DOR TIMBRADA NO PAPEL (CRÔNICA) DE VERNAIDE WANDERLEY*
Postado por DCP em 10|07|2022
(Para os que escrevem por ofício ou vício)
A
exemplo do que há bastante tempo fazia, trouxe para mais perto de si a
literatura. Agora novamente aliada para resgatar cenas do cotidiano, atitudes e
gestos simples ou não usuais, a pressa e calmaria dos passantes dando vida às
avenidas e ruas, atalhos e esconderijos. Assim reaprende a transpor perdas e
reacender o prazer de visitações aos múltiplos lugares e faces – novas ou de
benquerer antigo.
Nesse
percurso, ousa cativar os astros do lado Sul onde agora mora. Mas é inútil.
Permanece sem ver o nascer do Sol e sem suas nuances tristes quando se esconde
para dar lugar à noite, perdeu todas as fases da Lua e estrelas cativas, desde
o céu de sua terra. Continua a investir no escrevinhar atalhos e esconderijos
por onde o amor se faz recíproco. Resgata os algodoais e flores mais esquecidas
da casa antiga na tentativa de não se incomodar com atitudes violentas das ruas
e apreciar ônibus lotados por pessoas em busca do mar e o espetáculo de suas
ondas. Tudo isso costuma gerar uma profusão de imagens que se embaralham num
ritmo alucinante.
Agora
há um tempo virulento com seus anúncios e decisões oficialmente mirabolantes de
isolamento e proibições. Há sim, um tempo de altíssimo desvio padrão de
comportamento, de perda de fé e de falta de lucidez! Também responsável pela significativa
paralisia de nosso ofício de escrever, perdem-se inúmeros textos em prosa,
rimas e cadência do próximo poema. Palavras são figurantes mortos; as mãos,
ferramentas tomadas pela ferrugem empesteada. Os amores desertam por covardia ou
cansaço de juízos corroídos pelo isolamento. Tempos difíceis a antecipar perdas
do espaço de convivência, perda de amigos, familiares e dos que não
conhecíamos. Estamos irmanados pelo sofrimento.
Resta-nos
apenas essa dor timbrada em resmas de papel nas quais suplicam símbolos e
maldizente ausência que as horas não disfarçam. Mas transformam num ritual de
acordes roucos com os quais a alma, dos que tem por ofício ou vício escrever,
tenta manter-se viva, acesa.
novembro/2021
*Vernaide
Wanderley é poeta e cronista, sertaneja da cidade de Patos-PE.
Que beleza! Amei!!!!!
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