ELAS POR ELAS
Postado por DCP em 08/03/2023
*Edição especial em comemoração ao Dia Internacional da Mulher
ANA MARIA CÉSAR
“Dia 8
de março são todos os dias das mulheres que marcham e marcam sua presença em
terra de rosas e espinhos.”
O
tempo
No limiar do tempo ausente
quando todas as portas se
fecharam
construí eclusas e ventanas
nos portais dos rios e das
casas
e depois saí por ruas pardas
semeando despencados dias
no intervalo de noites
matizadas
Foi então
que o tempo
se fez presença
e novamente o céu
se fez de chumbo
e das águas revoltas
se fez corrente
e na terra enfim
refez-se a vida.
CECI ALENCAR
Representa uma data comemorativa,
oficializada pela Organização das Nações Unidas, em alusão à luta das mulheres
por manifestações, greves, protestos na esteira da revolução industrial do
século XIX e século XX.
Apraz-me anuir sobre a data, para
além de ser comemorativa, é uma instância para a resistência da luta das
mulheres. É o dia do grito, da reverberação, da incessante luta que as mulheres
travam e hão de continuar face aos arrogos que teimam em coibir direitos.
Valho-me dos últimos anos para citar
a postura da República que exortou pelo veio do “patriotismo”, a bandeira verde
amarela para consolidar a misoginia. As mulheres se levantaram e alçaram grito,
a bandeira tremulou pelos ventos da liberdade e a República cedeu.
Outros crimes são noticiados a cada
momento, com resquícios de violência, assédio, feminicídio, racismo. Há um
legado do Brasil colônia em cada gesto, em cada postura. Modelos escravocratas
regem práticas nos ambientes de trabalho, em contratos ilegais e, até legais.
Os avanços se dão numa velocidade que
não acompanhamos a despeito da tecnologia, de modernas descobertas científicas,
mas andam para traz os direitos humanos como que na contramão.
Não podemos calar, é nossa voz que
inibe, coíbe, defende. Somos muitas, somos fortes, queremos igualdade de
direitos.
Citá-las? Faço a opção de lembrar elas, que atuaram na cena brasileira: Maria Celeste – poetisa, presa política, Dra. Naide Teodósio – médica perseguida na ditadura, Cristina Tavares - parlamentar atuante, Nise da Silveira médica psiquiatra, transformou a política de saúde mental, presa, era do partido comunista, PCB. Por elas derivamos, somos células na militância política, somos o sonho que não acaba, sempre, pelos direitos de liberdade.
Ela por elas
Por tanta cumplicidade
És a primeira a trazer
Para a luz, o feto à vida
Que em ti foi concebida
O direito de nascer
Tu representas as raças
És o fruto e a semente
És o canto e a canção
És a luta, a união
Na educação, presente
Tens no corpo o leite ímpar
No peito que alimenta
O útero é órgão perfeito
Gera, aninha e é o leito
Nada mais nobre se inventa
Margarida, Mariele
Pela luta destemidas
Tombaram, injustiçadas
Pelo perfil, condenadas
Ceifaram as suas vidas
Assim é a violência
Assim a misoginia
Assim jaz o preconceito
Assim se tolhe o direito
Nas cenas do dia a dia
Mulheres que já morreram
Lutando por liberdade
Mulheres que não votaram
Os seus direitos negaram
Um crime à moralidade
Paulista, 04 de março de 2023
JULIA LEMOS
“Parece lugar comum afirmar, mas todo
dia é dia do ser feminino. E o contraponto do feminino não é o masculino e sim
as vulnerabilidades com que toda mulher se depara no seu caminho. Como mulher,
e tenho um orgulho humilde de minha condição, vou conhecendo a minha
fragilidade, mas ela é o lado anterior à força e o poder com que vou
sobrepujando medos, hesitações, vacilos. Toda ternura, todo amor, toda emoção
com a riqueza das nuances presentes na natureza, se concretam no ser mais belo
que existe, a mulher.”
Simplesmente, mulher
Não sou de fado,
sou da melodia soprada
sob os luares de Março.
Não culpo meus pais.
Artífice de minha própria
vida, levanto-me das cinzas.
Faço meus dias
entre enredos, lutas
e a fragrância da madressilva.
Meu sol não arrefece pois
trago-o dentro de mim inteiro.
O motivo de ser assim
sou eu mesma,
junto com todas as outras.
Meu nome é Julia
mas também gosto
que me chamem
simplesmente, mulher.
LOURDES NICÁCIO E SILVA
“Nesta data, 8 de Março, reverencio
as mulheres em toda a sua plenitude, ressaltando a princípio nomes que muito se
destacaram no Brasil pelo pioneirismo: na música (Chiquinha Gonzaga,
compositora e pianista, 1ª mulher no Brasil a estar à frente de uma orquestra,
1885); na medicina ( Rita Lobato Velho, 1ª médica formada no Brasil, 1887); na
Magistratura (Margarida Cantarelli, 1ª desembargadora da Corte do Tribunal
Regional Federal da 5ª Região, 1999, sendo a única mulher a presidir o TRF5 de
2003 a 2005); nas letras (Nélida Piñon, primeira mulher presidente da Academia
Brasileira de Letras, 1996, 1997; Fátima Quintas, primeira mulher presidente da
Academia Pernambucana de Letras, 2012 a 2016), entre outras que alcançaram
notoriedade nos diversos setores sociopolítico e cultural. Reverencio
especialmente as mulheres que, mesmo não contempladas em seus projetos de
avanço a igualdades de gênero, a exemplo das bravas sertanejas, agricultoras,
lavadeiras, pescadoras, lenhadoras, mantiveram-se firmes, de pé, em louvável
enfrentamento de desafios. E são muitos os desafios ainda a serem enfrentados
por todas nós mulheres, principalmente para aquelas menos cultas, menos
favorecidas pelo equilíbrio lar/ trabalho/ direitos garantidos. Esta data
merece, sim, profundas reflexões em torno da mulher e do seu reconhecimento.”
Convocação
Não vês
que um vento leste
já te levou das mãos
as flores da noite?
Agora, vai!
Abre-te as comportas
molha essas terras
e convoca os semeadores
de ti mesmo
Então sentarei contigo
à mesa
e provarei
dos frutos brancos
dos teus outonos.
LOURDES SARMENTO
“Acho
interessante ter uma data comemorativa ao dia da mulher. Sobretudo saliento que
o mais importante é abrir espaços de trabalho para as mulheres dentro de suas
áreas de atividades. A mulher tem várias missões na vida sobretudo ser
companheira do homem no lar ou fora dele. Na vida. No trabalho e no sonho.”
Recado
1
As
pessoas mudam
o
tempo segue veloz
o
desencanto da vida
é não
regar com ilusões
as
estações do tempo vivido
não
importa perder o sonho
a
linguagem dos olhos
fica
no coração
de
quem fez do momento
um
possível caso de amor
MARIA DE LOURDES HORTAS
“O “Dia da Mulher” significa que, em
pleno século XXI, as mulheres ainda não conseguiram a sua emancipação e
continuam tão discriminadas quanto outros grupos a quem, igualmente, são
dedicados “dias de homenagem” como, por exemplo, índios e negros - todos eles
parecendo ser vistos como excluídos do gênero humano. Penso que a humanidade só
será realmente civilizada quando essas datas forem excluídas do calendário
universal.”
Os autos do processo
Acossada em abismos sem beiras
esfolhada aos mil ventos errantes
torturada na
espera de instantes
invadida por todas as fronteiras.
Demolida desde os campanários
afogada à margem das torrentes
esquecida em câmaras flutuantes
desterrada além dos calendários.
Enganada em jogos malabares
violada nos túneis mais silentes
saqueada de pátrias e ocidentes
estilhaçada pó de cristal nos ares.
Arrastada por um tropel sem freio
cravada por sabres bivalentes
diluída em passados-presentes
repartida alma cortada ao meio.
(in ROMARIA, ed. Macabéia, RJ, 2022)
NOÉLIA RIBEIRO
“Neste 8 de março, quero destacar a
importante representatividade da mulher na literatura brasileira, com a
conquista de mais espaço no mercado editorial (e fora dele), assim como o
enfrentamento aos desafios impostos pelo preconceito do qual nós, escritoras ou
não, somos alvo. Certamente, houve mudanças, mas ainda se faz necessário
permanecermos juntas e na luta. Muito obrigada ao DCP por dar voz às poetas. E
viva o Dia Internacional da Mulher!”
Fome de quê?
As rugas surgiram após rever
fotos antigas, édens acidentais.
Na cozinha, minha gata bebe água em
silêncio,
o mesmo silêncio do Buda sobre a mesa
de centro
(o mesmo que antecede este poema).
O peixe que comprei para o jantar
embrulharam numa folha de jornal com
a foto
de mulheres afegãs no aeroporto de
Cabul,
abaixo da foto de mulheres indígenas
em Brasília.
Quase ouço suas vozes, seus gritos.
O desespero das afegãs
A revolta das indígenas
O olho indagador do peixe
O silêncio de Cora
As rugas que não somem
O prato cheio que não mata minha fome
TACIANA
VALENÇA
“Dia 8 de março representa para mim
esse nosso eterno estado de alerta e de luta. Não podemos esmorecer, somos
proibidas de descansar. Num breve cochilo podemos acordar furtadas, podem nos
levar as mais suadas conquistas! Temos que estar sempre mobilizadas e lutando
pelos mais básicos direitos. Somos úteros de todas as vidas e é preciso
mostrar, sempre, quem somos e o respeito que o mundo deve ter por nós. Algo que
naturalmente deveria ser respeitado. Mas não, os filhos dos úteros através dos
quais foram alimentados se rebelam e se revelam incapazes de suportar essa
dádiva que virou dívida para todas nós, mulheres.”
Ousadia
Incrustada sobre as pedras
já não me emociono ou me comovo,
asas soltas de anjos entre bestas
feras,
mundo de medonhos gritos que já nem
ouço.
Partiram o pão, levaram os pedaços.
Riram da arte, do mundo fizeram
deboche.
Desfeitos foram tantos sonhos e
laços;
arregalo os olhos entre vazios
fantoches.
Donde estará o grande poderoso?
Olho das pedras, sim, petrificada.
Qual será enfim o ápice do seu gozo?
Terra em chamas, abandonada?
E me olho no espelho,
no fartar de um breve existir,
peço ao Universo luz e conselho
carga maior de força no resistir.
Na palidez destes versos tristes,
regados a chá de pau e canela,
aborto este mundo que insiste,
preparando o próximo chá de panela.
TEREZA
MORAES
“O dia
8 de março me faz refletir sobre os direitos, as lutas e os preconceitos
vividos pelas mulheres durantes os séculos. A mulher tem que exercer um papel
de coragem e fé constante, sempre buscando o melhor caminho para conquistar
seus sonhos e ideais na vida.”
Incondicional
Mãe,
Universo
Singular
Ligeiras
ações,
Hoje e
sempre seu dia
Eleva e
busca amar,
Resgata
o somar da vida.
Lutas
e Glórias
Sem
medo,
Segue
o horizonte...
Brilha.
O sal,
O suco
e o gosto.
A bula
e o termômetro.
O doce
que evita o amargo.
Ser
mulher
Desbravar.
Dama
de amor incondicional,
Toque
e retoque
Detalhes,
amar, detalhes
Filhos
e filhas
Amores
infinitos.
Ela
que se faz e refaz
Com
luta,
Fé,
garra e coragem.
Vence
as dores,
O
caos,
O
preconceito.
Marias,
Joanas, Dianas...
Rainhas,
princesas, mulheres.
Vamos
celebrar este dia?
VERNAIDE WANDERLEY
“A comemoração do Dia Internacional
da Mulher (8 de março) tem como embrião a primeira luta de operárias nas
fábricas têxteis de Nova York, no ano de 1857, por melhores condições de
trabalho. Na atualidade, muitas atividades vêm sendo realizadas por mulheres a
partir de sua inserção e participação em diversos setores da nossa vida
socioeconômica. Como mulher profissional e poeta, considero justíssima essa
comemoração, mas sem perder de vista a consciência de que muita estrada há que
ser percorrida ainda com reivindicações por melhores oportunidades de trabalho
e remuneração justa.
Sabemos que há muito a comemorar
mais, juntas, quando outras barreiras e/ou preconceitos forem abolidos. Creio
que renda, acesso à educação e outras instâncias de nosso convívio sócio
econômico, humano e com poder são barreiras que precisam ser melhoradas, em
caráter de urgência. Creio também que essas distinções, para citar apenas elas,
tendem a diminuir a cada conquista no trabalho e educação formal para a mulher
em sua permanência diária em sociedade.”
Silhueta e tragédia urbana
(excerto)
A mendiga luta contra a fúria do
vento
ali... onde o aguaceiro espreita e a
expõe
numa mistura de noite hálito de
mangue
anônima melancolia de tragédia urbana
sem palavras nem partituras.
Cena inscrevendo-se na inusitada
chuva
sob faróis de carros e distante sons
de sino,
composição perfeita de mulher-poema
silhueta de versos, luz e sombra
de templo ou de pedra.
Parabéns ao DCP por fazer esta belíssima homenagem àquelas que, diariamente, nos fazem amanhecer, com suas plenitudes do ser, meninas-mulheres, poetisas, mães, filhas, amadas. Em especial a Teresa, musa maior, amada em minha vida.
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