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CENTENÁRIO DE SOPHIA DE MELLO BREYNER



Por Maria de Lourdes Hortas*





100 anos da poetisa portuguesa
Sophia de Mello Breyner Andresen (1919 – 2004)
Foto: Reprodução




Sophia de Mello Breyner Andersen nasceu a 6 de novembro de 1919 no Porto e faleceu, aos 84 anos, no dia 2 de Julho de 2004, em Lisboa. Em 20 de fevereiro de 2014, a Assembleia da República decidiu homenagear por unanimidade a poetisa com honras de Panteão. A cerimónia de trasladação teve lugar a 2 de julho de 2014.

Criada na velha aristocracia portuguesa, educada nos valores tradicionais da moral cristã, foi dirigente de movimentos universitários católicos quando frequentava Filologia Clássica na Universidade de Lisboa (1936-1939) que nunca chegou a concluir. Colaborou na revista "Cadernos de Poesia", onde fez amizades com autores influentes e reconhecidos: Ruy Cinatti e Jorge de Sena.

Veio a tornar-se uma das figuras mais representativas de uma atitude política liberal, apoiando o movimento monárquico e denunciando o regime salazarista e os seus seguidores. Ficou célebre como canção de intervenção dos Católicos Progressistas a sua "Cantata da Paz", também conhecida e chamada pelo seu refrão: "Vemos, Ouvimos e Lemos. Não podemos ignorar!" Casou-se, em 1946, com o jornalista, político e advogado Francisco Sousa Tavares[2][3] (divorciou-se em 1985) e foi mãe de cinco filhos: uma professora universitária de Letras, um jornalista e escritor de renome (Miguel Sousa Tavares), um pintor e ceramista e mais uma filha que é terapeuta ocupacional e herdou o nome da mãe. Os filhos motivaram-na a escrever contos infantis.

Celebrar Sophia é, antes de mais, conhecer a sua obra, eternizando-a, alojando na memória a beleza dos seus poemas e as personagens inesquecíveis dos seus contos, que têm povoado o imaginário de muitas gerações. Contudo, há muito mais para descobrir sobre esta mulher extraordinária, a primeira mulher a receber o Prêmio Camões. Sophia mantêm-se "viva" em todos aqueles que, de alguma forma, penetraram o seu universo mágico.

O contato com a natureza marcou profundamente a sua obra. Era para a Autora um exemplo de liberdade, beleza, perfeição e de mistério e é largamente citada na sua poesia, quer pelas alusões à terra (árvores, pássaros, o luar), quer pelas referências ao mar (praia, conchas, ondas).

O Mar é um dos conceitos-chave na criação literária de Sophia de Mello Breyner Andresen: “Desde a orla do mar/ Onde tudo começa”.

O Oceanário de Lisboa fez-lhe uma grande homenagem, inscrevendo ao longo de suas paredes muitos dos seus poemas referentes ao mar. 






*Maria de Lourdes Hortas é poeta, ficcionista e ensaísta





ALGUNS POEMAS DE SOPHIA*



ONDAS


Onde — ondas — mais belos cavalos
Do que estes ondas que vós sois
Onde mais bela curva do pescoço
Onde mais longas crinas sacudidas
Ou impetuoso arfar no mar imenso
Onde tão ébrio amor em vasta praia


ROMA


(À memória de meu irmão Thomás)

O belo rosto dos deuses impassível e quebrado
A noite — loba rondando nas ruínas
A veemência a musa
Colunas e colinas
O bronze a pedra a o contínuo
Tijolo sobre tijolo
A arte difícil e bela da pintura
A música veemente que assedia a alma
O corpo a corpo do espaço e da escultura
Os múltiplos espelhos do visível
A selvagem e misteriosa paixão de Catilina
As altas naves as enormes colunas
Os enormes palácios as pequenas ruas
A lenta sombra atenta e muito antiga
O sucessivo surgir de fontes e de praças
Vermelho cor de rosa muita pressa
Gesticular de gentes e de estátuas
Azáfama clamor e gasolina
Do guarda sol castanho a penumbra fina


ORIENTE


Este lugar amou perdidamente
Quem o cabo rondou do extremo Sul
E a costa indo seguindo para Oriente
Viu as ilhas azuis do mar azul



Viu pérolas safiras e corais
E a grande noite parada e transparente
Viu cidades nações viu passar gente
De leve passo e gestos musicais
Perfumes e tempero descobriu
E danças moduladas por vestidos
Sedosos flutuantes e compridos
E outro nasceu de tudo quanto viu


SEM TÍTULO


Porque não era um muro mas um cerco
Que por segundo cerco era cercado
O cerco da surdez dos consumistas
Tão cheios de jornais e de notícias
Mas como se fosse o milagre pedido
Pelo rio da prece ao som das balas
As imagens do massacre foram salvas
As imagens romperam os cercos do silêncio
Irromperam nos écrans e os surdos viram
A evidência nua das imagens


MEMÓRIA


Mimesis. E vós Musas filhas da memória
De leve passo nos cimos do Parnaso
Suave a brisa — a fonte impetuosa
Princípio fundamento rosto-início
Espelho para sempre os olhos verdes
As longas mãos as azuladas veias


ORPHEU


Orpheu
seu canto alto e grave
O canto de oiro o êxtase da lira
Orpheu
A palidez sagrada de seu rosto
Que de clarões e sombras se ilumina
Ante seus pés se deitam mansas feras
Vencidas pela música divina
Pela insondável paixão do mais vedado
E amava unicamente o mais perdido
Mulheres de longos cabelos negros
Ou leves finas etéreas loiras musas
Pasmavam ensombradas
Ante a palidez lendária do seu rosto
Ele porém buscava os olhos da gazela
Ou Estrela d'Alva da manhã antiga
Ou o clarão feroz da face proibida


OS AMIGOS


Voltar ali onde
A verde rebentação da vaga
A espuma o nevoeiro o horizonte a praia
Guardam intacta a impetuosa
Juventude antiga —
Mas como sem os amigos
Sem a partilha o abraço a comunhão
Respirar o cheiro a alga da maresia
E colher a estrela do mar em minha mão
o dia ergueu-se do túmulo
E partilhou a sua ressurreição com todos os homens


*Poemas do livro MUSA





CENTENÁRIO DE SOPHIA DE MELLO BREYNER CENTENÁRIO DE SOPHIA DE MELLO BREYNER Reviewed by Natanael Lima Jr on 00:04 Rating: 5

Um comentário

  1. Excelente postagem. Toda a nossa reverência a nossa poeta Sophia de Mello e a nossa poeta luso-brasileira Maria de Lourdes Hortas.

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