POESIA COM VOZ DE MULHER
Organização
Natanael Lima Jr.*
Afresco
encontrado em Pompeia
da
poetisa grega Safo / Imagem: Reprodução
Para marcar o “Dia Internacional da Mulher”, o site DCP
reúne aqui um conjunto de mulheres incríveis, autoras brasileiras de grande
expressividade na literatura brasileira. O grupo contempla poetas de diferentes
estilos literários, que representam variadas gerações da literatura do país. É importante destacar que a seleção aqui apresentada não tem intenção de ser definitiva e nem
abrangente, e apenas unicamente uma escolha pessoal do organizador.
As poetas
relacionadas são: Cecília Meireles (RJ), Henriqueta Lisboa (MG), Hilda Hilst
(SP), Adélia Prado (MG), Lya Luft (RS), Flora Figueiredo (SP), Celina de
Holanda (PE), Maria de Lourdes Hortas (Luso-brasileira/PE), Vernaide Wanderley
(PE), Cida Pedrosa (PE).
Despedida*
Cecília
Meireles
Por mim, e por vós, e por mais aquilo
que está onde as outras coisas nunca estão,
deixo o mar bravo e o céu tranqüilo:
quero solidão.
Meu caminho é sem marcos nem paisagens.
E como o conheces? - me perguntarão.
- Por não ter palavras, por não ter imagens.
Nenhum inimigo e nenhum irmão.
Que procuras? - Tudo. Que desejas? - Nada.
Viajo sozinha com o meu coração.
Não ando perdida, mas desencontrada.
Levo o meu rumo na minha mão.
A memória voou da minha fronte.
Voou meu amor, minha imaginação...
Talvez eu morra antes do horizonte.
Memória, amor e o resto onde estarão?
Deixo aqui meu corpo, entre o sol e a terra.
(Beijo-te, corpo meu, todo desilusão!
Estandarte triste de uma estranha guerra...)
Quero solidão.
Por mim, e por vós, e por mais aquilo
que está onde as outras coisas nunca estão,
deixo o mar bravo e o céu tranqüilo:
quero solidão.
Meu caminho é sem marcos nem paisagens.
E como o conheces? - me perguntarão.
- Por não ter palavras, por não ter imagens.
Nenhum inimigo e nenhum irmão.
Que procuras? - Tudo. Que desejas? - Nada.
Viajo sozinha com o meu coração.
Não ando perdida, mas desencontrada.
Levo o meu rumo na minha mão.
A memória voou da minha fronte.
Voou meu amor, minha imaginação...
Talvez eu morra antes do horizonte.
Memória, amor e o resto onde estarão?
Deixo aqui meu corpo, entre o sol e a terra.
(Beijo-te, corpo meu, todo desilusão!
Estandarte triste de uma estranha guerra...)
Quero solidão.
*In Flor de poemas (1972)
Sofrimento*
Henriqueta Lisboa
No
oceano integra-se (bem pouco)
uma
pedra de sal.
Ficou
o espírito, mais livre
que
o corpo.
A
música, muito além
do
instrumento.
Da
alavanca,
sua
razão de ser: o impulso,
Ficou
o selo, o remate
da
obra.
A
luz que sobrevive à estrela
e
é sua coroa.
O
maravilhoso. O imortal.
O
que se perdeu foi pouco.
Mas
era o que eu mais amava.
*In Corola (2000)
Amavisse*
Hilda
Hilst
Como
se te perdesse, assim te quero.
Como
se não te visse (favas douradas
Sob
um amarelo) assim te apreendo brusco
Inamovível,
e te respiro inteiro.
Um
arco-íris de ar em águas profundas.
Como
se tudo o mais me permitisses,
A
mim me fotografo nuns portões de ferro
Ocres,
altos, e eu mesma diluída e mínima
No
dissoluto de toda despedida.
Como
se te perdesse nos trens, nas estações
Ou
contornando um círculo de águas
Removente
ave, assim te somo a mim:
De
redes e de anseios inundada.
*In Amavisse
(1989)
Com licença
poética*
Adélia
Prado
Quando
nasci um anjo esbelto,
desses
que tocam trombeta, anunciou:
vai
carregar bandeira.
Cargo
muito pesado pra mulher,
esta
espécie ainda envergonhada.
Aceito
os subterfúgios que me cabem,
sem
precisar mentir.
Não
sou tão feia que não possa casar,
acho
o Rio de Janeiro uma beleza e
ora
sim, ora não, creio em parto sem dor.
Mas
o que sinto escrevo. Cumpro a sina.
Inauguro
linhagens, fundo reinos
-
dor não é amargura.
Minha
tristeza não tem pedigree,
já
a minha vontade de alegria,
sua
raiz vai ao meu mil avô.
Vai
ser coxo na vida é maldição pra homem.
Mulher
é desdobrável. Eu sou.
*In Bagagem
(1976)
O tempo
rasteja no telhado*
Lya
Luft
Depois
de se fazerem filhos e dívidas,
e
as dúvidas brotarem nas frestas.
O
tempo traça bordados no rosto
e
manchas na mão,
mas
a gente não muda: ainda chove
no
escuro e um pássaro começa a cantar.
Um
amigo morre antes dos quarenta,
e
nossa mãe, com quase cem, nem está
nem
se ausenta.
Como
tudo o mais,
o
tempo não tem explicação:
corrói
ou transfigura,
conforme
cada um escolhe,
sofre
ou
inventa.
*In O tempo é um
rio que corre (2014)
Afago e faca*
Celina
de Holanda
À
Andréa Mota
Pedi
ao meu amado
uma
palavra de amor e universal
e
ele, forte, deu-me duas:
afago
e faca.
Por
elas eu o amarei
muito
mais.
No
mesmo peso de amor
que
as tomam iguais.
*In Viagens gerais
(2016)
Ocaso*
Flora
Figueiredo
No
entardecer do Verão,
uso
chapéu de palha
e
calçados de bem-me-quer.
Percebo
a mulher no espelho,
enfeitando
saudades com laços de prata.
Sobra
um espaço nas entredobras.
Visto
mormaço.
*In Chão de vento
(2018)
Fatalismo*
Maria
de Lourdes Hortas
Assim
como este dia
placidamente
à
revelia de mim
decorreu
entre
balizas
de
chuva
a
poesia pousa
pássaro
e
na varanda aporta
pelo
tempo de um canto.
*In Fonte de
pássaros (1999)
Rua da
amizade, às cinco da tarde*
Vernaide
Wanderley
(Para
Inaldete Pedrosa)
É
bom tocar o amigo
sem
apresentar identidade
atestado
de sanidade
ou
vestes de seda-pura.
Poder
encravar na rocha-mãe
a
grandeza de seus traços
sob
uma chuva de luzes
e
a cumplicidade dos magos.
*In Geometria das
pedras (2019)
Variações
sobre um mesmo tema*
Cida
Pedrosa
Nasci
sem ser esperada
Fruto
do fim do inverno
Não
tive enxoval nem terno
Nenhuma
noite estrelada
Nem
um sinal na estrada
Tampouco
rastro de anjo
A
rede foi o arranjo
Pra
uma primeira dormida
O
berço foi a acolhida
O
ninar ao som do banjo
Nasci
sem ser esperada
Num
ventre de fim de inverno
Sem
ponte rumo ao eterno
E
pra primeira jornada
Não
tinha estrada alada
Nem
anjo a me dar carinho
Parti
driblando o espinho
Pondo
a dor no calendário
Desfiando
este rosário
Agasalhando
o meu pinho
Desde
criança vagueio
Por
entre chuva e orvalho
Não
faço da vida atalho
Nem
da segurança esteio
E
vivo sem alardeio
O
fim que de mim emana
Não
busco a paz ou nirvana
Me
visto de outras paisagens
Trago n’alma
as tatuagens
Da minha
origem cigana
Mote de
Raimundo Asfora
*In Claranã
(2015)
*Natanael Lima Jr. é poeta, editor do site DCP e da Imagética Edições
Cel.:
(81)98800-3112
Email:
natanaeljr12@hotmail.com
POESIA COM VOZ DE MULHER
Reviewed by Natanael Lima Jr
on
05:02
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Todo o Domingo com Poesia está belamente fecundado, por mulheres e homens! Aqui agradeço, em meu nome e de todas, esta parte dedicada à MULHER E POETA! Parabéns, meu querido amigo e administrador Natanael Lima
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