Por falar em erotismo na literatura
por
Frederico Spencer*
Img: Reprodução
Tanga*
Havia o que se
via
e o que não se via:
a manhã luminosa
encobria a treva
abissal e velha dos espaços.
O mar batia
em frente à Farme de Amoedo e ali
na areia
a gente mal o ouvia se o ouvia.
E era então que ela súbito surgia
rindo entre os cabelos
a raquete na mão
e se movia
ah, como se movia!
E nessa translação nos descobria
suas fases solares:
o ombro
o dorso
a bunda
lunar?
estelar?
a bunda
que (sob uma pétala
de azul)
celeste me sorria.
e o que não se via:
a manhã luminosa
encobria a treva
abissal e velha dos espaços.
O mar batia
em frente à Farme de Amoedo e ali
na areia
a gente mal o ouvia se o ouvia.
E era então que ela súbito surgia
rindo entre os cabelos
a raquete na mão
e se movia
ah, como se movia!
E nessa translação nos descobria
suas fases solares:
o ombro
o dorso
a bunda
lunar?
estelar?
a bunda
que (sob uma pétala
de azul)
celeste me sorria.
*Ferreira Gullar
In Barulhos,
1887
Com estes versos o poeta maranhense nos ensina, mesmo não sendo esta
sua preocupação no momento da criação do poema, aquilo que podemos chamar de
erotismo na literatura. Momento crucial onde forma e conteúdo se desnudam e se
confluem num verdadeiro balé: a imagem se oferece, mas, o simbólico a encobre
com um véu deixando transparecer os contornos ao sabor dos olhos do leitor. Uma
dança de cópula e gozo sem, no entanto, causar espanto aos passantes
inebriados, sedentos pela sexualidade barata dos anúncios do marketing.
Nesse percurso o poeta não inaugura
porto novo nem disseca os caminhos de uma modernidade imposta pelo determinismo
dos fast foods e das redes sociais, antes, pratica o domínio da linguagem e da
forma de um gênero literário. A poesia é carregada de mistério, posto que sua
carne é metafórica e sua alma metonímica e, ao se constituir como símbolo ergue-se de suas estruturas mais escondidas,
adormecidas que estão nas entrelinhas são acordadas para exercer seu reinado.
Poeta Ferreira Gullar/Foto:
Divulgação
A linguagem simbólica sendo matéria
prima de seu ser - carne que se dilui em múltiplas formas do pensamento humano,
o poema só existe porque é fruto do inconsciente do homem e, só como símbolo
resiste às retrancas da censura pueril e vaga, impostas pelas normas da
cultura.
Como produto do universo simbólico só
menciona os objetos, as formas, os sonhos do homem. O poema fixa-se no terreno
das impressões escuras das ideias e das imagens e vive por um não dizer, por um
não informar. Este dizer e informar pertence à linguagem prosaica, fruto das
sociedades normatizadas e da padronização dos comportamentos.
No fragmento: “Havia o que se via
/ e o que não se via: / a manhã
luminosa / encobria a treva / abissal e velha dos espaços”, o poeta escancara,
rasga o verbo, mas não cai no cotidiano da significação das palavras e nos leva
ao final do poema num clima de tensão, onde podemos sonhar e degustar das
imagens criadas pelo seu fazer poético. O espírito descansa e por fim sonha,
transgride sua carne, salva o homem da pieguice e da preguiça transformando-o
num ser holístico, integrado em sua existência.
A linguagem poética não suporta o coloquial da prosa e sua
estreiteza de significado. Pode haver prosa poética, nunca o contrário. Um
poema prosaico para se constituir deverá ser escrito por alguém que nunca leu
um poema, mas, se autorrotula como poeta.
O poema, antes de nascer se
constrói nas imagens que o poeta carrega em seu espírito, oriundas de suas
vivências terrenas que buscam sua materialização em forma de arte. Para tanto,
é preciso que o verso transmute, alcance-se como símbolo/imagem, impressão
daquilo que o olho vê, mas ao transformar-se vista outra roupagem.
*Frederico Spencer é poeta e editor do DCP
Por falar em erotismo na literatura
Reviewed by Natanael Lima Jr
on
11:15
Rating:
Nenhum comentário