AS MÚLTIPLAS MÃOS DE IVAN MARINHO

 

Postado por DCP em 25/04/2021








Ivan Marinho integrou o Movimento Marginal do Recife

Foto: Reprodução





Ivan Marinho sempre dividiu sua vida entre a academia e a cultura popular. Seu histórico poético começou ainda de menor, quando subiu em palanques do DCE para recitar seus poemas, pela Anistia e Diretas. Aluno ouvinte da disciplina de Estética, com Ariano Suassuna, absorveu gosto refinado pela cultura nordestina. Foi um dos precursores do Movimento Marginal do Recife, recitando com Miró, Luna, Chico Espinhara, Valmir Jordão, etc. Elaborou o RECITATA (Concurso de Poesia Oral do Recife). Concursado, no município do Cabo e no estado, assumiu em 1998 a Diretoria de Cultura daquela cidade, criando o Encontro Pernambucano de Coco, o Encontro Celina de Holanda de Poetas Recitadores e encabeçando a implementação do primeiro Conselho de Cultura do interior do Estado. Após várias exposições, de receber Menção Honrosa no Prêmio Bandepe, de assumir o comando da tradicional Sociedade dos Bacamarteiros do Cabo, de receber o título de Cidadão Cabense por serviços à cultura local, Prêmio Patativa do Assaré do MINC e do Festival Jaci Bezerra do Centro de Estudos Superiores de Maceió, especializou-se em Economia da Cultura pela UFRGS, recebeu a Comenda do Mérito Fernandes Vieira, assumiu, por duas vezes a presidência da Federação dos Bacamarteiros de Pernambuco, além de receber, como representante da SOBAC, o título de Utilidade Pública Municipal e a chancela de Patrimônio Vivo de Pernambuco. Elaborador dos dois maiores eventos de poesia recitada e articulador do bacamartismo, tornou-se significativo fomentador e divulgador destas duas expressões no estado de Pernambuco. Conquistou Menção Honrosa por preservação da memória cultural do estado no Prêmio Ayrton Almeida de Carvalho da FUNDARPE e o Prêmio Teixeirinha de Cultura Populares da Secretaria Nacional de Cultura para a SOBAC. Recebeu o Prêmio Selma do Coco de Culturas Populares como mestre e o Patativa do Assaré como cordelista, ambos do Ministério da Cultura. Recebeu o título de Cidadão Honorífico do Estado de Pernambuco.

 

Indagado sobre a função social da poesia e do poeta, Ivan foi pragmático e certeiro, respondeu com um excerto do seu poema Barroquilhas: “Pois o papel do poeta / É deixar claro o escuro!”. Concluiu a provocação dizendo, “creio que mesma que motivava Castro Alves, Vandré, Pessoa, Bocage, Gregório de Matos... Além dos Maiacoviski, Brecht, Marighella, Guevara. Acho que era Mondrian que dizia que arte existe porque não nos satisfazemos com a realidade.”






SEIS POEMAS DE IVAN MARINHO





MÃOS DADAS

 

Mãos que recolhem lixo,

Que varrem as calçadas,

Mãos que banham crianças

E lavam as escadas.

 

Mãos que brocam o mato,

Que xaxam o feijão,

Mãos que, com ferramentas,

Constroem avião.

 

Mãos que fazem a roda

Pra noite cirandar,

Mãos que batem zabumba

E balançam ganzá.

 

Mãos que erguem a cachaça

Feita por outras mãos

E dividem a sardinha

Com farinha e o pirão.

 

Mãos de parteiras santas

Que nos trazem à luz,

Mãos que na estrebaria

Ampararam Jesus.

 

Mãos que prestam socorro,

Mãos que dividem o pão,

Mãos que a favor da vida

Transplantam coração.

 

Mãos que ensinam outras

Mãos a nos ensinar,

Mãos que acenam tristes

Pra nunca mais voltar.

 

Mãos que abraçam,

Mãos que suplicam,

Mãos que procuram,

Mãos que tateiam,

Mãos que conversam,

Mãos que se perdem

Em prensas, engenhos... cadeias.

 

As mãos que compartilham

São mãos que se afagam,

Outras mãos que se fecham

Para conter a dor.

 

Mãos livres, que pregadas

Reivindicam justiça

Por mãos exploradas,

Mãos de trabalhador.

 

Sigamos de mãos dadas,

Agora é contramão,

Que nós somos mais fortes,

Filhos da comunhão.

 

Sem medo avancemos,

Verdade engatilhada,

Nossos punhos cerrados,

Bandeiras levantadas.

 

A vitória é certa,

Não vai ser evitada,

Com o Deus da justiça

E o povo de mãos dadas.

 

 

FRATERNIDADE BACAMARTEIRA

 

Acorda povo com o tiro do bacamarte

Numa alvorada joanina e a serração

Que se confunde com fumaça em toda parte

Rasga o silêncio o apito e o trovão.

 

O Treme-terra, o Asa-branca, o Encantado

O Burro-preto, o Trabuco e o Roncador

São os brinquedos herdados de antepassados

Com seus estrondos que afugentam toda dor.

 

O clavinote, a reúna, a granadeira

Mais de cem anos de história que já faz

Transforma a guerra numa bela brincadeira

E de seus canos explodem tiros de paz.

 

Banda de pife acompanha a formação

Que perfilada não se cansa de xaxar

Lembrando seus chapéus de couro, Lampião

E a farda azul, sua herança militar.

 

Vêm do sertão brincantes com chapéus de palha

E a flor beijada que faz lembrar a mulher

Que ao receber de volta seu guerreiro, espalha

A alegria que é fruto de sua fé.

 

com o bacamarte demos viva a São José

Que trás a chuva pra molhar a plantação

E com canjica, com pamonha e arrasta-pé

Viva São Pedro, Santo Antônio e São João.

 

No mês de julho, de Sant’Anna não esquece

E em Sant’Anna se despede da folia

Guarda no peito o desejo como prece

De retomar seu bacamarte e a alegria.

 

E então o exército de cor celestial

Constrói o sonho calejando sua mão

Silenciando o pacífico arsenal

E apilando sua espera no pilão.

 

Retorna junho e traz de volta a fantasia

Esvaziando o copo cheio de saudade

E o estrondo acorda o povo e a magia

Bacamarteiros, a grande fraternidade.

 

 

TERRAPLANAGEM

 

Como desgasta uberizar na terra plana

Fim de semana, feriado, todo dia

Pela alegria de ganhar alguma grana

E pela gana de ter alguma alegria.

A alegria de achar que sei de tudo

E o absurdo de achar que tudo sei

Atrás de um rei que só profere absurdo

Já fiquei surdo pra tudo que não é rei.

Dou glória a deus contra a imoralidade

Mas na verdade a moral me desafia

Me asfixia com doses de realidade

Ou furo a fila ou a moral me asfixia.

Sem fantasia sigo cego a procurar

E sem olhar penso certo que estou vendo

E assim sendo, com meu Mito a iluminar

Vou apostar que sou mesmo sem tá sendo.

 

 

REDIVIVO

 

Por que não crio?

...Por que não creio?!

Alheio ao sonho diluído

Em sono profundo?!

...Não existem cabelos nessas águas...

Sigo emerso sobre o abissal

Em busca de terra:

Redivivo!

 

 

AVANTE

 

Cabeça erguida e mãos dadas

Derramar-nos-emos larvas

Sobre a página virada

De medo e de servidão

E perante a injustiça

E o desprezo a nossas vidas

Não lavaremos as mãos

Antes, serradas, do alto

Faremos baixar severas

Sobre a corte e a Besta-fera

Que saqueiam o planalto.






AS MÚLTIPLAS MÃOS DE IVAN MARINHO AS MÚLTIPLAS MÃOS DE IVAN MARINHO Reviewed by Natanael Lima Jr on 00:35 Rating: 5

2 comentários

  1. [...] Rasga o silêncio o apito e o trovão. [...] Com seus estrondos que afugentam toda dor. [...] E de seus canos explodem tiros de paz. [...]

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  2. [...] Rasga o silêncio o apito e o trovão. [...] Com seus estrondos que afugentam toda dor. [...] E de seus canos explodem tiros de paz. [...]

    Trechos de uma poesia que se espalha como o som do bacamarte.

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