PARA NÃO ESQUECER “13 ANOS SEM ALBERTO DA CUNHA MELO”

 

Por editoria do Site 

Publicado por DCP em 18/10/20 às 00:01







Alberto da Cunha Melo / Foto: Reprodução 







O DCP transcreve uma seleção de poemas da página do Facebook de Cláudia Cordeiro (https://www.facebook.com/clau.cord), musa, companheira e guardiã da vasta e iluminada obra do poeta pernambucano Alberto da Cunha Melo, falecido em 13 de outubro de 2007, no Recife.

 

Alberto da Cunha Melo nasceu em Jaboatão dos Guararapes (PE), em 8 de abril de 1942. Foi poeta, escritor, jornalista e sociólogo. “O inventário e a curadoria de sua obra foram assumidos pela viúva, Cláudia Cordeiro Tavares da Cunha Melo, a quem o poeta legou toda a sua obra em testamento público” (https://pt.wikipedia.org/wiki/Alberto_da_Cunha_Melo ). Em 2003 foi classificado em 3º lugar no Prêmio Portugal Telecom de Literatura Brasileira, hoje Oceanos – Prêmio de Literatura em Língua Portuguesa, com o livro "Meditação sob os Lajedos" (EDUFRN, 2002) e 2007 em 1º lugar no Prêmio ABL (Academia Brasileira de Letras) de Poesia, com o livro "O Cão de Olhos Amarelos & Outros Poemas Inéditos" (A Girafa, 2006).

 

O poeta Alberto da Cunha Melo possui uma rica e vasta obra literária que está disponível para pesquisa em diversas plataformas na web. Em 2017, foram publicadas duas obras do poeta organizadas por Cláudia Cordeiro: uma versão bilíngue de seus poemas e a definitiva Poesia completa, pela editora Record.












POEMAS DE ALBERTO DA CUNHA MELO TRANSCRITOS DA PÁGINA DO FACEBOOK DE CLÁUDIA CORDEIRO*





MESOPOTÂMIA*

 

"Perto da minha casa um rio

seguia rumoroso e pobre,

mas sempre havia quem buscasse

um seixo, um peixe, uma lembrança.

 

Eram meninos e eram homens

muito mais pobres do que ele,

curvados sobre a água escura

mesmo sob o sol de dezembro.

 

Pequenos caracóis, viscosos

abrigos de um destino só

na infância, a percorrer as léguas

de schistosoma e solidão.

 

À noite, eu pensava que o mundo

era composto só de rios

e de crianças que tentavam

a todo custo atravessá-los."

 

 *In: Círculo Cósmico (1966)

 

 

FORMAS DE ABENÇOAR*

 

Fique aqui mesmo, morra antes

de mim, mas não vá para o mundo.

Repito: não vá para o mundo,

que o mundo tem gente, meu filho.

 

Por mais calado que você

seja, será crucificado.

Por mais sozinho que você

seja, será crucificado.

 

Há uma mentira por aí

chamada infância, você tem?

Mesmo sem a ter, vai pagar

essa viagem que não fez.

 

Grande, muito grande é a força

desta noite que vem de longe.

Somos treva, a vida é apenas

puro lampejo do carvão.

 

No início, todos o perdoam,

esperando que você cresça,

esperando que você cresça

para nunca mais perdoá-lo.

 

*Há 50 anos de "Círculo Cósmico", em breve, pela Editora Record 

 

OCIOSIDADE DA CRIAÇÃO

 

Não me cabe planificar

as novas cidades, por certo,

cabe-me apenas contemplar

e já é um grande trabalho.

 

Principalmente para mim,

que para isso fui apontado

lá do alto da infância, uma flauta,

uma flauta, como testamento.

 

Inúteis todos os translados

de cartas que não voltam nunca;

porque em si nada conduzem,

além do tempo vão perdidas.

 

Vocês me obrigam a fazê-las

quando o sol morre sem cantiga,

e digo sem que ninguém me ouça:

- minhas rosas, estou morrendo.

 

Bato na máquina emperrada,

(com rasura) o óbito da tarde;

a minha obrigação na Terra

é só ler e olhar a cidade.

 

 

RICOCHETE*

 

Sabei que o poema saiu

há poucos séculos de mim

e, sob as gaivotas da tarde,

alguém o leu e o amou.

 

Quem terá sido? − Não importam

o rosto que tenho e o que não tenho

mas a palavra toda cheia

de sua força e sua paz.

 

Se houve o choro, não me cabe

desculpá-lo em noite nenhuma

e já existia nesse estranho

que há nos outros e me pertence.

 

E o movimento do vazio

modificando, não fui eu:

é o vento que bate em mim

e faz chorar o homem na praça.

 

 

*Poema do  livro "Poemas Anteriores".

In: “Poesia Completa”, Record, 2017, p. 96.

 

 

FRASES DE EFEITO

 

Dizer que, no fundamental,

estamos sós,

é frase de efeito,

mas sinal para todos

se omitirem

do sofrimento de todos,

no fim, é frase

que causa, mesmo,

um monstruoso efeito.

 

 

ORAÇÃO PELO POEMA*

 

II

 

Senhor, dá-me a palavra brisa

irmã das fontes, dá-me agora

qualquer palavra que suavize

a minha vida, para sempre.

 

Dá-me uma canção que me salve

no tempo em que as canções morreram,

para tocá-la no piano

velho, cada noite mais alto.

 

Cobre várias vezes com a gaze

de tuas nuvens o vocábulo

ferido (como eu) na cidade

dos cegos, pisado por eles.

 

Levanta as brancas persianas

sobre a manhã — que só começa

quando ouvimos pronunciar

o nosso nome, uma palavra.

 

Dá-me novamente a esperança

de transmitir todas as coisas

novas, que a noite me disse

ou que teus anjos me disseram.

 

 

*"Oração pelo poema" (1969), fragmento.

Versão completa na "Poesia completa", Record, 2017.

 

 

 

* https://www.facebook.com/clau.cord



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