SILÊNCIO E MEMÓRIA – EU CONTO O CONTO ASSIM DE EVERALDO MOREIRA VÉRAS
Por Diego Mendes
Sousa*
SILÊNCIO
Everaldo Moreira Véras é um criador de
literatura insólito e agônico. Passou à margem da celebração literária, sem o
reconhecimento devido ante a grandeza do seu legado. Publicou quarenta e quatro
livros de diversos gêneros. Estreou tardio, em 1977, aos quarenta anos de
idade, com a beleza cintilante de O Menino dos Óculos de Aro de Metal, dirigido
ao público infantil e elogiado por gente de proa, como Gilberto Freyre, Jorge
Amado, Josué Montello, Rachel de Queiroz e Mauro Mota. A invenção narrativa e a
liberdade na sintaxe e na estilística, além da espontânea simplicidade, elevam
o seu texto inovador, dando também a ilustração poética-singular de um genuíno
cirurgião da palavra.
Em 2017, comemoraram-se os oitenta
anos do nascimento deste enlevado escritor, momento importante em que foi
devolvida a memória de Everaldo Moreira Véras à cidade do seu mistério
inaugural, Parnaíba, litoral do Piauí, onde, infelizmente, ainda é um anônimo.
Uma personagem desconhecida para os intelectuais, inclusive.
Everaldo Moreira Véras saiu do Piauí
na sua juventude e perdeu a convivência natalícia. Fez carreira no Recife, onde
arrebatou os maiores prêmios literários, como o Casa de las Américas de Cuba,
pelo livro A Insônia do Mar.
Na realidade, hoje a literatura é
pouco cultuada. O brasileiro lê pouco. O piauiense, também. Esse contexto
desfavorável, aliado às distâncias físicas e afetivas, fez com que o nome de
Everaldo se apagasse no tempo da nossa memória. Recentemente, Parnaíba deu o primeiro
passo para o justo restauro da história humanística construída por Everaldo
Moreira Véras. Decerto, começará a ganhar leitores, a ser admirado e amado,
porque possui imenso valor para a Literatura Brasileira.
O Prefeito Municipal da Parnaíba,
Francisco de Assis de Moraes Souza, alcunhado de Mão Santa, concedeu em 2017,
em memória, a Medalha e o Diploma do Mérito Municipal a Everaldo Moreira Véras.
Na ocasião, a viúva do escritor, Maria de Lourdes Amorim Véras – que vive em
Alagoas – e este poeta, doamos à Biblioteca Pública da Parnaíba a obra completa
de Everaldo.
No mesmo ato, foi inaugurada uma sala
de literatura infantil em homenagem a Everaldo Moreira Véras. O vereador
Geraldo Alencar Filho fez uma oração louvando os feitos literários desse notável
escritor, na sede da Câmara Municipal da Parnaíba, bem como inaugurou uma rua
chamada Poeta Everaldo Moreira Véras.
A preparação do presente volume
póstumo Eu Conto o Conto Assim (Editora Penalux, 2020), obra inédita de ensaios
de Everaldo Moreira Véras, é o lastro e a sedimentação de uma inteligência que
luzirá sempre para o amanhã, pois a verve de Everaldo é envolta em vidência.
A poesia em estado sublime percorre
todos os textos de Everaldo Moreira Véras. É detentor da prosa-poética, pois se
trata de um poeta nato, apesar de ter publicado somente três volumes do gênero:
Fissuras, Camas Separadas e A Insônia do Mar.
Os voos mais altos de Everaldo são os
romances: A Hora Anterior e O Canto de Sal. São narrativas originais, repletas
de erotismo e de angústia existencial. Everaldo Moreira Véras legou mais de
quinhentos contos, que espelham costuras formidáveis dos elementos poéticos e
ficcionais. Everaldo Moreira Véras é tão insigne que chegou a ser publicado,
diversas vezes, pela famosa Editora José Olympio, do Rio de Janeiro.
MEMÓRIA
Eu Conto o Conto Assim foi concluído
na praia de Boa Viagem, no Recife, por Everaldo Moreira Véras (1937-2011), em
janeiro de 2010, mas não publicado. Trata-se de uma obra póstuma e inédita,
fruto de uma pesquisa minuciosa sobre a criação literária desse grande escritor
piauiense/pernambucano, celebrado com efusão em seu tempo, nos espaços da
Livraria Livro 7, inclusive, onde se reunia a intelectualidade do Recife, no
bairro da Boa Vista.
Everaldo Moreira Véras nasceu na
Parnaíba, na costa do Piauí, a 17 de agosto de 1937. Sua dicção é universal.
Não cantou a sua aldeia, porém, nunca deixou de registrar em sua biografia a
cidade mágica do seu nascimento. A sua Literatura está impregnada da condição
humana, do medo da morte e do desejo de viver. É um homem solar e de múltiplas
vivências, jamais relegou a sua origem. É também primo do escritor maranhense
Humberto de Campos, imortal da Academia Brasileira de Letras, e que desfrutou
da sua infância na Parnaíba.
Everaldo Moreira Véras é gênio. Um
escritor robusto e pleno em tudo que escreveu. Sua incisão criadora é tão fértil
quão a luz literária de um Assis Brasil (1932-) ou de um Benjamim Santos
(1939), seus pares conterrâneos e contemporâneos.
Preservar a memória de vultos como
Everaldo Moreira Véras é de suma importância para a continuidade da humanidade.
É um ideal para o futuro. O que somos sem o
exemplo? Todo escritor, via de regra, é um humanista, quando poeta, é o
fundador da sua cidade. Everaldo Moreira Véras não somente recria o imaginário,
como também oferta à posteridade, um elo fraterno de iluminações e de consciência
coletiva.
Tenho procurado respeitar os nossos
liames evolutivos, pondo em evidência personalidades que
pontuaram uma época, que influenciaram uma geração e influenciarão muitas
outras.
EU
CONTO O CONTO ASSIM
Eu Conto o Conto Assim é um valioso
ensaio sobre o Conto, gênero literário difundido e praticado no Brasil com
maestria. O livro apresenta um vasto índice de autores nacionais, com destaque
especial para Machado de Assis e Guimarães Rosa. É um manual sobre criação,
métodos e caminhos, para veteranos e iniciantes da arte de contar estórias
curtas.
Everaldo Moreira Véras, senhor e
mestre premiado da narrativa, navega por um assunto delicado, que é o ofício de
ensinar a escrever. Contudo, transita de maneira didática e fluente, valendo-se
dos ensinamentos de notáveis narradores da sua admiração, como Clarice
Lispector, Rubem Fonseca, Luiz Vilela, Lygia Fagundes Telles e Nélida Piñon.
O volume apresenta a larga
bibliografia do seu autor, bem como um belo registro iconográfico.
*Diego
Mendes Sousa
é poeta piauiense. Herdeiro da sabedoria de Everaldo Moreira Véras e atual
curador da sua formidável obra literária.
TRECHO INICIAL DA OBRA
EU CONTO O CONTO ASSIM
E UM CONTO
DE EVERALDO MOREIRA VÉRAS
ESCOLHIDO POR DIEGO MENDES SOUSA
Conversaremos sobre o gênero literário
mais discutido na literatura brasileira, o CONTO.
(O Conto na literatura nacional é o
que me interessa, que me empolga. Bebo nesta fonte, a brasileira, busco os
autores estrangeiros esporadicamente).
O debate acontecerá em tom informal,
nada de aula, ensinar a escrever ou algo semelhante. Sim, porque escrever é uma
arte, não admite a estória de ser ensinada. É um dom, um legado de Deus, a
gente nasce escritor como nasce branco, preto, inteligente, desinteligente etc.
Impossível passar para alguém o ofício de escrever, seria o mesmo que
transformar uma pessoa em cantor, se ele não tem afinação, ritmo, voz. Claro,
se o indivíduo guarda dentro de si a centelha, o talento, a bênção divina como
já dito — então, o professor poderá melhorar ou seja aperfeiçoar, relembrando
os truques do ofício. Aí, valerá a dedicação, o querer, o trabalho árduo. Não
existindo a luz interior, o esforço resultará em vão. Eu, por exemplo, não
tenho o dom musical, estudaria cem anos e jamais aprenderia a tocar um
instrumento.
Por isso, repito: faremos uma
mesa-redonda tão aberta quanto possível, já que a arte de ensinar a escrever
ainda não foi inventada. Seja o que for, romance, novela, crônica, conto — o
talento e a vocação são imprescindíveis.
(...)
Difundido pelos portugueses, o Conto
surgiu no Brasil durante os primeiros séculos da colonização,
como narrativa oral. E ainda hoje existe assim, principalmente nas regiões
Norte e Nordeste do país, misturado com as influências africanas e indígenas,
os tais Contos chamados estórias de Trancoso.
Como registro escrito, foi na metade
do século XIX que ele irrompeu na literatura brasileira, no começo do
Romantismo. Deu-se a febre do Conto, que contaminou os intelectuais e
jornalistas da época.
Um dos grandes contistas brasileiro
surgiu no final do século XIX, já no período Realista: Joaquim Maria Machado de
Assis. Foi o pai dos outros que o tomaram como referência e padrão.
DIÁLOGO
(Conto de Everaldo Moreira Véras)
1- 2ª-feira:
Esposa: oi
Marido: oi
2- 3ª-feira:
Esposa: agora?
Marido: não
3- 4ª-feira:
Esposa: você vai?
Marido: sim
4- 5ª-feira:
Esposa: falta pão
Marido: sim
5- 6ª-feira:
Esposa: quer o almoço?
Marido: não
6- sábado:
Esposa: oi
Marido: oi
7- domingo:
Esposa: quando chega?
Esposa: quando chega?
Marido: não sei
8- 2ª-feira:
Esposa: chove?
Marido: chove
9- 3ª-feira:
Esposa: chegou o correio
Marido: sim
10- 4ª-feira:
Esposa: oi
Marido: oi
11- 5ª-feira:
Esposa: aqui?
Marido: não
12- 6ª-feira:
Esposa: pode ser hoje?
Marido: sim
13- sábado:
Esposa: até mais
Marido: até
14- domingo:
Esposa: onde?
Marido: não sei
15- 2ª-feira:
Esposa: quer?
Marido: não
16- 3ª-feira:
Esposa: hoje
Marido: talvez
17- 4ª-feira:
Esposa: recebeu?
Marido: não
18- 5ª-feira:
Esposa: faltou água
Marido: sim
19- 6ª-feira:
Esposa: por quê?
Marido: não sei
20- sábado:
Esposa: ainda dá tempo?
Marido: talvez
21- domingo:
Esposa: tudo bem?
Marido: não
22- 2ª-feira:
Esposa: faz sol?
Marido: sim
23- 3ª-feira:
Esposa: o jantar?
Marido: sim
24- 4ª-feira:
Esposa: minha mãe faleceu
Marido: sim
25- 5ª-feira:
Esposa: oi
Marido: oi
26- 6ª-feira:
Esposa: quanto custou?
Marido: não sei
Marido: não sei
27- sábado:
Esposa: tem saldo?
Marido: não
28- domingo:
Esposa: a camisa está suja?
Marido: sim
29- 2ª-feira:
Esposa: oi
Marido: oi
30- 3ª-feira:
Esposa: está faltando tudo
Marido: sim
SILÊNCIO E MEMÓRIA – EU CONTO O CONTO ASSIM DE EVERALDO MOREIRA VÉRAS
Reviewed by Natanael Lima Jr
on
02:30
Rating:
Diogo, fui companheira de Everaldo na Academia de Letras e Artes do Nordeste Brasileiro, núcleo PE, desde 1984. Li quase todos os seus livros. E fico feliz em saber que um conterrâneo está fazendo a obra desse grande escritor ser conhecida pelos piauienses. Vou reencaminhar seu e-mail para outros membros da Alane. Parabéns pelo trabalho.
ResponderExcluirObrigado por seu testemunho!
ExcluirCompartilhar conhecimentos é uma tônica invencível.
Gostaria de saber o seu nome...
Abraços,
Diego Mendes Sousa
Não bastasse Diego Mendes Sousa ser um grande intelectual, autor prolífico que não para de escrever e publicar livros, é também um estudioso das letras, um pesquisador, um amante da literatura que organiza títulos, faz resenhas, prefácios e move a cena da cultura. Com grande alegria, vem a Editora Penalux trazer à luz a obra de Everaldo Moreira Véras, esse gigante do Piauí, autor de contorno exponencial. Ainda que falecido, é o tempo de mergulhar na criação deste nome que louva a Parnaíba.
ResponderExcluirLuiz Otávio Oliani - Não bastasse Diego Mendes Sousa ser um grande intelectual, autor prolífico que não para de escrever e publicar livros, é também um estudioso das letras, um pesquisador, um amante da literatura que organiza títulos, faz resenhas, prefácios e move a cena da cultura. Com grande alegria, vem a Editora Penalux trazer à luz a obra de Everaldo Moreira Véras, esse gigante do Piauí, autor de contorno exponencial. Ainda que falecido, é o tempo de mergulhar na criação deste nome que louva a Parnaíba.
ResponderExcluirLuiz Otávio Oliani,
ExcluirObrigado por sua generoso comentário!
Gratidão,
Diego Mendes Sousa
Feliz agradeço ao Domingo com Poesia, por abraçar a obra literária de Everaldo Moreira Veras, meu amado esposo, amigo e companheiro por longos anos, até o momento de sua viagem final.
ResponderExcluirParabéns ao amigo e poeta Diego Mendes Sousa, por sua peculiar maestria, na arte de identificar talentos e por captar a personalidade literária desse nobre escritor de poesias, contos, ensaios, romances e novelas.
A você, Diego, minha eterna gratidão pelo interesse e envolvimento na divulgação da obra de Everaldo. Grande abraço.
Lourdinha,
ExcluirO que se faz por amor torna-se incansável!
Outro abraço,
Diego Mendes Sousa