Lêdo Ivo: Das Alagoas um Desbravador da Palavra
por Cássio Cavalcante*
Foto: Reprodução
Lêdo Ivo
1924 – 2012
“O
poeta não deve crer nos anjos, mas nas palavras que os criam.”
Lêdo
Ivo
Festa literária de Marechal Deodoro
2012, em um dos debates mais interessantes que assisti, o escritor Antonio
Torres, com um livro grande e acredito que pesado nas mãos, disse: “Este é a
minha bíblia, quando leio essas páginas me vem inspiração.”Era o livro: Poesia
completa 1940 – 2004”. Edição da Topbooks/ Braskem, de Lêdo Ivo. Em um outro
momento da Flimar, no stand enquanto aguardava o lançamento de meu livro, o vi
na calçada do Centro Cultural do Banco do Nordeste, com um blazer bege e calças largas, andava, nem devagar, nem tão pouco
ligeiro, simplesmente andava. O cumprimentei, ele me respondeu com um aceno e
passou. Passou o homem, o poeta, em mim ficou a visão do mito. Foi a primeira
vez que o vi pessoalmente. Mais tarde foi simpático e paciente em mais uma
solicitação de foto. Dessa vez pelo um grupo de amigos escritores vindos de
Pernambuco, formado por mim, Frederico Spencer e Natanael Lima Junior.
Nasceu em Maceió em 1924, filho de
Floriano Ivo e Eurídice Plácido de Araújo Ivo. Casou com Maria Leda Sarmento de
Medeiros Ivo (1923-2004). Seu início na literatura se deu no ano de 1944,
quando publicou “As Imaginações”, poesia, e em 1945 lançou “Ode e Elegia”, que
mereceu o Prêmio Olavo Bilac, da Academia Brasileira de Letras. Afirmou que o
leitor é o coautor do texto. Explicou que os biógrafos empenham-se em explicar
a obra a partir da vida, quando o correto é exatamente o contrário: trata-se de
explicar a vida a partir da obra. Do paralelo entre a Poesia e a Cultura
alertou: “A poesia é uma criação da cultura, mas esta deve permanecer invisível
no poema”. Sobre a transparência humana sentenciou: “Na vida precisamos sempre
usar máscaras, pois ninguém nos reconheceria se nos apresentássemos de rosto
nu.”. Lêdo Ivo afirmou, explicou, alertou e sentenciou, mas acima de tudo
viveu, em Alagoas, no Brasil e no mundo.
Em 13 de novembro de 1986, sucedendo
Orígenes Lessa, foi eleito para a Academia Brasileira de Letras. Tomou posse em
07 de abril de 1987. Sobre o livro “Cartas de Inglaterra” do fundador da cadeira que ocupou, Rui Barbosa,
disse em seu discurso de posse que o conjunto de ensaios que forma o livro está
para a literatura brasileira como os ensaios de Macaulay para a literatura
inglesa. Foi o quinto escritor que ocupou a cadeira de nº 10.
Nos últimos tempos com quase noventa
anos tinha uma vitalidade de se admirar. Falava alto, gostava de comer bem, e
era mestre em contar casos divertidos. Mas com tudo isso era dono de uma saúde
frágil. Em dezembro passado dias antes do Natal, almoçava num restaurante, em
Sevilha, na Espanha. Passou mal, voltou para o hotel onde recebeu atendimento
médico, mas antes de ser encaminhado para o hospital, faleceu. Se a morte não
tivesse lhe batido a porta, na semana seguinte retornaria a sua terra, Maceió.
Lá tinha uma agenda de trabalho a cumprir. Foi um correto explorador do vasto
oceano das letras.
Recife, Boa Viagem, o jornal
que li no início
desta manhã data 12 de janeiro de 2013.
III Festa Literária de Marechal Deodoro –
Alagoas/2012
Foto: Frederico Spencer, Cássio Cavalcante
Lêdo Ivo e Natanael Lima Jr
*Cássio Cavalcante é escritor
DOIS POEMAS DE LÊDO IVO
CEMITÉRIO DOS NAVIOS
Aqui os navios se escondem para morrer.
Nos porões vazios, só ficaram os ratos
à espera da impossível ressurreição.
E do esplendor do mundo sequer restou
o zarcão nos beiços do tempo.
O vento raspa as letras
dos nomes que os meninos soletravam.
A noite canina lambe
as cordoalhas esfarinhadas
sob o voo das gaivotas estridentes
que, no cio, se ajuntam no fundo da baía.
Clareando madeiras podres e águas estagnadas,
o dia, com o seu olho cego, devora o gancho
que marca no casco as cicatrizes
do portaló que era um degrau do universo.
E a tarde prenhe de estrelas
inclina-se sobre a cabine onde, antigamente,
um casal aturdido pelo amor mais carnal
erguia no silêncio negras paliçadas.
Ó navios perdidos, velhos surdos
que, dormitando, escutam os seus próprios apitos
varando a neblina, no porto onde os barcos
eram como um rebanho atravessando a treva!
Nos porões vazios, só ficaram os ratos
à espera da impossível ressurreição.
E do esplendor do mundo sequer restou
o zarcão nos beiços do tempo.
O vento raspa as letras
dos nomes que os meninos soletravam.
A noite canina lambe
as cordoalhas esfarinhadas
sob o voo das gaivotas estridentes
que, no cio, se ajuntam no fundo da baía.
Clareando madeiras podres e águas estagnadas,
o dia, com o seu olho cego, devora o gancho
que marca no casco as cicatrizes
do portaló que era um degrau do universo.
E a tarde prenhe de estrelas
inclina-se sobre a cabine onde, antigamente,
um casal aturdido pelo amor mais carnal
erguia no silêncio negras paliçadas.
Ó navios perdidos, velhos surdos
que, dormitando, escutam os seus próprios apitos
varando a neblina, no porto onde os barcos
eram como um rebanho atravessando a treva!
SONETO PURO
Fique o amor onde está; seu movimento
nas equações marítimas se inspire
para que, feito o mar, não se retire
das verdes áreas de seu vão lamento.
Seja o amor como a vaga ao vago intento
de ser colhida em mãos; nela se mire
e, fiel ao seu fulcro, não admire
as enganosas rotações do vento.
Como o centro de tudo, não se afaste
da razão de si mesmo, e se contente
em luzir para o lume que o ensolara.
Seja o amor como o tempo — não se gaste
e, se gasto, renasça, noite clara
que acolhe a treva, e é clara novamente.
nas equações marítimas se inspire
para que, feito o mar, não se retire
das verdes áreas de seu vão lamento.
Seja o amor como a vaga ao vago intento
de ser colhida em mãos; nela se mire
e, fiel ao seu fulcro, não admire
as enganosas rotações do vento.
Como o centro de tudo, não se afaste
da razão de si mesmo, e se contente
em luzir para o lume que o ensolara.
Seja o amor como o tempo — não se gaste
e, se gasto, renasça, noite clara
que acolhe a treva, e é clara novamente.
Lêdo Ivo: Das Alagoas um Desbravador da Palavra
Reviewed by Natanael Lima Jr
on
10:37
Rating:
Prezado Cássio, parabéns pelo texto.
ResponderExcluirO bom de se fazer coisas boas na vida é que não se morre tão facilmente. Lêdo nos deixou boas obras.
Abraços,Adriano Marcena.
Verdade Adriano. Agradecemos seu comentário e visita.
ResponderExcluirNatanael Lima Jr
Editor
Saudades...
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