ALBERTO DA CUNHA MELO & JACI BEZERRA – FRENTE A FRENTE
Postado por DCP em 17/10/2021
Apresentação e seleção dos poemas por
Maria de Lourdes Hortas¹
A poesia pernambucana tem se destacado dentro da poesia brasileira, com nomes como Manuel Bandeira, Joaquim Cardozo, Carlos Pena Filho e João Cabral de Melo Neto. Nos anos sessenta, vamos encontrar a chamada Geração 65, de significativos poetas e poetisas, pernambucanos e radicados: Ângelo Monteiro, Marcus Acioly, Tereza Tenório, Lucila Nogueira, José Rodrigues de Paiva, Celina de Holanda, José Luiz Mélo, Domingos Alexandre, Jaci Bezerra, Alberto da Cunha Melo, entre outros.
Esta geração tem em comum o fato de
todos terem iniciados, por volta dos anos 65, suas atividades literárias, e, quase todos, foram apresentados nas páginas do suplemento literário do Diário de Pernambuco, o mais antigo periódico em circulação da América Latina, pelas
mãos do editor e jornalista César Leal, querido mestre, poeta e grande ensaísta. De resto, a poesia
desses autores caracteriza-se pela pluralidade de temáticas e formas, cada qual
tendo encontrado sua voz própria, embora guardem, segundo Marcos Alexandre
Faber (no livro Geração 65), ”(...) correspondências formais e temáticas com a
geração poética anterior” (...).
Alberto
da Cunha Melo
(José Alberto Tavares da Cunha Melo, 1942 - 2007), pernambucano, de Jaboatão dos Guararapes. Jaci Bezerra (José Jaci de Lima
Bezerra, 1944/2020) nasceu em Alagoas (Murici), mas veio para Pernambuco
(Jaboatão), na adolescência. Ambos, nos primeiros passos pelos caminhos
literários, foram orientados por Benedito da Cunha Melo, pai de Alberto, e
fizeram parte do “Grupo de Jaboatão”, ao qual também pertenceram José Luiz Mélo e Domingos Alexandre.
Jaci Bezerra e Alberto da Cunha Melo
voltaram a se encontrar no Recife, nos anos 70/80, tendo criado o movimento editorial das Edições Pirata.
Dois grandes poetas de vozes bem distintas, que merecem lugar de destaque no cânone da poesia brasileira. O site Domingo com Poesia traz, ineditamente, no seu "Frente a Frente", a poesia e a voz desses vigorosos poetas.
ECLIPSES
Alberto da Cunha Melo
Ninguém
partiu
ou
ficou abandonado:
o
amor se foi
como
quem foi ali
comprar
cigarros,
tinta
que se foi,
no
muro esquecido,
descascando
calada;
o
amor se foi
devagar
feito sombra
a
voltar para a árvore,
devagar
feito féretro,
atravessando
a cidade,
feito
estrela fátua
a
se apagar
na
própria claridade.
POSTAL
PERNAMBUCANO
Jaci
Bezerra
(com
informações de Pereira da Costa)
O
tempo era de caju e manga,
do
azul do céu lavado da manhã,
também
do Cristo que ainda hoje sangra
na
agonia de luz do flamboyant.
O
dia entrava pela telha vã
e
a prima, em chama, se ofertava nua.
O
holandês, com o cachecol de lã,
assombrava
o chalé, a alma e a rua.
A
cada coisa Deus dava o seu nome
e
os meninos, sentados na calçada,
temiam
o cabeleira e o lobisomem.
A
tia queria o moço dos seus sonhos,
e
enquanto ele não vinha, suspirava,
rezando
diariamente a Santo Antônio.
FILHOS DO
NORTE
Alberto
da Cunha Melo
Durante
toda falsa infância
caíam
do céu chuvas demais
na
terra inteira e, agora, quando
deve
chover, não chove mais;
meninos
sujos, nessa rua
brincávamos
com a lama crua;
quando
anoitecia de vez,
dentro
do copo de café
molhávamos
o pão francês;
lá
fora um deus, por trás de um muro,
devorava
nosso futuro.
LINHA D’ÁGUA
Jaci
Bezerra
Em
Alagoas me achei, achando o mar,
desde
então o conservo em mim, aberto,
porém
nunca aprendi a soletrar
a
insone cadência dos seus metros.
Talvez
porque o mar, nervoso e inquieto,
no
pacífico silêncio onde Deus viça,
não
escreve nem repete o mesmo verso
no
seu caderno de águas movediças.
Achando
o mar me fiz cúmplice da beleza,
mas
ao me consumir em suas chamas
soube
que a alma é uma onda de incertezas
presa
na cela da nossa areia humana.
Aprendi
com o mar a ser constante
e
a aceitar, sem pudor, as coisas frágeis:
a
fazer da inconstância dos instantes
lembranças
o mais possível perduráveis.
Entregue
ao mar, pago ao mar meu tributo,
e
ao escutá-lo na minha humana cela,
sinto
que o mar, fremindo longe e oculto,
me
conta coisas que a ninguém revela.
CONSELHO
Alberto
da Cunha Melo
Faz
de conta
que
você tem o dinheiro suficiente
ou
a miséria absoluta
para
ouvir a chuva,
alegrando
as árvores
e
dando, de certo modo,
alguma
dignidade ao crepúsculo;
faz
de conta que está chovendo
apenas
para você.
*In Poesia Completa, Ed. Record, 2018
PARA TE VER É
LONGA A ESPERA
Jaci
Bezerra
Há
uma serra no teu peito
feita
de sonho e de distância.
É
nessa serra que me deito
com
a tua luminosa infância.
Ao
te esfolhar, na tarde branca,
me
extravio em tuas ancas.
Habitando
a paisagem branca
na
curva dessa serra deito.
Assim
montado em tuas ancas,
cavalgo
os sonhos do teu peito.
Depois,
retido na distância,
na
cama acendo a tua infância.
Nos
veludos da tua infância
qualquer
montanha é pura e branca,
claro
verão que, na distância,
cintila
sobre tuas ancas.
É
minha a serra do teu peito
quando
à sombra do teu corpo deito.
Sobre
os lençóis, quando me deito,
meu
coração é a tua infância.
Eu,
pelas serras do teu peito,
sou
um menino na distância.
Cavalgando,
na tarde branca,
os
girassóis das tuas ancas.
Nos
extremos das tuas ancas
cavalgo
as serras do teu peito.
O
teu corpo, na tarde branca
é
o meu lençol, quando me deito.
Uma
criança, na distância,
Sou
a serra da tua infância.
Quero
galgar serra e distância
nas
tuas mãos de nuvens brancas,
do
mesmo modo quero a infância
e
os girassóis das tuas ancas.
A
mim me basta, se me deito,
Morrer
na serra do teu peito.
*Poemas de Jaci Bezerra recolhidos em sites da
internet
..................
¹Maria de Lourdes Hortas é escritora,
poetisa e ficcionista

Grandes poetas, que se juntaram a Domingos Alexandre pra formar a tríade jaboatanense que iniciou o movimento que Cesar leal batizaria de Geração 65.
ResponderExcluirGrandes poetas, que se juntaram a Domingos Alexandre, formando a Tríade de Jaboatão,dando início ao movimento batizado por Cesar leal de Geração 65.
ResponderExcluirNa poesia pernambucana, uma das melhores da lingua portuguesa, incluem-se ainda Carlos Pena Filho (sonetista fino), Ascenso Ferreira, Mauro Mota, Solano Trindade. Na geração 65, temos ainda José Carlos Targino, Marco Polo e Geraldino Brasil.
ResponderExcluirE Celina de Holanda
ResponderExcluirBelo frente a frente com esses gigantes da literatura brasileira! Apresentação e seleção de poemas primorosas! Parabéns mais uma vez à poeta e pintora Maria de Lourdes Hortas; assim como também parabenizo o DCP por mais esta edição!
ResponderExcluirMuito bom esse bate-volta!
ResponderExcluirComo é lindo LINHA D’ÁGUA, de Jaci Bezerra!
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