CONTO DO DOMINGO
Noturno
de Chopin (conto) de Fernando Farias
Fernando Farias/Foto: Divulgação
Seis horas.
O ônibus azul aproxima-se da rua
arborizada. O motorista fardado escuta as sirenes, observa as viaturas e o
aglomerado de pessoas justamente na casa a que se dirigia.
Cinco horas e cinquenta minutos.
É a mãe quem consola as amigas e os
vizinhos. Ele está bem, não vai morrer. Olha mais uma vez para o inÃcio da rua,
espera a chegada do ônibus.
Cinco horas e quarenta minutos.
Ao ouvir o cantar dos pneus da viatura
policial, o pai abre a porta, entrega o revólver, os braços às algemas, sereno,
deixa-se aprisionar.
No quarto, a mãe, sorridente, tenta
estancar o sangue usando uma toalha branca, enquanto o filho chora de dor.
Feliz ela escuta a sirene da ambulância.
Cinco horas e trinta minutos.
O filho acorda com o barulho do tiro e
sente a dor aguda na perna e grita. Vê o rosto sereno do pai que ainda segura a
arma. O cheiro de pólvora e sangue. Sente as mãos da mãe comprimindo uma toalha
sobre o ferimento. Ouve palavras de consolo e carinho.
Cinco horas e vinte e cinco minutos.
Vacila sobre a distância. Ajusta a
pontaria, segura com as duas mãos, treme, e dispara o gatilho na perna. Um
único tiro.
Cinco horas e vinte minutos.
Ela, delicada, puxa devagarzinho o
lençol até o joelho, com cuidado para não o acordar. Acena com os olhos
compreensÃveis para o marido. Um sinal em aprovação ao gesto seguinte.
Cinco horas e quinze minutos.
Primeiro ela telefona para a polÃcia,
com a voz disfarçando um choro, comunica que seu marido acabara de atirar no
filho. Em seguida chama uma ambulância. Uma tragédia.
Cinco horas e dez minutos.
Tomam chá de camomila, lembram os
momentos felizes nos vinte anos do garoto. Paparicado desde o nascimento até
chegar ao Conservatório de Música. Do primeiro dentinho às primeiras namoradas.
Concluem que não há amor maior que se pode sentir a um filho. Futuro brilhante
como pianista. Jamais será um piloto de aviões.
Cinco horas e cinco minutos.
Acordam, preparam um chá. Decisão
tomada. Ela pega a toalha e ele o revólver. Às seis horas chegaria o ônibus
azul para buscá-lo. Num mundo em guerra é perigoso ter um filho convocado pela
Força Aérea.
Cinco horas.
O rapaz dorme em paz. Sonha
sobrevoando as nuvens sobre o Oriente Médio ao som de um Noturno de Chopin.
CONTO DO DOMINGO
Reviewed by Natanael Lima Jr
on
09:10
Rating:

Muito bom Fernando Farias :)
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