Por que tanta poesia?
Publicado
em obvious lounge por
Vitor Ribeiro*
Você decerto conhece
alguém que escreve poesia, você decerto já viu um bom número de blogs sobre
poesia: O que este interesse atual pela arte de Homero quer dizer, afinal? Há
causas e consequências? Há algo de bom e ruim nisso tudo?
A cada dia, a poesia tem contrariado paradigmas históricos e
se consolida como a arte mais praticada de todas no Brasil. Tal constatação
decerto não é apenas do autor destas palavras, mas um lugar-comum àqueles que
veem uma mirÃade de blogs, autores e publicações com este fim surgirem todos os
dias; o sentido literal da palavra poesia está sendo aplicado: ela vem do grego
poiesis, ou seja, “fazer”.
O poeta concretista Décio Pignatari,
autor de O que é Comunicação Poética
Décio Pignatari em seu livro O que é Comunicação Poética,
logo em sua primeira página, afirma que “A poesia é um corpo estranho nas artes
da palavra. É a menos consumida de todas as artes, embora pareça ser a mais
praticada”. Considerando que a obra do poeta concretista foi publicada no
século passado, esta referência se mostra, antes de tudo, um prelúdio. A
afirmação citada, a princÃpio, parece não ter certa lógica: um grande número de
pessoas escreve para si, afinal? É por este ponto que aqui se começa procurar
uma solução possÃvel para tantas problemáticas.
A modernidade trouxe consigo um (anti-) movimento de perda de
identidade, por meio dos contingentes crescentes, dos disparates burocráticos,
da dissolução e apropriação culturais, do anonimato indissolúvel nas massas.
Como uma resposta a tais arbitrariedades, nada mais natural do que uma corrida
para distinções pessoais de todas as espécies: de grupos ideológicos à própria
arte como forma de grito, choque e expressão; (a forma como isto ocorreu foge Ã
pauta e será um assunto postergado). “Os artistas são as antenas da raça”,
disse o linguista Ezra Pound, o número crescente de artistas já se justifica no
imenso número de meandros a abordar atualmente, com o respaldo da liberdade e
com a possibilidade do autoral.
Até então, apenas generalizações foram abordadas
superficialmente aqui. O ponto de especulação é: por que a poesia?
O linguista, hostil e poeta Ezra Pound
Primeiramente,
o aval para o abandono gradual das formas melopaicas (ritmo, rima, pé,
estrutura), ao passo em que se diversificam as formas logopaicas (todo assunto
é plausÃvel) e fanopaicas (toda forma de escrita é correta e viável) nos leva a
uma acessibilidade aparente, e ratifico, apenas aparente, da arte poética
àquele que deseja dizer algo com o pretexto da sofisticação estética. A poesia
aparenta ser uma arte de pouca bagagem teórica e, além disso, uma arte de
curtos tempo e espaço, sendo a ruptura e a licença poética, a famigerada, guarda-chuvas
muito amplos para possibilidade de expressão.
Mais substancialmente, um fator tão interessante quanto
ponderável é uma das caracterÃsticas mais marcantes da poesia: subjetividade.
Raros momentos da história moderna desta arte passaram ao largo da visão de
mundo do “eu”. A poesia tem um aspecto autoral muito marcante, sendo que o
homem-poético é, em geral, impotente perante o mundo ou, ainda, suscetÃvel à s
arbitrariedades que lhe são impostas. Assumindo tal fato, o poeta pode fazer
sua análise de tempo, entre onirismo e possibilidade de invenção linguÃstica. O
sujeito prevalece na poesia de uma forma muito mais contundente do que na
prosa, apesar dos Guimarães Rosa e Campos de Carvalho, cuja escrita,
sintomaticamente, é descrita como “poética”.
Os dois últimos parágrafos representam hipóteses, é válido lembrar. Partindo delas, há ainda a necessidade de se discutir outro aspecto da frase de Pignatari previamente citada: A poesia é “a menos consumida de todas as artes”. Há muitas variáveis envolvidas nisso, mas uma será destrinchada: nem toda a escrita poética se faz com o intuito de continuar uma história da poesia, ou seja, nem tudo que é produzido é feito com a consciência do que significa o próprio fazer.
Muito se fala hoje em sobrecarga de informação, mas pouco se
faz para podar isso. Muito é dito sem que antes haja atenta audição, muito é
escrito sem que antes haja atenta leitura. É neste ponto que se distinguem os
dois tipos de poeta: os que só escrevem o que precisam dizer e os que querem escrever
poesia. Os primeiros seriam chamados por Pound, em sua contundência habitual
(Pound-Tsé-Tung, diria Waly Salomão) de “atiradores de moedas”; mas não cabe a
mim dizer o que é qualitativamente válido ou não, considerando que creio ser
legÃtima toda a forma de expressão. Esta divisão define apenas o âmbito da
necessidade de subjetividade e o âmbito da arte como uma finalidade, com
invenção de lÃngua, diálogo com o passado e bagagem teórica.
Sendo
assim, o que se tem é um grande número de poetas e um número desproporcional de
leitores de poesia, ainda que seja algo eminentemente crescente.
Nunca a abundância de poetas seria prejudicial à poesia,
antes disso, é algo que leva a uma ampliação de paradigmas prováveis. No
entanto, há, e sempre há, efeitos colaterais. Uma verdade a ser dita sobre
parte da poesia “consciente-de-si” criada hoje em dia é sua grande contaminação
com a sede de subjetivação: muitas vezes, as temáticas não pretendem fazer algo
senão tornar o próprio homem urbano do aqui-e-agora um ser distinguÃvel,
chegando-se ao extremo de parecer que certas mensagens são feitas única e
exclusivamente para aquele que as escreveu ou que têm certo tempo de validade.
O
fato é que o crescente número de interessados, sendo ou não pelos fatores aqui
sugeridos, aliado à desmistificação proposta à arte faz com que a poesia seja
um novo nicho de mercado. Ainda que poucos consumam poesia, ver Leminski e Ana
Cristina César entre os livros mais vendidos, ou Carlos Drummond de Andrade
sendo estudado para o vestibular mostra que há uma recolocação da poesia em
relação ao grande público e à s grandes editoras. Um cÃrculo vicioso: maior
número de interessados consome poesia, que é propagada pelos grandes meios e
que atrai novos interessados.
O saldo disso tudo que foi expresso é, apesar das
reconsiderações, amplamente positivo. Nunca se fez tanta poesia e nunca se
produziu tanta arte nos mais diversos meios, também: uma arte sadia denota um
paÃs que oferece condições a esta arte, basta comparar o número de artistas
atualmente e no século retrasado e discernir.
Nosso perÃodo de popularização da arte inaugura o debate em
um âmbito não acadêmico, vide este artigo ou a plataforma onde está este
artigo; nosso perÃodo engendra possibilidades de ampliação e de diálogo entre
plataformas. O crescimento de número daqueles que fazem é o provável
crescimento do número daqueles que estudam, ouvem, debatem e, sobretudo, amam.
E o que seria da arte, afinal, do vorticismo ao teatro, se não houvesse um
inerente e incomensurável amor?
Por que tanta poesia?
Reviewed by Natanael Lima Jr
on
10:56
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E que prevaleça a poesia com toda a sua magnitude, pois é ela que extravasa o que nos vai no coração. Muito bom, explicativo e importante texto, para nós, que temos a poesia na vida.
ResponderExcluirLÃgia Beltrão
Belo texto.
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