria Madalena acreditava em macumbas.
Fez orações, assistiu uma missa. Tomou um banho de
sal de pedra e sete ervas. A cada instante sentia-se seguida por ameaças
desencarnadas invisíveis. Como uma sombra de nuvens sobrenaturais. Na mesma
manhã faltou energia e ficou presa no elevador. Sentiu dores de cabeça. Caiu ao
subir pelas escadas. Um telefonema, uma voz grave de homem, avisou que poderia
morrer naquela mesma tarde. Entrou em pânico. Quebrou um copo de vidro e
menstruou-se fora do dia certo. .
Estava presa no trânsito quando faltou combustível
no carro. Quase foi atropelada. Recebeu duas multas. Foi assaltada e atropelou
um gato preto. Ao chegar a casa encontrou o pessoal do corpo dos bombeiros que
tinha evitado um incêndio maior. Apenas a cozinha estava destruída. Chorou. Foi
um dia de azar, a bruxa estava mesmo solta, a macumba estava fazendo efeito.
Tomou outro banho de rosas brancas com defumador de alfazemas. Teve que
desentupir o ralo do banheiro. E cantou o ponto de Exu.
No outro lado da cidade, Amélia ainda enciumada
revelou ao marido que sabia da traição. Mulher mais inteligente só na porrada.
Contou até que mandou fazer uma macumba contra a amante no terreiro de Mãe
Carminha e que Zé Pelintra ia brochar o pau dele. Esperava um acidente ainda
para aquela noite. Dizendo-se arrependido o marido ligou para Maria Madalena e
contou tudo que sabia. Tinha medo das coisas do Xangô. Pediu um tempo. Um tempo
para acalmar a esposa e evitar a separação dos bens. Não podia perder o
Chevette.
Maria Madalena foi até o terreiro e ofereceu cinco
mil reais para reverter o despacho. Mãe Carminha aceitou e Maria Madalena teve
que dançar nua, beber cachaça, fumar um charuto e comer farinha com sangue de
bode. “Na Umbanda tem, na Umbanda tem, caboclo bom pra trabalhar....”
Depois que a cliente se foi a Mãe Carminha
repartiu o dinheiro com a equipe que desligou o elevador, a menina que doara um
gato preto, com os rapazes do assalto, com os meninos que atearam fogo na
cozinha e o senhor de voz grave. Em seguida, disfarçando a voz, telefonou para
Amélia informando que a amante do Menelau esteve em outro terreiro de candomblé
e que o feitiço viraria contra a feiticeira. Agora ela sofreria um acidente,
Exu Caveira já estava no seu calcanhar.
No outro lado da cidade, Amélia, que não
acreditava em macumba, desligou o telefone, e foi tomar um banho imaginando uma
surra na maldita já que macumba não funcionava. Ligou o chuveiro, escorregou e
quebrando as pernas e o crâneo.
Mamãe Carminha voltou à biblioteca de psicologia
do terreiro e releu o livro sobre envenenamento mental. Sorriu ao lembrar que a
superstição atrai o azar.
O Conto da Semana
Reviewed by Natanael Lima Jr
on
10:47
Rating:
Parabéns! Fernando o conto é rico em detalhes e a parte de não perder o chevette é formidável. Adoro esses contos, mas não quero conversa com macumba kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk.
ResponderExcluirMeu amigo Fernando:
ResponderExcluirComo sempre criativo. Amei o seu conto e ele tem um fundo de verdade. Certas coisas só acontecem, porque nós, "espertos" que somos, damos crédito a tudo que passa diante de nós. Não gosto dessas coisas de "macumba", em todo o caso... Saravá Meu Pai!
Parabéns, beijos!
Lígia Beltrão
É DE LASCAR UMA COISA DESSAS! ONDE JÁ SE VIU BRINCAR COM COISAS SÉRIAS. CUIDADO COM A FORÇA DE YANSÃ, GUERREIRA DOS VENTOS E DAS TEMPESTADES!!!!!!!
ResponderExcluirKkkkkk achei muito divertido Fernando. Também não quero conversar com macumba. �� Bjs
ResponderExcluirMeus Parabéns, Gostei do Conto, Acredito na Umbanda,feitiços essas coisas Citadas, Mais certo que o Feitiço vira contra o Feiticeiro.
ResponderExcluirAbs.
Legal mesmo. Gostei da forma como a história se desdobra em vários desfechos, falsos desfechos, dando fôlego ao conto.
ResponderExcluirrsrsrs! Muito bom, simples e divertido... Era disso que eu precisava neste domingo. Irei a macumba rogar por mais contos destes!
ResponderExcluirLegal o conto, adorei as descrições. Lá no fundo, é bem verdade...
ResponderExcluirBeijos!
beleza de conto, Fernando, nos faz pensar na nossa gente e no quanto somos reféns de nossas superstições.
ResponderExcluirNivaldo Tenório
Verdadeiro azar da Amélia!
ResponderExcluirFernando foi mau ao quebrar as pernas e crânio dela. :D
O dinheiro é que manda 5 mil é mais q 2 mil KKKKKKKKKKKKKKKKKKK'
ResponderExcluirBom trabalho , sempre com humor e temas reais ! :) Sucesso
ResponderExcluirLeitura empolgante,linguagem popular,manifestações culturais e uma questão interessante: até onde vai a questão do acreditar?
ResponderExcluirBem interessante! Gostei.
ResponderExcluirMeu avô sempre dizia um ditado verdadeiro, que às vezes o feitiço, vira contra o feiticeiro.não quero conversa com macumba, que fique bem longe de mim.
ResponderExcluirEu caí na gargalhada ao ler a frase de abertura: "Amélia não acreditava em macumba e estava sendo traída." [ou seja: não havia esperança pra ela nem no sobrenatural]. entretanto, ao ir lendo o conto, percebi que o narrador vê o candomblé a partir de pontos de vista preconceituosos. ele não sabe, por exemplo, que não se acende velas pretas para Oxóssi. se o narrador soubesse disso, ele teria feito algum comentário sugerindo ao leitor a falta de compromisso de "Mãe Carminha" com a religião, pois as cores têm uma simbologia importante tanto para o candomblé, quanto para a umbanda e para a jurema. "Mãe Carminha" mistura todas essas religiões e o narrador parece não perceber. portanto, o narrador deixa transparecer seu preconceito contra o candomblé, um preconceito que muitas pessoas têm e que se origina no racismo [é uma religião de negros] e por não ter base judaico-cristã. os comentários de vários leitores do conto atestam esse preconceito: "não quero conversa com macumba". charlatanismo tem em toda religião, eu sei e você também sabe. mas o narrador não tem essa percepção, embora o narrador tenha fechado o conto chamando atenção para as superstições.
ResponderExcluirAdorei, adorei mesmo.. HEHEHE não precisa ser especialista pra sacar as misturas (des)conexas e no fim, pra mim, o narrador parece um ateu intelectualóide que simplesmente não dá importância pra nada e por não dar importância não busca se aprofundar.. ele acaba trazendo reflexões de uma cultura arcaica, quase medieval, quase de influência das igrejas medievais que são tão comuns hoje!
ResponderExcluirÉ uma alegria receber tantos comentários. E, pelo teor, destaco a honra de receber um comentário do digno doutor em letras Johnny Martins. Além de ser uma autoridade nos cultos da Umbanda e do Candomblé, pelos quais tenho admiração, as suas observações muito me alegram, por receber carinhosa atenção. Longe de mim qualquer desrespeito a estas crenças. E o Johnny está certo, bem certo, quando mostra que o narrador confunde as coisas e demonstra desconhecer detalhes mais profundos desses cultos. Minha amiga escritora Rosa Bezerra que faz comentários acima também me falou desse erro. Vamos compreender o narrador. O autor é culpado pelo crime de não pesquisar, não conhecer o assunto ou de se ater a apenas um dos cultos. Mas, não será este emaranhado um objetivo neste conto? Não se trata de um conto sobre os cultos. Mas, sobre a superstição. Sobre a compreensão que as duas personagens têm desses cultos. Em parte, as ações e misturas são feitas por elas. E que a personagem Mãe Carminha, de clara má fé, se aproveita disso para embaralhar ainda mais, pelo dinheiro e usando métodos psicológicos para conseguir seu atento. Apesar de tantos elementos “religiosos” soltos no conto, o pano de fundo mesmo é a expressão “Sorriu ao lembrar que a superstição atrai o azar”. E o autor não tirou isso do nada. Não foi de sua linda imaginação. Como toda história tem uma história antes, posso dizer que este conto é baseado em fatos que presenciei na Cidade de Maceió, na década de 80, na casa de meu pai, Natanael Alves Farias, envolvendo o próprio, a sua esposa Tarcília, uma senhora chamada Bernadete e muitas outras pessoas. Eu e meu irmão Geraldo Barros observamos, na época, que eles adotavam os métodos de envenenamento mental. Na prática, utilizavam de influências da auto-sugestão, do medo do sobrenatural e de canalizar para as pessoas as energias do ódio e da vingança. Na minha avaliação e de minhas irmãs, até a morte chegar o meu pai estava mergulhado nesta mistureba que, ainda hoje, encobre algumas sobrinhas minhas naquela cidade e, anos depois, vi o mesmo acontecer em outras famílias, aqui no Recife. Mais recentemente no Alto de Santa Isabel. Como não é um longo romance e sim um pequeno conto, o autor que vos escreve pecou pela síntese. A ignorância com a beleza dos símbolos do Candomblé e da Umbanda nos leva a assistir estas opiniões, às estas práticas nocivas e até a um autor que podia pesquisar mais ou pedir, antes de publicar, orientação de quem entende do assunto. Mas agora o conto tem vida própria. EPAREY OYÁ
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirPor influência do comentário do autor do conto "macumba mental", quero agradecer a todos que contribuíram com seus comentários, e aproveito o ensejo para tb agradecer a visita a este espaço dedicado a literatura.
ResponderExcluirEspaço muito interessante e aproveito para parabenizar meu amigo Fernando. Mais um texto interessante e divertido.
ResponderExcluirGina Imperial
Sempre um bom conto. Fernando. Parabéns. Maria José
ResponderExcluirÉ interessante como as pessoas se apegam ha coisas que não compreendem, pelo fato de ter ouvido alguém comentar. Não discuto sobre o que não tenho conhecimento suficiente. E mesmo que eu conheça, costumo avaliar se vou contribuí em algo de bom na vida do outro. O texto foi muito interessante. Obrigado por nos presentear com informações preciosas para nosso dia a dia. Ana Cristina.
ResponderExcluir