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BREVE DEPOIMENTO SOBRE O 'DESDIZER' DE ANTONIO CARLOS SECCHIN



por Natanael Lima Jr.*



Imagem Capa: Reprodução



Em o livro Desdizer (1ª ed. - Rio de Janeiro: Topbooks, 2017.), Antonio Carlos Secchin demarca o seu vasto e definitivo território na literatura brasileira. Desdiz e rediz até a última gota do poema.

A poesia para Secchin, “não tem rosto, a face pressupõe identidade e reconhecimento. Todavia, como disse Ferreira Gullar em Traduzir-se, o poeta é (também) estranheza e solidão. Estranheza frente à linguagem cristalizada que subestima a irrupção da potência clandestina do cotidiano. Solidão, porque a poesia é um baixo-falante, capta e filtra os ruídos do mundo através da escala microscópica da sensibilidade de cada um”. Como também disse Mário Quintana, “o poema essa estranha máscara mais verdadeira do que a própria face.”

Sua voz altissonante ecoa entre ilhas e arquipélagos, desertos e favelas. A voz do poeta, proclama Ferreira Gullar, “é voz de gente / (na varanda? na janela? / na saudade? na prisão?) / é voz de gente – poema: / fogo logro solidão.”

Muitos são os poemas a serem destacados em sua obra: “Na antessala”, “O espelho de Donizete”, “Poema promíscuo, “Receita de poema”, “Cisne”, “Noite na taverna”, “Arte”, “De chumbo eram somente dez soldados”, “À noite”, “Paisagem”, “Visita”, “Cartilha”, “Inventário de Maria”, “A João Cabral”, entre outros.

No poema “Autorretrato”, o leitor é levado a navegar por inúmeras esquinas, na contramão do tempo, entre sombras e neblinas: “Um poeta nunca sabe / onde sua voz termina, / se é dele de fato a voz / que no seu nome se assina. / Nem sabe se a vida alheia / é seu pasto de rapina, / ou se o outro é que lhe invade, / numa voragem assassina. / Nenhum poeta conhece / esse motor que maquina / a explosão da coisa escrita / contra a crosta da rotina. / Entender inteiro o poeta / é bem malsinada sina: / quando o supomos em cena, / já vai sumindo na esquina, / entrando na contramão / do que o bom senso lhe ensina. / Por sob a zona da sombra, / navega em meio à neblina. / Sabe que nasce do escuro / a poesia que o ilumina.”

A variedade de temas e estilos, utilizados na sua produção poética, não significa dispersão, mas domínio seguro de uma voz madura que de poema para poema se adensa e se refina. Secchin tem assim a singularidade, entre todos os poetas contemporâneos do país.



*Natanael Lima Jr. é poeta, editor do site DCP e da Imagética Edições






Antonio Carlos Secchin / Foto: Reprodução



CINCO POEMAS DE ANTONIO CARLOS SECCHIN




Receita de poema

Um poema que desaparecesse
à medida que fosse nascendo,
e que dele nada então restasse
senão o silêncio de estar não sendo.

Que nele apenas ecoasse
o som do vazio mais pleno.
E depois que tudo matasse
morresse do próprio veneno.


Cisne

       À memória de Cruz e Sousa

Vagueia, ondula, incontrolado e belo,
um cisne insone em solitário canto.
Caminha à margem com a plumagem negra,
em meio a um bando de pombas atônitas.

Encontra um outro, de alvacentas plumas,
um ser sagrado no monte Parnaso,
e enquanto o branco vai vencendo a bruma
ele naufraga, bêbado de espaço.

Em vão indaga, o olhar emparedado
na vertigem de luz que o sol encerra:
“Se em torno tudo é treva, tudo é nada,

como sonhar azul em outra esfera?”
Negro cisne sangrando em frente a um poço.
Do alto, um Deus cruel cospe em seu rosto.


Arte

Poemas são palavras e presságios,
pardais perdidos sem direito a ninho.
Poemas casam nuvens e favelas
e se escondem após no próprio umbigo.
Poemas são tilápias e besouros,
ar e água à beira de anzóis e riscos.
São begônias e petúnias,
isopor ou mármore nas colunas,
rosas decepadas pelas hélices
de voos amarrados contra o chão.
Resto do que foi orvalho,
poema é carta fora do baralho,
milharal virando cinza
pelo incêndio do espantalho.


À noite

todas as palavras são pretas
todos os gatos são tardos
todos os sonhos são póstumos
todos os barcos são gélidos
à noite são os passos todos trôpegos
os músculos são sôfregos
e as máscaras, anêmicas
todos pálidos, os versos
todos os medos são pânicos
todas as frutas são pêssegos
e são pássaros todos os planos
todos os ritmos são lúbricos
são tônicos todos os gritos
todos os gozos são santos


A João Cabral

O engenheiro debruçado
sobre o som horizontal das praias
ordena o ritmo das ondas
constrói os vértices do verde.

O engenheiro debruçado
sobre o prisma dos areais
caligrafa a voz do vento
amestrando o som do cais.

O engenheiro debruçado
sobre arestas do concreto
soletra o fio de seus rios
entre as sílabas do deserto. 








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Um comentário

  1. Secchin é mestre. Os cinco poemas destacados confirmam. Em paralelo a todo o ferramental crítico que está sob os poemas, o sangue pulsa.

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