DJANIRA SILVA E SEUS JARDINS DE VERSOS
Por José Luiz Mélo
Escritora
Djanira Silva
Foto:
reprodução
Deparei-me com o nome
Djanira Silva pela primeira vez, quando na Cultura Nordestina, templo das
letras e das artes desta nossa cidade do Recife, eu vinha serpenteando entre
suas estantes e tropecei, (e este é o verbo que devo usar, com o sentido de
alguém que vem desatento e súbito um obstáculo, ou neste caso, uma forte emoção
lhe faz parar e voltar ao real, ou ao imaginário), num livro, humildemente
postado, quase de joelhos, entre outros imponentes volumes de uma estante.
Na lombada do livro,
impresso: “Sonetos”. Tomei-o nas mãos, uma encadernação em capa dura; para
fazer vis ao carinho de sua edição, letras douradas; sobranceiro o nome
“Djanira Silva”, da autora, em gótico florido e logo abaixo, traçado numa
caligrafia bem pautada, também em dourado, o nome do livro: “Saudade Presa.”
Aberto o livro, o que
dizer? – a repetição daquele momento que se apresenta cada vez em que nos
colocamos diante da beleza, do milagre da criação, e nos sentimos nas planuras
vendo mil horizontes em nossa frente e ao mesmo tempo, em todos eles.
Os sonetos de Djanira
em nada são tecidos em vestes abotoadas e cerzidas no relevo do verso.
Parecem-nos muito mais versos soltos, desapegados do universo da métrica e da
rima, entretanto métrica e rima que cabem tão naturalmente nos seus sonetos
como membros nativos de um corpo: Braços, pernas, dor, amor, coração.
No preâmbulo do
livro, no lado oposto da 1ª. Página, esta belíssima invocação:
Se é para dormir
Que venha o sono
Se é para acordar
Que venha o sonho
REALIDADE
Livros, sapatos,
roupas espalhadas
Da porta da cozinha
até o portão
Sobre as camas
toalhas encharcadas
Marcas de pés
molhados, pelo chão
Todas as salas são
desarrumadas
A mãe impaciente
ralha, em vão
Crianças correm rindo
às gargalhadas
Sem darem ouvidos à
reclamação
Passado o tempo a
casa se esvazia
E a mãe sente saudade
a cada dia
Daquela antiga
desarrumação
Convive com a dor da
realidade
Nas cadeiras vazias a
saudade
Casa arrumada pela
solidão.
MISTÉRIO ABISSAL
Se nascer e morrer é
só um instante
A mesma chama que
acende, apaga
Da roda viva o homem
itinerante
Num gesto crucial que
agride e afaga
Assim a vida em
mutação constante
É sempre triste no
final da saga
Se nascer e morrer
não é o bastante
A moenda da vida nos
esmaga
Aqui chegamos sem
querermos vir
Daqui partirmos sem
querermos ir
Sequer sabemos aonde
estamos indo
Este mistério
abissal, profundo
Nos faz chegar
chorando a este mundo
De onde ninguém
jamais saiu sorrindo.
Bem, mas devo seguir:
Foi quando, meio de 2017,
comecei a frequentar a enorme sala de estar, (ou terraço?), onde encontramos
pessoas sentadas dos mais diversos locais de um mundo que sequer imaginamos
existir, e que entre si trocam suas vivências, construindo uma existência
plural que se intersecciona e relaciona, superando as diferenças de linguagem e
culturais, formando um mundo mais unitário, − o Facebook.
Neste novo ambiente,
entre outras pessoas voltadas ao culto das letras, dos sentimentos e da poesia,
reencontrei a Djanira.
Desde então, além dos
poemas que publica regularmente, tomei conhecimento de crônicas de sua autoria,
histórias de vida contadas com tanta leveza que se não sabe onde a vida e a
fantasia.
Começo do ano,
Djanira publicou algumas destas crônicas, num belo volume denominado de “O
Sorriso da Borboleta.”
É deste livro, onde
se vê que o encadeamento das histórias é parte também de sua história de vida,
que revelo o lírico enredo da tia Celina e sua sobrinha Djanira.
TIA
CELINA
Djanira Silva
Levei a sério minhas leituras. Com o
tempo transferi os livros para o meu quarto. Neles viajei por muitos mundos.
Conheci pessoas de todos os tempos. Amei almas grandiosas que me ensinaram a
caminhar entre sonho e realidade, representantes de um passado do qual já
começo a fazer parte e a descobrir que não é bom estacionar no agora. Voei nas
asas da imaginação sustentada pelas lembranças.
Minhas vivências levaram-me a
escrever. Falo pouco de tristezas porque cada um tem as suas, não vão precisar
das minhas, assim aprendi com tia Celina que não se cansava de repetir: ninguém
quer saber de gente triste.
Minha avó dizia que ela carregava num
corpo maduro uma alma menina. Era brincalhona, encrenqueira e boa. Bom humor e
presença de espírito não faltavam nas suas conversas.
Um dia fui para o internato e nas
férias soube que ela tinha ido para casa de uma irmã no Rio de Janeiro. A
princípio mandava notícias, notícias que com o tempo deram lugar ao silêncio.
A presença de tia Celina foi muito
importante na minha vida. Ela e suas histórias. Algumas que ouvira, outras que
inventava. Tinha um jeito especial de contá-las. Fazia gestos, imitava gente e
bicho e nos divertia quando engrossava ou afinava a voz. A figura elegante e o
sorriso debochado, jamais sairão de minha lembrança assim como as frases
chistosas e a irreverência. Meu pai, extremamente conservador não aceitava seu
comportamento. Pediu-lhe, várias vezes para se conter diante das visitas,
pedido que ela ignorava. Em almoço oferecido ao prefeito, em nossa casa, no
final de sua gestão, ela se superou. No discurso de agradecimento o
homenageado, entre outros assuntos, enumerou as obras realizadas na cidade
durante o seu mandato. Falando para ser ouvida, ela comentou − não fez mais do
que sua obrigação.
Não podia ir a enterros. Acometida por
crises de riso, não podia se conter. Não sabia o porquê daqueles acessos.
A catarata a tornara quase cega. De
vez em quando dizia: vem cá, menina enfia essa linha na agulha que eu estou com
preguiça.
Debochava da velhice – Não é coisa boa
mas a gente tem que encarar, dizia rindo e fazendo careta, deixando à mostra os
poucos dentes que lhe restavam, amarelados pelo fumo. E acrescentava, a gente
nasceu para andar para frente. Ninguém tem dedos no calcanhar.
Eu imaginava como seria tia Celina se tivesse
estudado.
DJANIRA
SILVA
Vida literária
Iniciou-se nas letras em Pesqueira,
nos jornais A Voz de Pesqueira e a Folha de Pesqueira. No Recife colaborou com
o Diário de Pernambuco, Jornal do Comércio, Diário da Noite e Folha da Manhã.
Bacharel em Direito
Tem 13 livros publicados, o 1º. deles,
em 1980, “EM PONTO MORTO”, poesia, e o último, em 2018, “O SORRISO DA
BORBOLETA”, crônicas.
Participa ativamente da vida
literária, fazendo parte de várias instituições no Recife, Olinda e Pesqueira.
É sócia efetiva da Associação de Imprensa de Pernambuco
Detentora de 9 prêmios literários, 7
dos quais nos gêneros ficção, ensaio e poesia outorgados pela Academia
Pernambucana de Letras, dos quais o último, prêmio Edmir Pires de 2014, pela
publicação do seu livro “Saudade Presa”
Participa, ainda, ativamente de
jornais, revistas e blogs literários.
DJANIRA SILVA E SEUS JARDINS DE VERSOS
Reviewed by Natanael Lima Jr
on
05:02
Rating:

Nenhum comentário