BREVE APONTAMENTO SOBRE A INFLUÊNCIA DA LITERATURA PORTUGUESA NA LITERATURA NORDESTINA DE CORDEL
Postado por DCP I 30 de abril de 2023
Por Maria de Lourdes Hortas*
Por razões históricas inarredáveis, a
construção da identidade literária brasileira está intrinsecamente ligada à
literatura portuguesa, visto que as primeiras manifestações da literatura
nacional ocorreram durante o período colonial. Na verdade, somente a partir do
século XIX, com o Romantismo, a literatura brasileira deu início à sua
autonomia com manifestações literárias próprias. Todavia, ainda por muito
tempo, poetas e escritores portugueses influenciaram autores brasileiros.
A poesia popular nordestina foi buscar suas
raízes ao trovadorismo medieval português do século XII. Literatura oral,
quando os trovadores, através de canções, espalhavam histórias para o povo,
divulgando e sedimentando fatos reais e lendas da época.
Segundo o poeta e ensaísta Gilberto Mendonça
Teles, “Todo poeta brasileiro do maior ou menor, pagou algum tributo de
admiração a Camões”.
Na Literatura de Cordel, o genial poeta luso
do século dezesseis foi muitas vezes referido como talentoso poeta, além de ter
sido transformado em personagem por cantadores, que o descreviam como ardiloso
e astucioso.
Mas a sua maior influência se constata na
forma dos versos, a maior parte das vezes em sextilhas camonianas.
Quando, com a Renascença, a imprensa surgiu
na Europa, apareceu em Portugal a cultura do cordel, canções impressas e
expostas nas ruas, penduradas em cordéis, ou seja, cordas finas.
Trazida para o nordeste brasileiro, essa
expressão literária popular utilizou técnicas advindas de além-mar, mas foi
buscar os seus temas aos costumes, lendas e histórias do povo, fortalecendo as
identidades regionais e o folclore.
Com origem no embate poético de dois
cantadores adversários, que improvisavam de forma alternada, com musicalidade
rimas e métrica, os poetas populares inicialmente utilizavam quadras, mas, a
partir do final do século XIX, passaram a construir os seus desafios em forma
de sextilhas, oitavas ou décimas.
De acordo com os estudos das pesquisadoras
Ruth Terra (1983), em sua obra Memórias de lutas: literatura de folheto do
Nordeste (1893-1930) e Márcia Abreu (1999), em sua obra Histórias de
cordéis e folhetos, um dos primeiros poetas de cordel foi o paraibano
Leandro Gomes de Barros, no ano de 1893, que teria escrito e editado cerca de
240 folhetos, vendidos em feiras e mercados, evoluindo assim de uma expressão
oral para uma forma escrita.
(O escritor e dramaturgo paraibano Ariano
Suassuna fez referência a Leandro em sua peça ‘Auto da compadecida’ com
o cordel ‘O testamento do cachorro’ e ‘O cavalo que defecava dinheiro’).
Além de Leandro Gomes de Barros, outros
poetas famosos desse gênero foram Francisco das Chagas Batista e João Martins
de Athayde.
Com o passar dos tempos, os folhetos, além de
reproduzirem os desafios entre cantadores, agregaram outras estruturas,
narrativas romanceadas de lendas e casos populares, ilustradas por desenho ou
xilogravura.
A propagação do cordel ocorreu por meio dos repentistas
(ou violeiros), que, até hoje, cantam e contam histórias musicadas e
rimadas nas ruas e feiras e praças e praias, principalmente nas cidades do
interior.
Para encerrar este breve apontamento, deixo
um dos mais conhecidos poemas de Severino de Andrade Silva, cordelista paraibano,
conhecido como Zé da Luz (1904/1965):
Ai! Se sêsse!...
Se um dia nóis se gostasse;
Se um dia nóis se queresse;
Se nóis dois se impariásse,
Se juntinho nóis dois vivesse!
Se juntinho nóis dois morasse
Se juntinho nóis dois
drumisse;
Se juntinho nóis dois
morresse!
Se pro céu nóis assubisse?
Mas porém, se acontecesse
qui São Pêdo não abrisse
as portas do céu e fosse,
te dizê quarqué toulíce?
E se eu me arriminasse
e tu cum insistisse,
prá qui eu me arrezorvesse
e a minha faca puxasse,
e o buxo do céu furasse?…
Tarvez qui nóis dois ficasse
tarvez qui nóis dois caísse
e o céu furado arriasse
e as virge tôdas fugisse!!!
*Maria
de Lourdes Hortas nasceu em São Vicente da Beira, Portugal,
1940. Aos dez anos, acompanhando a família, veio para o Recife, onde vive até
hoje. Poeta luso-brasileira, ficcionista, ensaísta e artista plástica.
Maravilha!
ResponderExcluirPara que já sabia relembra e para quem não sabia vai guardar para sempre
ResponderExcluirParabéns e viva o Cordel
ResponderExcluirRiquíssima contribuição da poeta Maria de Lourdes Hortas. Parabéns e gratidão.
ResponderExcluirBelíssimo texto Lourdes!!!
ResponderExcluirTexto exemplarmente didático. E Antológico.
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